O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, abriu a sessão plenária desta quarta-feira (3) com um alerta contundente diante da escalada de violência contra mulheres no Brasil. “Não descansaremos enquanto houver uma mulher em risco”, afirmou, estabelecendo o tom de urgência para enfrentar o que considera uma crise nacional de direitos humanos.
Sem discurso formal, Fachin fez um chamamento direto à sociedade para romper padrões culturais que sustentam o machismo e a violência de gênero. “É urgente romper o silêncio, enfrentar o preconceito e superar a naturalização do machismo.” Leia a íntegra do pronunciamento aqui.
A declaração ocorre em meio a episódios brutais que têm comovido o país, como o feminicídio da professora e pesquisadora Catarina Karsten, em Florianópolis, assassinada após violência sexual durante uma trilha. Fachin sublinhou que casos como esse exigem do Judiciário respostas imediatas e firmes. “O Judiciário expressa sua solidariedade irrestrita às famílias e às pessoas próximas às vítimas dessas atrocidades. Àquelas que perderam mulheres queridas — mães, filhas, irmãs, companheiras, colegas de trabalho —, oferece nosso respeito, compaixão e compromisso de luta por justiça, hardware e memória”, disse o presidente da Corte.
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O ministro reforçou que apenas uma ação coordenada poderá frear a violência que atinge desproporcionalmente mulheres e meninas. Ele defendeu a integração entre os três Poderes, forças de segurança, imprensa, sistema de saúde, assistência social e sociedade civil. “A proteção das mulheres exige ação contínua, vigilância institucional e compromisso de toda a sociedade”, enfatizou.
Violência crescente e desigualdade racial
Dados do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher, do Ministério das Mulheres, mostram a dimensão da crise: 1.450 feminicídios e 71.892 casos de estupro registrados em 2024 — uma média de 196 por dia. A maioria das vítimas é composta por meninas de até 13 anos violentadas dentro de casa.
A violência afeta de forma ainda mais severa mulheres negras. Fachin destacou: “Entre as mulheres adultas vítimas de violência, mais de 60% são pretas ou pardas. Esses dados demonstram a interseção entre gênero, raça e vulnerabilidade social.”
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No âmbito judicial, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registrou 6.066 processos de feminicídio julgados e cerca de 869 mil pedidos de medidas protetivas em 2024 — 92% deles concedidos imediatamente. Mesmo assim, o ministro alertou que esses números revelam apenas “a face visível” de um cenário marcado pela subnotificação.
Fachin foi enfático: “Há um repúdio absoluto a todos e qualquer forma de violência contra a mulher. Não há relativização possível quando vidas são ceifadas e famílias são destruídas.”
‘Não há democracia sem igualdade’
A ministra Cármen Lúcia também se manifestou, lembrando debates recentes sobre o tema no Encontro Nacional do Judiciário. Para ela, o país vive um momento alarmante: “Não se sabe se é um aumento gritante de casos de feminicídio ou se estamos saindo de uma invisibilidade em que isso acontecia de uma maneira silenciosa e, portanto, mais trágica ainda.”
Ela afirmou que a violência de gênero — física, política ou econômica — nega a civilidade e compromete a democracia. “Não há democracia sem igualdade”, reforçou.
Casos recentes acendem alerta
A sequência de casos recentes acendeu um forte alerta no país. Além do assassinato da pesquisadora Catarina Karsten, em Florianópolis, várias ocorrências de violência extrema contra mulheres foram registradas nos últimos dias. Em São Paulo, uma mulher de 31 anos foi arrastada por cerca de um quilômetro após ser atropelada por um homem com quem havia se relacionado — a polícia trata o caso como feminicídio. Na mesma semana, outro episódio ganhou repercussão quando um homem abriu fogo contra a ex-companheira no local de trabalho dela. Em Pernambuco, a tragédia atingiu uma família inteira: Isabele Gomes, grávida, e os quatro filhos pequenos, de 1 a 7 anos, morreram após o companheiro incendiar a casa onde viviam.
Os números refletem a gravidade desse cenário. Apenas na capital paulista, a Secretaria de Segurança Pública registrou 53 feminicídios em 2025 até outubro, o maior índice desde 2018. No estado como um todo, já são 207 casos, o que representa um aumento de 8% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Diante dessa escalada, o governo paulista afirma que o enfrentamento à violência de gênero é prioritário e destaca iniciativas como a Cabine Lilás, que já realizou cerca de 14 mil atendimentos, além da ampliação das salas DDM 24h, hoje presentes em 170 unidades. O estado também conta com 142 Delegacias de Defesa da Mulher, que integram a rede de proteção às vítimas.
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