Donald Trump fortalecerá os Estados Unidos? Conseguirá, ao menos, deter o seu declínio relativo? Ou vai acelerar a decadência do Império? Antecipo a conclusão do artigo: Trump não só será incapaz de deter o declínio dos EUA, como irá apressá-lo. Em vez de Make America Great Again ­(MAGA), ele deve produzir o Make America Weaker Still (MAWS). (Em vez de fortalecer os EUA, deve torná-los mais fracos.)

O seu slogan MAGA é revelador do que está acontecendo com os EUA: uma perda progressiva de expressão relativa, tanto em termos econômicos quanto populacionais. O plano de Trump é restabelecer a hegemonia norte-americana no mundo, custe o que custar. Mas o seu sonho não deve se realizar.

Por vários motivos.

Em primeiro lugar, porque a herança geopolítica que o novo governo dos EUA recebe é altamente problemática. Super­estimando o próprio poder e subestimando aquele de outros países, os norte-americanos se meteram em uma guerra em três frentes. Hostilizaram simultaneamente a Rússia e a China, o que aproximou esses dois gigantes como nunca. A guerra econômica e tecnológica contra a China atrapalhou, mas não conseguiu parar o avanço chinês. As sanções contra a Rússia não tiveram o efeito pretendido. Apesar delas e do apoio maciço do Ocidente à Ucrânia, a Rússia tem levado a melhor no campo de batalha.

Para completar o quadro, os EUA carregam o peso econômico e moral de apoiar o genocídio praticado por Israel. A força do lobby judaico converteu o império norte-americano num instrumento dos planos israelenses, o que desmoraliza por completo os valores humanitários proclamados pelos Estados Unidos e demais países do Ocidente.

Como Trump pretende lidar com essa herança? Em relação a Tel-Aviv, a sua política consegue ser uma versão piorada do que já vinha sendo feito por Joe Biden, uma vez que proporciona apoio ainda mais enfático aos crimes de ­Israel. E, pior, ele dá sinais de que pretende ser mais agressivo com o Irã, não descartando uma guerra aberta contra o país.

Todos os esforços iniciais de Trump se concentraram em uma tentativa arrojada de encerrar a guerra na Ucrânia e pacificar a relação com a Rússia. Cedo para dizer se terá sucesso, mas alguns pontos parecem razoavelmente claros. A pacificação implica reconhecer a vitória de Moscou, que terá suas principais reivindicações atendidas, entre elas o reconhecimento de que algo como 20% a 25% do território ucraniano será parte permanente da Rússia e a neutralidade da Ucrânia, que será obrigada a abandonar qualquer intenção de entrar para a Otan.

Quanto à China, os planos do novo presidente norte-americano ainda não estão totalmente claros. Mas uma hipótese bem plausível é de que ele pretenda redobrar os esforços para conter a ascensão chinesa, tentativa que tem amplo apoio bipartidário nos EUA e vem sendo perseguida em todas as administrações, desde o fim do governo de Barack Obama, inclusive de modo vigoroso no primeiro mandato de Trump. A pacificação com a Rússia teria como objetivo quebrar, ou ao menos enfraquecer, a aliança entre russos e chineses.

O republicano, grosseiro e prepotente, é um sintoma da decadência dos EUA

Trump não poupa da sua metralhadora giratória aliados históricos dos EUA, notadamente os canadenses e os europeus, inclusive a Inglaterra. Faz isso de duas formas. Exclui os europeus das fases decisivas da sua negociação com a Rússia. E aplica tarifas de importação pesadas sobre produtos europeus e canadenses, algo especialmente problemático para o Canadá, cuja economia é profundamente integrada à dos EUA. Assim, não só não resolve vários dos problemas internacionais herdados de Biden, como os agrava em sua maioria. E ainda abre novas frentes de conflito, aprofundando provavelmente a tendência de isolamento dos EUA. Distancia-se dos parceiros tradicionais do Atlântico Norte e piora a situação no Oriente Médio, radicalizando a política pró-Israel e ameaçando o Irã. E deve aumentar, sem muito sucesso, as pressões sobre a China.

O que se quer, fundamentalmente, é deter a perda de expressão econômica dos EUA e refazer a indústria do país. Contudo, as medidas econômicas iniciais não convencem. As tarifas de importação são facas de dois gumes. Por um lado, podem reforçar a produção industrial interna e trazer indústrias de volta. Podem, também, forçar outros países a abrir mais espaço para as exportações norte-americanas. Por outro lado, geram aumento da inflação para os consumidores e custos mais elevados para setores que usam insumos importados. E provocam tarifas retaliatórias em mercados tradicionais dos EUA.

Com essa inevitável ambiguidade, é pouco provável que as tarifas de importação tenham o impacto salvador com o qual sonha Trump. Além disso, a deportação em massa de imigrantes e restrições severas à sua entrada diminuem a oferta de trabalhadores menos qualificados e solapam a competitividade das empresas mais intensivas em mão de obra. Por sua vez, os cortes drásticos de gastos e fechamentos de agências do governo podem desarticular a atuação do Estado. Por esses e outros motivos, a economia dos EUA deve continuar a trajetória de declínio relativo que marcou as décadas recentes, não se devendo excluir a possibilidade de que esse declínio venha a se intensificar com as políticas adotadas pelo novo governo.

A melhora nas relações com a Rússia, se acontecer de fato, não deve provocar um distanciamento real entre Moscou e a China. Putin, estrategista muito superior a Trump, a Biden e a qualquer outro presidente norte-americano recente, tira partido das iniciativas dos EUA e está, tudo indica, interessado na paz. Mas alguém acredita, em sã consciência, que ele vai romper, ou mesmo enfraquecer, as suas relações estratégicas com Xi Jinping? Os norte-americanos, inclusive o errático Trump, merecem confiança? Putin deve continuar a colocar o grosso das suas fichas na aliança com a China.

Em suma, pelo que se pode depreender desses dois primeiros meses de governo, Trump não conseguirá interromper a decadência dos EUA. Ele próprio, grosseiro e prepotente, despreparado e arrogante, é um sintoma dessa decadência. O que temos é MAWS, não MAGA. •

Publicado na edição n° 1354 de CartaCapital, em 26 de março de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Faça a América (mais) fraca’

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Last Update: 20/03/2025