Marine Le Pen, candidata da extrema-direita à Presidência da França
Chesnot/Getty Images

Professor titular de filosofia da FFLCH-USP, Leonardo Marques criticou a normalização da extrema-direita em veículos de comunicação em artigo publicado na última quarta (24) na Folha de São Paulo.

O estudioso fez um texto em contraponto as recentes ações tomadas nas eleições francesas em que comentaristas políticos colocaram em “panos quentes” as colocações do partido Renovação Nacional. Confira trechos do texto:

Na semana passada, João Gomes publicou, nesta Folha, um artigo em que exortava a aceitar a normalização pretensamente inevitável da extrema direita. Chamando as reações a tal processo de “dogmas” animados por alguma forma de cruzada moral contra setores muitas vezes hegemônicos das populações mundiais, 

[…]

Esse artigo não é peça isolada, mas representa certa tendência forte entre analistas liberais e conservadores do mundo inteiro. Tal tendência consiste em recusar a tese da ascensão mundial da extrema direita como movimento catastrófico global de consolidação autoritária e de esgotamento terminal das ilusões da democracia liberal.

Vimos algo semelhante há pouco quando comentaristas políticos tentavam explicar que um partido como o francês Renovação Nacional, com seu racismo e xenofobia orgânicos, seus vínculos com o passado colaboracionista e colonial francês, seu aparato policial pronto para atirar contra tudo o que se assemelhe a um árabe, não era afinal um problema assim tão grande e sequer deveria o partido ser chamados de “extrema direita”.

[…] 

Pois aos que pregam a normalização da extrema direita eu diria que ela nunca teria força tão grande atualmente se não estivesse há muito normalizada. Não pelos eleitores, mas pelos políticos e formadores de opinião liberais. Há uma aliança objetiva entre os dois grupos.

As políticas anti-imigração precisam ser inicialmente implementadas pelo “centro democrático” para que a extrema direita cresça. A paranoia securitária precisa estar cotidianamente na boca dos analistas políticos “liberais” para que a extrema direita conquiste eleitores e eleitoras.

Idem para a equalização entre militantes de movimentos sociais e tropas de bolsonaristas, trumpistas e afins. Ou seja, quando a extrema direita enfim sobe ao poder normalmente ela precisa apenas chutar uma porta podre. A normalização real já tinha definido a agenda do debate político.

[…]

Recusar a normalização da extrema direita não significa ignorar os sofrimentos reais de seus eleitores, a precarização crônica da situação social dos que a apoiam. Muitos menos significa impor discursos morais no lugar de decisões políticas.

Significa não compor de forma alguma com as soluções da extrema direita, ter a capacidade de recusar de forma absoluta sua maneira de definir o debate. Significa tensionar a sociedade com uma visão alternativa de transformação e ruptura. Mas talvez seja exatamente isso que alguns mais temam“.

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Última Atualização: 28/07/2024