Raquel Lyra era a esperança de sobrevida do PSDB. Na segunda-feira 10, a governadora de Pernambuco, eleita de forma surpreendente dois anos atrás, tornou-se, porém, a responsável por pregar um dos últimos cravos no caixão da legenda. De olho na reeleição em 2026 e no próprio futuro, Lyra abandonou o ninho para seguir a caravana do PSD de Gilberto Kassab, agremiação-síntese do espírito do “Centrão”, aquela máquina eleitoral sem consistência ideológica, mas com interesses particulares graníticos. No mesmo dia, para aumentar o clima de enterro, os nove deputados estaduais paulistas, unidade da federação onde se encontram depositados os fósseis do partido, ameaçaram uma debandada em massa, insatisfeitos com o pouco caso do comando nacional. Entre os diferentes cardeais da política brasileira e analistas de diversos espectros, a extrema-unção foi concedida aos tucanos faz tempo. “A situação é grave. Ninguém acredita que vá sobreviver”, desabafa o deputado estadual Mauro Bragato, filiado desde 1994 e no 11º mandato na Assembleia paulista. Parece haver um último crente, talvez por dever de ofício, o atual presidente da legenda, Marconi Perillo. “O PSDB vai continuar existindo”, declarou em nota no mês passado em resposta às crescentes especulações.
É pouco provável. Há, em princípio, duas alternativas no horizonte. Uma tríplice fusão com o Podemos e o Solidariedade ou a incorporação pelo PSD. Bragato defende a última opção e reclama do desprezo da cúpula pela opinião da base partidária. “Somos a maior bancada de parlamentares estaduais no País, mas ninguém nos consulta para nada.” Perillo e o atual deputado federal Aécio Neves, ex-governador de Minas Gerais e candidato à Presidência em 2014, defenderiam a primeira alternativa, sob o argumento de que a joint venture com o antigo PTN e o grupo fundado por Paulinho da Força permitiram preservar alguns resquícios do DNA do antigo tucanato. O nome do novo partido seria escolhido por meio de pesquisa com o eleitorado e o programa se ampararia na velha ilusão da terceira via, uma alternativa de “centro” ao PT e à extrema-direita. A decisão de fevereiro da direção do Cidadania de romper a federação que vigorou nas eleições passadas aumenta a pressão interna sob o comando do PSDB.
Os próprios tucanos divergem a respeito do início da decadência. Ex-presidente da sigla, José Aníbal atribui o declínio à ascensão meteórica de João Doria, o neófito eleito prefeito de São Paulo em 2016 e governador do estado dois anos depois. “Vivemos um verdadeiro desastre em 2018 com o BolsoDoria. O Bolsonaro é tudo que o PSDB não é. Ele não tem proposta política. Defende apenas a liberdade de destruir.”

Fonte: TSE
É possível argumentar, no entanto, que a captura da legenda pelo arrivista Doria, um promotor de eventos cujo maior talento é reunir empresários e autoridades em uma mesma sala, foi um sintoma e não a causa da perda de protagonismo tucano. O impeachment de Fernando Collor, em 1992, consolidou uma fase de “bipartidarismo” na Nova República. De um lado, o PT, de outro, o PSDB, em torno dos quais orbitavam as demais forças políticas. Contra o caráter popular de Lula e da maioria das lideranças petistas, propositalmente confundido com primarismo e populismo, criou-se a aura de que os tucanos abrigavam o suprassumo da intelectualidade nativa. Contribuíram para essa imagem o epíteto de “príncipe dos sociólogos” atribuído a Fernando Henrique Cardoso, a simpatia de grande parte da mídia, uma certa petulância classista de dirigentes ou filiados recrutados na USP ou no ambiente liberal da Zona Sul carioca, e o mito forjado nas redações paulistas de que o ex-senador José Serra era o brasileiro “mais preparado” de todos os tempos, pronto a assumir qualquer missão, da fusão a frio ao resgate de um gato preso na árvore.
Se houve mesmo uma inteligência superior a determinar os rumos do PSDB, não passou de um fenômeno efêmero. O que sobressai, de fato, na trajetória da legenda são a vaidade e a fome de poder. Após deixar a presidência da República, FHC não conseguiu exercer o papel de cacique. Abriu-se uma guerra intestina e florentina. Serra apunhalava Aécio, que apunhalava Geraldo Alckmin, que apunhalava Serra, até todos caírem esfalfados aos pés de Doria, que apunhalou todos. As quatro derrotas seguidas para o PT desanimaram o até então fiel eleitorado antipetista, que partiu em busca de uma opção mais radical e efetiva, personalizada mais tarde por Bolsonaro. Aos poucos, os tucanos cederam ao ódio e às fake news. O revés por uma margem estreita diante de Dilma Rousseff, em 2014, levou a agremiação, sob o comando de Aécio, a abraçar de vez o golpismo. O tiro saiu pela culatra. O ex-governador mineiro acabou engolido pelo monstro que libertou e hoje se esquiva pelos corredores sombrios da Câmara dos Deputados. O partido elegeu oito governadores em 2010. Com a saída de Raquel Lyra, fica reduzido a dois, Eduardo Leite, outra promessa não concretizada, no Rio Grande do Sul, e Eduardo Riedel, em Mato Grosso do Sul, um estranho no ninho. Sobraram 13 deputados federais (eram 99 em 1998) e três senadores, bancada engordada com a filiação de dois nomes eleitos pelo Podemos. A esta altura, o PSDB é um cadáver insepulto à espera do fim do horário de almoço do coveiro. •
*Com reportagem de Pedro Marcondes.
Publicado na edição n° 1353 de CartaCapital, em 19 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Extrema-unção’