Extinção da TR e a revisão dos critérios de cálculo da poupança
por José Dutra Vieira Sobrinho
1 – TR: indexador ou taxa de juros?
Em 1992 publiquei um artigo no Jornal do Brasil começando com a seguinte frase: “Se alguém lhe perguntar o que é a TR, você deve responder: a TR é uma coisa; todos usam, mas ninguém sabe o que é.” A TR foi criada pela Lei 8.177 de 1 de março 1991 com o objetivo de acabar com a indexação no Brasil, proibindo a utilização dos índices tradicionalmente empregados para corrigir valores dos contratos com previsão de correção monetária. Ela já nasceu com algumas distorções. Foi criada com o nome de taxa referencial de juros, mas, acabou se constituindo no principal indexador da economia brasileira, sendo utilizada de forma generalizada para atualização monetária de aplicações financeiras, de empréstimos, de financiamentos de bens e serviço, dos saldos do FGTS, de impostos e até mesmo de débitos judiciais. Em resumo, a Lei proibiu a utilização dos índices citados, mas criou outro, a TR, para exercer a mesma função, fato facilmente comprovável. Entretanto, a natureza da TR nunca ficou clara para ninguém: seria uma taxa de juros ou um indexador? Até hoje, a resposta continua indefinida, com até ministros do STF divergindo sobre o tema. Ao longo dos anos, a TR gerou mais problemas do que soluções para o mercado financeiro e para o judiciário.
2 – Critérios de cálculo da TR
Desde a sua criação o cálculo da TR passou por várias alterações, sendo mais significativas as introduzidas a partir da Res. 2809 do Banco Central do Brasil de 21/12/2000, a qual definiu o seu valor através de uma sofisticada e mal planejada tabela construída com base em 8 faixas de variação da Selic Meta. Posteriormente essas faixas de variação foram modificadas pela Medida Provisória 567 de 3/05/2012 (convertida na Lei 12.703 de 7/08/2012). Essa norma manteve a complexidade existente nos casos da Selic Meta acima de 8,5% ao ano; mas, paradoxalmente, adotou uma regra extremamente simples caso a Selic Meta fosse igual ou inferior; nestes casos o valor da TR seria equivalente a 70% da Selic Meta. Mas, a história dessa longa e complicada metodologia de cálculo não parou por aí. A sua complexidade foi ampliada, e muito, pelas novas alterações introduzidas pela Resolução 5.124 do Conselho Monetário Nacional e publicada pelo Banco Central do Brasil em 28/03/2024. Consultando essa Lei o leitor vai comprovar essa afirmação! Por tudo isso, entendo ser é necessário revisar toda regulamentação da a TR ou até mesmo extirpá-la, substituindo-a por outro indexador. Apresentamos a seguir algumas sugestões de caráter geral para racionalizar a TR e o cálculo do rendimento da poupança. Primeiramente, é fundamental renomear a TR, pois ela não é uma taxa de juros, mas sim um indexador.
E na hipótese de se manter a TR exercendo as mesmas funções que exerce, seria de bom senso, para o seu cálculo, substituir a Selic Meta pela Taxa Selic calculada diariamente pelo Banco Central com base nas taxas praticadas pelo mercado financeiro em negócios com títulos públicos (também poderia ser com títulos privados); utilizando a Selic Meta para taxas iguais ou inferiores a 8,5%, o COPOM efetivamente está arbitrando o rendimento da poupança por 45 dias.
3 – Propostas de alterações nas regras que definem o rendimento da poupança
Com relação à poupança, existem medidas que poderiam ser adotadas de forma simples e imediata. Primeiramente, os depósitos na poupança deveriam ser remunerados todos os dias do mês, incluindo os dias 29, 30 e 31. Caso o depósito seja feito em um desses dias e o mês do crédito tenha número menor de dias, o crédito poderia ser efetivado no último dia do mês; com esse procedimento nenhum poupador perderia sequer um dia de rendimento durante o ano. Além disso, seria importante unificar a remuneração dos depósitos, ou seja, propiciar a mesma rentabilidade para todos os depósitos realizados no mês, independentemente do dia da sua efetivação. Isso tornaria o cálculo mais simples e mais transparente para o poupador. Aliás, isso já ocorre nos casos em que a Selic Meta é menor ou igual a 8,5%! Por fim, é importante evitar que a rentabilidade da poupança seja negativa por meses seguidos, como ocorreu no período de março de 2018 até outubro de 2021(mais de 3,5 anos), período em que a inflação média anual no Brasil foi em torno de 4,5%; no período de agosto de 2020 até março de 2021 (durante 8 meses seguidos) a taxa de rendimento anual da poupança foi de apenas 1,4%, visto que a Selic Meta permaneceu constante em 2%. Grandes e longas disparidades como essa comprometem o poder de compra e a confiança dos poupadores nessa modalidade de aplicação financeira, que é a mais importante do nosso país.
José Dutra Vieira Sobrinho – Economista, professor de matemática financeira e vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB)
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