
Em um movimento que pode ser descrito como uma reviravolta histórica, o Exército dos Estados Unidos concedeu patentes de tenentes-coronéis na Reserva a quatro altos executivos das gigantes tecnológicas Palantir, Meta e OpenAI, criando o “Destacamento 201” ou “Executive Innovation Corps”. A decisão marca uma fusão inédita entre a elite tecnológica do Vale do Silício e o aparato militar dos EUA, levantando questões éticas e preocupações sobre o futuro dessa relação cada vez mais estreita entre o setor privado e o poder militar.
Os executivos empossados são Shyam Sankar (Palantir), Andrew Boz Bosworth (Meta), Kevin Weil (OpenAI) e Bob McGrew (ex-OpenAI). Esses líderes, apesar de receberem a patente de tenente-coronel, não passarão pelo treinamento militar convencional, mas por um curso abreviado, com foco em história militar e conhecimentos básicos em armamento e protocolos físicos. Seu papel será consultivo, contribuindo com expertise em inteligência artificial, análise de dados e tecnologias emergentes, que podem ser aplicadas ao planejamento estratégico do Exército dos EUA.
O nome “Destacamento 201” é uma homenagem ao código HTTP que indica um recurso recém-criado, representando, assim, a introdução de um novo tipo de “soldado” — um soldado digital. A ideia por trás dessa unidade, concebida por Brynt Parmeter, chefe de talentos do Pentágono, é recrutar mentes brilhantes do setor privado sem desconectá-las de suas empresas, um movimento de “Oppenheimerização” da defesa nacional.

A integração de executivos do setor tecnológico à hierarquia militar é mais do que uma estratégia de recrutamento: ela indica a consolidação de um novo complexo militar-industrial-digital, onde as fronteiras entre o civil e o bélico, o público e o privado, se tornam cada vez mais tênues. Essa aproximação representa uma mudança substancial em relação a atitudes do passado. Em 2018, por exemplo, milhares de funcionários do Google protestaram contra o Projeto Maven, que utilizava IA para analisar imagens de drones com fins militares. A pressão gerada pelos protestos fez com que o Google cancelasse o contrato e proibisse futuros desenvolvimentos militares.
Entretanto, a situação mudou com a crescente dependência das grandes empresas de tecnologia em contratos governamentais. Com a economia da IA tornando-se insustentável com receitas exclusivamente comerciais, empresas como OpenAI passaram a estabelecer parcerias com o governo. Atualmente, a OpenAI firma contratos de 200 milhões de dólares com o Pentágono, enquanto a Meta colabora com a Anduril em projetos de realidade aumentada para combate.
Essa aproximação levanta questões éticas relevantes, especialmente no que diz respeito ao controle da tecnologia militar. Embora os executivos não possam trabalhar diretamente em projetos de suas empresas enquanto atuam no Exército, suas empresas competem pelos mesmos contratos que eles ajudam a moldar. Além disso, muitos questionam a flexibilidade das empresas de tecnologia com a segurança ética. A OpenAI, por exemplo, reverteu sua proibição de trabalhar com fins militares, o que levanta dúvidas sobre os limites éticos da colaboração entre o setor privado e o poder militar.
Outro ponto crítico é o uso de dados dos cidadãos comuns. As IAs utilizadas pelo Exército são treinadas com grandes volumes de dados gerados por usuários da internet, como buscas no Google, interações no Instagram ou perguntas feitas no ChatGPT. Isso implica que, sem o consentimento dos usuários, seus dados podem estar sendo utilizados para aperfeiçoar algoritmos com fins bélicos, uma questão que levanta sérios dilemas sobre privacidade e o uso responsável de informações pessoais.
A integração das grandes empresas tecnológicas ao aparato militar dos Estados Unidos representa uma mudança profunda na forma como o poder privado e militar se entrelaçam. Embora ofereça avanços em termos de modernização da defesa nacional, também desperta preocupações sobre os limites éticos dessa fusão e as implicações para a privacidade e a autonomia dos cidadãos.