A demissão de Nísia Trindade não surpreendeu ninguém em Brasília. Seu destino estava selado muito tempo antes da breve conversa que teve com Lula na tarde da terça-feira 25, quando o presidente comunicou sua decisão e agradeceu pelos serviços prestados. Não por acaso, dezenas de funcionários do Ministério da Saúde marcaram presença em uma cerimônia ocorrida horas antes no Palácio do Planalto, para aplaudir efusivamente a ministra quando ela anunciou a produção de 60 milhões de doses ­anuais da vacina contra a dengue pelo Instituto Butantan. Trindade, por sua vez, esboçou um discurso antecipado de despedida, demonstrando gratidão à sua equipe.

Ex-presidente da Fiocruz, Nísia entrou no governo por seu notável desempenho à frente do instituto durante a pandemia de Covid–19. De olho no polpudo orçamento da pasta – quase 228 bilhões de reais previstos para 2025 –, os abutres do Centrão não tardaram a mover uma campanha para Lula rifar a ministra de perfil técnico e colocar um dos seus no lugar. O petista resistiu à investida por entender que era estratégico imprimir uma marca forte na área da saúde, mas os planos não saíram como o esperado. Além da dificuldade em controlar os surtos de dengue, a auxiliar não entregou resultado algum capaz de servir de vitrine nas eleições de 2026.

Como também era previsto, Lula escalou o atual ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para assumir a pasta. Médico de formação, ele comandou o Ministério da Saúde no primeiro governo de Dilma ­Rousseff, deixando como legado o controverso, mas exitoso programa Mais Médicos, que levou profissionais recém-formados ou estrangeiros para reforçar a atenção primária em ­áreas desassistidas do País. Agora, espera-se que ele faça deslanchar o Mais Acesso a Especialistas, concebido na gestão de Nísia para reduzir a fila de consultas e exames especializados nas áreas de oncologia, cardiologia, oftalmologia, otorrinolaringologia e ortopedia.

Da mesma forma, pesou a favor de Padilha a vaga aberta na Secretaria de Relações Institucionais. Além de contemplar uma ala do PT, que cobiçava um ministério de maior relevância, a mudança favorece a entrada de aliados na reforma ministerial que Lula esboça há tempos, mas só começou agora.

A milícia chega ao comércio popular

O Ministério Público de São Paulo denunciou 16 indivíduos que extorquiam comerciantes nas regiões do Brás e do Pari, áreas tradicionais de comércio popular na capital paulista. Entre os acusados estão seis mulheres e dez homens que cobravam “taxas de proteção” em nome de uma milícia local. Eles estão presos desde o ano passado. De acordo com a denúncia – datada de dezembro de 2024, mas revelada pela mídia apenas nesta semana –, o grupo exigia pagamentos semanais de 50 a 250 reais dos camelôs, levando muitos a se endividarem com agiotas. Estes, por sua vez, pagavam policiais para que a cobrança dos empréstimos fosse feita de forma violenta. Muitas das vítimas eram trabalhadores imigrantes. Os acusados respondem por extorsão, formação de milícia privada, lavagem de dinheiro e agiotagem.

Justiça Eleitoral/ Inelegível por oito anos

Pablo Marçal sofre a primeira condenação pelas incontáveis trapaças nas eleições de 2024

O aprendiz não tardou a repetir o feito do mestre Jair Bolsonaro – Imagem: Renato Pizzutto/Band

O ex-coach e influenciador digital Pablo Marçal, do PRTB, foi condenado a oito anos de inelegibilidade por abuso de poder político e econômico, uso indevido de meios de comunicação e captação ilícita de recursos nas eleições de 2024, quando disputou a prefeitura de São Paulo. A decisão, da primeira instância da Justiça Eleitoral de São Paulo, foi publicada na sexta-feira 21. Cabe recurso ao Tribunal Regional Eleitoral.

A condenação é resultado de uma ação movida por Guilherme Boulos (PSOL), seu adversário na disputa, e envolve um episódio de venda de apoio político. Marçal prometeu gravar vídeos de apoio a candidatos a vereador que doassem 5 mil reais para sua campanha, por meio de transferências Pix. O pedido foi divulgado em postagens nas suas redes sociais, que eram sua principal vitrine política naquela época.

Marçal disse estar confiante na reversão da condenação, que, segundo ele, “carece de provas”. Este é, porém, o primeiro revés do ex-coach por ilícitos eleitorais que ameaçam seus planos de concorrer à Presidência da República em 2026. Estão pendentes julgamentos sobre fatos muito mais graves, como a divulgação de um falso laudo médico, às vésperas do primeiro turno das eleições, afirmando que Boulos havia sido internado em 2021 por causa de uma intoxicação por cocaína.

Maria da Penha vale para mulheres trans

O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, estender a proteção da Lei Maria da Penha a casais homoafetivos formados por homens e a travestis e mulheres transexuais. O julgamento foi concluído no plenário na noite de sexta-feira 21. A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, Alexandre de Moraes, que destacou a responsabilidade do Estado em garantir proteção a todos os tipos de entidades familiares. Para o magistrado, “a conformação física externa é apenas uma, mas não a única das características definidoras do gênero”. Sancionada em 2006, a legislação estabelece medidas para proteger as vítimas de violência doméstica, como medidas protetivas de urgência e garantia de assistência às vítimas.

Segurança/ armadas e empoderadas

Guardas municipais podem fazer policiamento urbano, decide o STF

Os agentes também têm aval para realizar prisões em flagrante – Imagem: Arquivo/Prefeitura de SP

O Supremo Tribunal Federal decidiu, na quinta-feira 20, que as cidades podem aprovar leis para que as Guardas Municipais atuem em ações de segurança urbana. Segundo o entendimento fixado pelos ministros, essas corporações não têm poder de investigar, mas podem fazer policiamento ostensivo e comunitário, além de realizar prisões em flagrante.

“Não podemos afastar nenhum dos entes federativos no combate à violência”, disse o ministro Alexandre de Moraes. Ele defendeu que as guardas municipais não se restrinjam à proteção do patrimônio público, mas trabalhem em cooperação com os demais órgãos policiais.

Trata-se de uma interpretação extensiva do que prevê a Constituição de 1988, que autorizou os municípios a constituírem suas forças para a “proteção de seus bens, serviços e instalações”. Além disso, é difícil imaginar que não haverá sobreposição de funções entre as Guardas Municipais e a Polícia Militar, hoje encarregada do policiamento ostensivo.

Alemanha/ Cordão sanitário

Uma coligação entre CDU e SPD é a única forma de barrar a extrema-direita

Merz está à direita de Merkel – Imagem: Redes Sociais/CDU

Os resultados da AfD foram levemente melhores do que apontavam as pesquisas. Os herdeiros do nazismo obtiveram 20,8% dos votos, tornaram-se a segunda maior força no Parlamento alemão, algo inédito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e amealharam 152 cadeiras. Diante dos resultados, resta aos democrata-cristãos da CDU, vencedores do domingo 23, com 203 assentos, uma aliança com os social-democratas do SPD, caso de fato queiram cumprir a promessa de manter uma “linha vermelha” ou “cordão sanitário” em relação à extrema-direita. Provável futuro primeiro-ministro, Friederich Merz promete formar um gabinete até a Páscoa. À direita da ex-chanceler Angela Merkel, o político com experiência no setor privado é a favor do endurecimento das regras de imigração e aumento nos gastos militares. No primeiro discurso após a divulgação dos resultados, pregou a “independência de fato” da União Europeia em relação aos Estados Unidos. “Precisamos ser capazes de agir novamente com rapidez, para que possamos fazer a coisa certa na Alemanha, para que estejamos presentes novamente na Europa e para que o mundo veja: a Alemanha tem novamente um governo confiável”, afirmou. O crescimento da AfD será um teste. A legenda extremista ganha força para atrapalhar os planos de Merz e gerar uma instabilidade política que provoque novas eleições em curto prazo.

P.S.: O partido A Esquerda recuperou-se do tombo das eleições anteriores. Obteve 8,77% dos votos e terá 64 deputados.

Resistência a Musk

O Pentágono e o FBI, entre outras agências federais dos EUA, rejeitaram a exigência de Elon Musk para obrigar os funcionários a explicar as tarefas realizadas no trabalho sob pena de demissão. Kash Patel, novo diretor do FBI, afirmou que “por meio do escritório do diretor está encarregado de todos os processos de revisão”. Em nota na plataforma X, o Departamento de Defesa declarou-se “responsável por revisar o desempenho de seu pessoal (…) de acordo com seus procedimentos”.

Big techs/ Chicana jurídica

Plataformas Rumble e Truth Social pagam para ver contra Moraes

Pavlovski quer cantar de galo em outro terreiro – Imagem: Redes sociais

Açulado pelo vale-tudo do governo Trump, Chris Pavlovski, CEO da rede social Rumble, repositório do extremismo de direita global, decidiu comportar-se como um adolescente rebelde… No quintal dos outros. O magnata recusou-se a cumprir as determinações do Supremo Tribunal Federal para suspender as contas do blogueiro golpista Allan dos Santos, foragido da Justiça, e nomear um representante legal no Brasil. Preferiu ingressar com uma ação esdrúxula na Justiça de ­Miami (e onde mais seria?) contra o ministro Alexandre de Moraes. Segundo ­Pavlovski, que tem como partner no processo a Trump Media, controladora da Truth Social, o magistrado brasileiro infringiu a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, acerca da liberdade de expressão – hoje cinicamente usada pela extrema-direita para mentir, distorcer, ofender e sair impune –, além de ameaçar a soberania norte-americana. Moraes não se deixou intimidar pelo dublê de Elon Musk. Na sexta-feira 21, o ministro mandou suspender a operação da Rumble no País. A multa em caso de descumprimento é de 50 mil reais por dia. Antes de encerrar sua conta na rede X, o juiz postou: “Chris Pavlovski confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos”. Dito e feito.

Vigília pelo papa

O Vaticano convocou os fiéis para orações noturnas em prol da recuperação do papa Francisco, internado desde 14 de fevereiro no hospital Gemelli, em Roma. O boletim médico da segunda-feira 24 apontou ligeira melhora no quadro geral, embora tenha sido detectada uma leve insuficiência renal. O pontífice de 88 anos havia sido diagnosticado com pneumonia bilateral e uma infecção polimicrobiana. Não há previsão de alta, dada a “complexidade” da situação. O tratamento segue, assim como seguem as especulações sobre o futuro de Bergoglio.

Publicado na edição n° 1351 de CartaCapital, em 5 de março de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

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Last Update: 26/02/2025