Yamandu Costa

Alerta de gatilho: esta reportagem aborda temas sensíveis, como violência sexual e agressões físicas

O violonista brasileiro Yamandu Costa foi denunciado por Inês Marinho, ativista portuguesa de direitos das mulheres, por supostos episódios de agressão e violência sexual cometidos contra Maria (nome fictício por razões de segurança), com quem mantinha um relacionamento desde o fim de fevereiro deste ano.

O DCM teve acesso a laudos, documentos, registros de conversas e áudios, e ouviu com exclusividade o relato de Maria. Procurado pela reportagem,  Yamandu Costa orientou que sua assessoria jurídica se manifestasse. A assessoria reiterou a nota publicada pelo DCM na terça, 13, assinada por Yamandu, por Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados Associados (escritório de advocacia sediado em Brasília, do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay) e pelo advogado português Henrique Salinas.

O músico diz que recebeu “com perplexidade e tristeza a informação a respeito de graves alegações”.

“Nego veementemente o teor delas, como também repudio qualquer tipo de violência. Aproveito a oportunidade para me solidarizar com as mulheres vítimas de abusos e informar que colaborarei integralmente com as autoridades competentes para o esclarecimento dos fatos”, afirma.

Maria relata que conheceu Yamandu no dia 23 de fevereiro de 2025. O romance se iniciou rapidamente, com o músico a convidando para acompanhá-lo em uma viagem a Bogotá, na Colômbia. Pouco depois, Maria foi convidada novamente para viajar com ele, desta vez para Paris, onde Yamandu tinha apresentações agendadas com a Orquestra Filarmônica da cidade.

Segundo Maria, a compra da passagem para Paris gerou o primeiro desentendimento entre o casal.

Maria afirma ter arcado com todas as passagens aéreas e demais despesas desde o início de seu relacionamento com Yamandu, mantendo independência financeira até o término da relação. No entanto, devido à proximidade de sua viagem da Colômbia para a França, ela relata não ter condições de custear o valor elevado da passagem. Diante disso, Yamandu adquiriu o bilhete, mas, dias depois, embriagado, teria cobrado a quantia de forma agressiva.

“Nunca quis depender dele para nada. Por isso, sempre arquei com minhas despesas na Colômbia. No fundo, eu sabia que seria uma má ideia permitir que ele comprasse a passagem para Paris”, disse ao DCM.

Em 3 de março, hospedados no Hotel Adagio Paris, Maria conta que acordou com dores e inchaços na região íntima. Ao questionar o músico, Yamandu teria se desculpado, alegando que seria sonâmbulo e que teria praticado sexo com ela enquanto ela dormia.

Inicialmente, Maria minimizou o episódio, acreditando tratar-se de um fato isolado. No entanto, após novas situações semelhantes e conversas com amigas, entendeu que se tratava de abuso sexual.

Maria relatou no WhatsApp a uma amiga as vezes em que Yamandu teria feito sexo não consentido com ela

Agressões psicológicas e assédio por terceiros

Maria relembra uma briga em que se sentiu humilhada pelo músico após cantar e tocar o violão dele na frente de visitas. Por não ser musicista profissional, Yamandu teria repreendido a namorada, afirmando que ela era desafinada e que nunca mais poderia tocar em seu instrumento, entre outras falas que, segundo ela, a fizeram chorar e, naquela noite, dormir separada do companheiro.

No dia 22 de abril, outro episódio grave teria ocorrido: Yamandu recebeu em sua casa dois políticos brasileiros que estariam em viagem oficial para tratar do fechamento de contratos governamentais entre instituições de ensino do Brasil e da Bélgica.

Yamandu, a namorada e os políticos seguiram para o bar Típica de Alfama e, em determinado momento, o músico deixou a mesa para conversar com outras pessoas. Aproveitando-se da situação e visivelmente embriagado, um dos políticos teria assediado Maria, tocando suas coxas e seios, além de tentar beijar seu pescoço e boca. Assustada, Maria reagiu e chamou a atenção de uma garçonete, que perguntou se estava tudo bem. Um jovem espanhol também presenciou o episódio.

Maria então procurou Yamandu, que teria repreendido a namorada, dizendo que ela não poderia “atrapalhar os negócios dele” e que “levasse em consideração o fato de o amigo estar sob efeito de álcool”. Maria rebateu, cobrando do músico que ele a protegesse. Como resposta, Yamandu Costa teria sido irônico, segundo relato da vítima, rindo e dizendo que “ela tinha músculos para se defender, se fosse preciso, pois afinal de contas era para isso que o feminismo existia”.

Naquela noite, Yamandu teria retornado para casa embriagado a ponto de cair, de acordo com Maria. “Sempre que estava bêbado, ficava muito violento. Quando não bebia tanto, era dócil e gentil”, conta.

O político acusado de assédio chegou a seguir Maria no Instagram, reagiu a fotos nos stories dela e pediu seu WhatsApp. Contudo, após o caso vir a público, o político teria apagado as mensagens enviadas, possivelmente temendo ter sua identidade revelada.

“Fui totalmente sexualizada por Yamandu e seus amigos. Achei que, de alguma forma, ele pudesse gostar de mim. Hoje me sinto ridícula por não ter reagido diante de tantas humilhações”, lamenta.

Segundo Maria, o segundo episódio de abuso sexual ocorreu em março e o terceiro, em 30 de abril, na casa do músico em Lisboa. Na última ocasião, Yamandu teria oferecido à vítima um medicamento para dormir (Zolpidem), e, na manhã seguinte, Maria acordou com sinais de que teria sido novamente violentada.

“Acordei com sêmen em mim e fui para cima dele”, diz. O músico, ao ser confrontado, alegou ser vasectomizado, mas Maria reforçou que a questão não era apenas o risco de gravidez, mas o sexo não consentido, sem preservativo e sob efeito de substância indutora do sono.

Com o estremecimento da relação, Maria relata que o clima entre os dois ficou insustentável. Na noite seguinte, em 1º de maio, Yamandu teria se embriagado e, segundo Maria, ficou agressivo, iniciando as agressões com palavras, elevando o tom e, posteriormente, partindo para violência física.

Maria relata que teve o cabelo puxado e foi agredida fisicamente. Ao conseguir se desvencilhar, correu para o segundo andar da casa e se trancou em um quarto.

“Ele ainda me disse de forma agressiva que eu havia comido a comida da casa dele e que deveria pagar por isso. Naquele momento, fiquei muito triste e respondi: ‘Eu sempre colaborei em casa. Você é um músico famoso e eu sou uma trabalhadora. Como pode reclamar de comida?”, diz.

Pouco tempo depois, segundo seu relato, Yamandu, abraçado a uma garrafa de vinho, a chamou para assistir a um show de fado, como se nada tivesse acontecido, e conversava normalmente. O músico teria alegado que aquilo se tratava de “apenas uma discussão normal”.

Maria relata que acabou envolvida pela manipulação de Yamandu, que, segundo ela, por ser muito encantador, a convenceu a permanecer na relação mesmo depois desses episódios.

Na mesma madrugada, já em 2 de maio, Yamandu se apresentou no conhecido Tejo Bar, em Alfama, bairro histórico de Lisboa. Maria o acompanhou no evento e, durante a noite, os dois discutiram. De acordo com ela, o músico passou a ofendê-la com palavras de baixo calão e conotação sexual até que, em dado momento, a agrediu.

Um cantor cabo-verdiano a teria ajudado após a violência sofrida e a protegido, enquanto uma funcionária do bar a socorreu e serviu água. Outro músico, que também se apresentava naquela noite, prestou auxílio, e posteriormente levou Maria para casa. Segundo ela, a dona do bar, Miracelia Fragoso, presenciou todo o episódio.

Muito abalada, Maria se trancou em um dos quartos da residência assim que chegou. Mais tarde, Yamandu teria retornado procurando sua carteira e pedido para que ela o ajudasse a encontrar, mas a vítima permaneceu trancada no cômodo. Yamandu teria saído por volta das 6h do dia seguinte. Maria revela que havia contatado uma amiga que a receberia na Suíça, mas, exausta e sem dormir há dias, acabou perdendo o voo.

Maria relatou a um amigo o episódio de violência que teria sofrido no Tejo Bar na noite de 2 de maio

No dia seguinte, um músico e compositor argentino, amigo do casal, iria se hospedar na casa de Yamandu e Maria. Para evitar ser vista com hematomas e abalada emocionalmente, a vítima pediu acolhida na residência de uma pessoa próxima aos dois.

Maria conta ainda que, dias depois, procurou o músico pelas redes sociais para relatar o ocorrido, acreditando que receberia solidariedade, já que ele mantinha relação casual com a irmã dela. No entanto, segundo Maria, ele não acreditou no relato e deixou de segui-la nas redes sociais.

Denúncia internacional e laudos médicos

Maria decidiu, então, denunciar o caso e busca apoio por meio da ONG Não Partilhes. A vítima também relatou o ocorrido às autoridades portuguesas, via telefone, mas não obteve acolhimento ou retorno. Já um pouco mais recomposta, partiu para a Suíça, onde, no entanto, enfrentou excessiva burocracia em razão de ser estrangeira.

Diante das dificuldades, e incentivada por uma amiga, Maria seguiu para Barcelona, na Espanha, onde, segundo relatos, as autoridades seriam mais receptivas a casos de violência sexual.

Laudo pericial do IML que comprova substâncias dopantes no organismo da vítima

Em território espanhol, Maria conseguiu realizar exames de corpo de delito no Instituto de Medicina Legal e Ciência Forense da Catalunha, no dia 8 de maio. Após bateria extensa de exames médicos na Policlínica de Barcelona, na Unidade de Violência de Gênero, o laudo, assinado pela médica Vives Luque, apontou resultado positivo para benzodiazepínicos — substâncias da família dos anestésicos e indutores do sono —, além de confirmar a presença de hematomas nos braços.

“Eu deveria ter ido embora mais cedo, sinto que a culpa é minha por não ter me cuidado”, diz.

Além dos exames, a vítima registrou boletim de ocorrência e solicitou medida protetiva contra o ex-namorado. Yamandu teria tentado entrar em contato com a ex-namorada por diversas mensagens, pedindo desculpas e alegando não se lembrar dos episódios de violência. Em uma das mensagens, teria oferecido dinheiro e solicitado que Maria não falasse com a imprensa.

Ela encerrou a entrevista ao DCM relatando que está em acompanhamento psicológico e teme que o músico, por sua fama, conte com proteção social e institucional.

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Last Update: 14/05/2025