“有朋自遠方來、不亦樂乎” (Yǒu péng zì yuǎnfāng lái, bú yì lè hū?) – “Não é uma alegria ter amigos vindos de lugares distantes?”, dizia Confúcio.

Neste momento em que o Brasil recebe seus amigos dos BRICS e convidados no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 7 de julho, é importante ver como anda a situação do mais importante deles, a China, depois que foi atacada pela truculência do presidente dos Estados Unidos.

Se o objetivo da guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos era prejudicar a economia chinesa, as estratégias falharam.

As tarifas impostas desde o governo Trump provocaram uma queda de 30,6% na corrente de comércio bilateral entre EUA e China em maio (de 57,1 para 39,6 bilhões de dólares), mas esse impacto foi amplamente compensado pelo crescimento das trocas com outros blocos: ASEAN cresceu 7,3% (89,6 bilhões), União Europeia 8,0% (72,4 bilhões) e BRICS+ 7,2% (74,3 bilhões).

A China está emergindo desta guerra comercial mais forte, batendo recordes históricos de corrente de comércio (529 bilhões) e superávit comercial (103,2 bilhões) em maio.

(Observação: os gráficos tem dois eixos. O eixo da esquerda se refere aos blocos econômicos, o da direita, ao total geral).  

A irrelevância crescente dos Estados Unidos

A participação dos Estados Unidos na corrente de comércio chinesa despencou: de 10,7% no acumulado de 12 meses para 9,6% de janeiro a maio, chegando a apenas 7,5% em maio. Se o comércio com os Estados Unidos fosse eliminado, a China ainda teria uma corrente de comércio de 489 bilhões de dólares em maio – valor já atingido em 2021.

No acumulado em 12 meses, o desaparecimento dos EUA faria a corrente de comércio chinesa cair para 5,5 trilhões de dólares, nível superior ao registrado antes da pandemia.

A ascensão dos novos parceiros

Os dados da alfândega chinesa revelam uma reconfiguração do comércio mundial.

No acumulado dos últimos 12 meses (junho 2024 a maio 2025), a ASEAN tornou-se o maior parceiro comercial da China (896,1 bilhões – 14,5%), seguida pelos BRICS+ (743,3 bilhões – 12,0%), União Europeia (724,4 bilhões – 11,7%) e Estados Unidos em quarto lugar (664,4 bilhões – 10,7%).

Nos últimos 12 meses, países como Vietnã, Tailândia e Malásia registraram crescimento superior a 15% no comércio com a China.

A Coreia do Sul manteve-se estável com mais de 300 bilhões anuais. Até mesmo parceiros tradicionais dos Estados Unidos, como Japão e Austrália, intensificaram o comércio com a China.

Superávit independente dos Estados Unidos

Em maio, a China registrou superávit recorde histórico de 103,2 bilhões de dólares, superando os 81,5 bilhões de maio de 2024. O superávit com os Estados Unidos foi de 18 bilhões. Mesmo sem esse valor, a China bateria recorde para maio, com superávit de 85,2 bilhões.

No acumulado dos últimos 12 meses, o superávit total foi de 1,1 trilhão de dólares. Retirando o superávit com os Estados Unidos, a China registraria 780 bilhões – valor superior ao de 2022. 

De janeiro a maio de 2025, o superávit comercial da China alcançou 471,9 bilhões de dólares, igualmente um recorde histórico.

A importância estratégica da soja

O mercado de soja exemplifica esse distanciamento entre China e EUA.

Nos últimos 12 meses, o Brasil exportou 40,2 bilhões de dólares em soja para a China (75,5% das importações chinesas), enquanto os Estados Unidos respondem por apenas 8,7 bilhões (16,3%) e a Argentina por 2,0 bilhões (3,8%).

A China importa cerca de 85% de toda a soja que consome, sendo essencial para a segurança alimentar do país. Com cerca de 35% de proteína, a soja supera outros grãos como milho (9%) e trigo (12%), sendo fundamental tanto diretamente – através de produtos como tofu, molho de soja e óleo vegetal – quanto indiretamente, como principal componente da ração animal que sustenta a gigantesca indústria de suínos e aves, fornecendo a maior parte da proteína animal consumida pelos 1,4 bilhão de chineses.

O poder dos BRICS e a infraestrutura chinesa

Os 11 países que formam os BRICS+ representaram em 2024 cerca de 36% do PIB mundial (37 trilhões de dólares) e 40% da população global (3,2 bilhões de pessoas). A China demonstra seu compromisso com o desenvolvimento global através de investimentos em infraestrutura, construindo ferrovias até o Irã e investindo em projetos na África, Ásia e América Latina.

O Brasil e a China: parceria estratégica

O comércio bilateral Brasil-China atingiu aproximadamente 180 bilhões de dólares nos últimos 12 meses até maio. O Brasil exporta principalmente soja (40,2 bilhões), minério de ferro (30 bilhões), petróleo (15 bilhões), carnes (8 bilhões) e celulose (4 bilhões). A China oferece produtos manufaturados: equipamentos eletrônicos, máquinas industriais, produtos químicos, têxteis e automóveis.

Exportações chinesas perto de 4 trilhões de dólares

As exportações chinesas demonstram robustez mesmo em meio às tensões comerciais. Nos últimos 12 meses (junho 2024 a maio 2025), a China exportou 3,66 trilhões de dólares, crescimento de 7,2% em relação ao período anterior.

De janeiro a maio de 2025, as exportações alcançaram 1,48 trilhão de dólares, aumento de 6,0% comparado ao mesmo período de 2024.

Em maio de 2025, as exportações atingiram 316,1 bilhões de dólares, crescimento de 4,8% em relação a maio de 2024.

Os principais destinos das exportações chinesas são: ASEAN (615,1 bilhões anuais), União Europeia (529,7 bilhões) e Estados Unidos (505,7 bilhões). 

Oportunidades para o Brasil

O Brasil deve compreender o papel da China no cenário geopolítico mundial. Os motores do comércio exterior brasileiro – agronegócio, mineração, petróleo e carnes – têm a China como principal comprador hoje e durante as próximas décadas. Enquanto os Estados Unidos adotam uma postura protecionista, a China oferece oportunidades e se abre para o mundo.

A ferrovia bioceânica exemplifica essas possibilidades. O projeto conectará Santos a Chancay (3.800 km), revolucionando a logística sul-americana. Atualmente, produtos brasileiros destinados à Ásia percorrem cerca de 20 mil quilômetros via Santos-Canal do Panamá-portos asiáticos. Com a ferrovia bioceânica, os produtos seguirão de Santos a Chancay por terra e depois diretamente ao Pacífico, percorrendo aproximadamente 13 mil quilômetros – uma redução de até 7 mil quilômetros na distância total para alcançar o continente asiático.

Para o Acre, Chancay fica a apenas 1.887 km, contra 3.575 km até Santos. Através de conexões pelos rios Amazonas, Ucayali e outros afluentes, o Brasil poderia criar uma logística ainda mais eficiente para acessar o Pacífico.

A China, líder em robótica, inteligência artificial, mobilidade urbana e ferrovias de alta velocidade, pode ajudar o Brasil a trazer essas tecnologias avançadas. Na energia solar, a China controla 80% da cadeia de suprimento mundial e produz 85% dos painéis solares do mundo, e poderia ajudar o governo Lula, portanto, a desenvolver um projeto de popularização da energia solar no Brasil, onde todo edifício e residência teriam placas solares e sistemas de bateria de lítio.

O Brasil deveria tomar cuidado com os EUA, uma potência que se tornou nociva para a segurança e a estabilidade globais, e aproximar-se mais da China, com a qual temos grande complementaridade econômica: ela depende de nós para sua segurança alimentar, e nós dependemos dela para escoar nossos recursos naturais, em troca de produtos tecnológicos a baixo custo. A médio e longo prazo podemos construir parcerias mais construtivas. O Brasil precisa se reindustrializar, desenvolver tecnologias de IA e melhorar nossa infraestrutura de satélites, mobilidade urbana e energia solar.

Resta saber se, neste encontro dos BRICS no Rio de Janeiro, o governo brasileiro e o Itamaraty despertarão para as oportunidades que se abrem, estabelecendo parcerias com a China que podem redefinir o futuro econômico e geopolítico do Brasil.

Íntegra da tabela com os dados da China até maio de 2025.

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Last Update: 03/07/2025