Em novembro deste ano, este Diário já havia noticiado que o marroquino Abdelkrim Ennahi, conhecido como Karim, havia sido detido pela Polícia Federal (PF) no Aeroporto Internacional de Guarulhos após chegar de viagem do Catar. Conforme informamos, Karim vendeu todos os seus pertences em seu vilarejo, onde plantava oliveiras e vendia azeite de oliva, para se mudar para o Brasil com sua mulher e filhos pequenos.
Segundo informações, Karim foi detido devido ao seu apoio à Palestina. O marroquino fez publicações em sua página no Facebook denunciando o genocídio perpetrado pelo Estado de “Israel” contra o povo palestino. Por isso, foi acusado pela PF de terrorismo e separado de sua família.
No final de novembro, o Diário Causa Operária (DCO) conseguiu contato direto com Karim. À nossa equipe, o marroquino contou um pouco de sua história e relatou o que estava passando no Aeroporto de Guarulhos.
“Eu, minha esposa e meu filho de quatro anos viemos para o Brasil no dia 14 deste mês. Minha esposa e meu filho foram autorizados a entrar no Brasil, mas fui rejeitado porque era considerado uma pessoa perigosa por razões imaginárias.
Desde então, estou detido no aeroporto. Uma amiga minha nomeou uma advogada que pediu vários documentos, incluindo registro criminal marroquino e documentos de família, mas não deram resultado e ela nem sequer responde às minhas mensagens. Desde então, estou esperando. Sofro de falta de ar e dores nas costas porque há 13 dias durmo em cadeiras e estou pensando em fazer greve de fome na esperança de que encontrem uma solução para o meu problema”, afirmou Karim ao DCO no dia 27 de novembro.
Na ocasião, Karim nos enviou, além de uma foto de seu passaporte, o que lhe foi entregue pela Polícia Federal no momento de sua detenção, o Termo de Impedimento de Visitante/Imigrante. No documento, o qual disponibilizamos logo abaixo, a Polícia Federal informa o motivo pelo qual sua entrada ao Brasil foi barrada: “condenado ou respondendo processo por ato de terrorismo/crime de genocídio/crimes contra a humanidade/crimes de guerra/crimes de agressão”.
Karim informou a este Diário que não podia receber nenhuma visita. “A Polícia Federal não permitiu que nem mesmo o advogado me visitasse”, disse. Além disso, durante todo o período em que esteve no Aeroporto de Guarulhos, fez a mesma refeição: fatias de frango com salada.
Conforme mostram os vídeos e fotos que Karim nos enviou, o local onde estava detido dentro do Aeroporto de Guarulhos abrigava mais algumas dezenas de imigrantes que também haviam sido barrados de entrar no Brasil. “A maioria deles são do Nepal, da Somália e de vários outros países que querem pedir asilo e estão à espera. Meu caso é especial, sou o único que tem esse problema”, afirmou, fazendo referência à sua condenação por apoiar a Palestina.
Karim também disse que alguns desses imigrantes estavam detidos naquele local havia mais de um mês, aguardando qualquer decisão da justiça que os permita entrar no Brasil. No dia 1º de dezembro, todavia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), acolhendo pedido da União, suspendeu a liminar do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que proibia a deportação dos imigrantes retidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Para justificar a decisão de expulsar essas pessoas do País, o ministro Herman Benjamin, presidente do STJ, considerou “o grande número de pessoas que utilizam o Brasil apenas como corredor de passagem para outros países”. Segundo a Defensoria Pública da União (DPU), mais de 550 imigrantes foram retidos na área restrita do terminal 2 do aeroporto apenas em 2024.
Depois que Karim enviou as informações em questão ao Diário Causa Operária, nossa equipe perdeu contato com ele. Nessa quinta-feira (12), por meio de seu número pessoal, recebemos uma mensagem de sua esposa, que nos informou que ele havia sido preso.
“Karim está na prisão e não temos contato com ele. Eles o levaram para uma prisão fora do aeroporto sem julgamento”, disse, informando que isto havia ocorrido há 15 dias, pouco tempo depois que nossa equipe falou com Karim pela primeira vez.
A esposa do marroquino ainda disse que as autoridades brasileiras o informaram de que ele está sendo preso porque teria “um problema na Itália”. “Eles o prenderam aqui por 90 dias. Eu não o vi, o advogado disse que ele estava numa prisão para estrangeiros”, disse. Ela ainda destacou que, no momento, está em uma cidade no interior de São Paulo: “tenho três filhos e estou grávida. A vida aqui é difícil para mim sem meu marido”.
Conforme apuração feita por este Diário, registros públicos do Supremo Tribunal Federal (STF) mostram que o processo contra Karim vem do governo da Itália e é de responsabilidade da ministra Cármen Lúcia.
No dia 27 de novembro, a ministra decretou a “prisão preventiva” de Karim, seguindo o parecer dado pela Procuradoria-Geral da República, de Paulo Gonet. Ela ainda destaca que tal prisão se dá “para fins de extradição” para a Itália, cujo pedido “deverá ser formalizado no prazo máximo de sessenta dias, a contar da data de notificação da prisão do extraditando ao Estado italiano”.
O documento pelo qual a ministra Cármen Lúcia publicou sua decisão, no entanto, dá mais informações sobre o caso de Karim. Segundo o texto, o pedido de prisão preventiva para fins de extradição contra ele foi feito pelo Escritório Central Nacional da Organização de Polícia Internacional, a INTERPOL, no Brasil, por meio da delegada de Polícia Federal doutora Anna Flávia Alves de Melo Michelan.
O documento também informa que Karim estaria sendo “procurado para cumprimento de pena na Itália pelos crimes de posse ilegal, venda, fabricação, distribuição e contrabando de drogas em grande quantidade – principalmente haxixe -, cometido em conluio com outros”. Além disso, a ordem de prisão contra o marroquino foi expedida em 29 de março de 2023 pelo Ministério Público da Itália junto ao Tribunal de Apelação de Gênova.
Por fim, cabe ressaltar que, segundo a decisão da ministra e o pedido da INTERPOL, Karim foi detido ao chegar no Brasil “em razão da existência da Difusão Vermelha”. Conhecida como red notice, a Difusão Vermelha é um sistema da própria INTERPOL que divulga a existência de mandados de prisão pendentes de cumprimento para que os acusados possam ser detidos e extraditados pelos países membros da INTERPOL.
Aqui, surge uma das várias inconsistências no processo contra Karim. Segundo o pedido da INTERPOL, o marroquino teria sido detido inicialmente devido à existência de um mandado de prisão do governo italiano, que o acusa de tráfico de drogas. No entanto, o documento obtido por este Diário e mencionado anteriormente comprova que a Polícia Federal o deteve no Aeroporto de Guarulhos por ter sido “condenado ou [estar] respondendo processo por ato de terrorismo/crime de genocídio/crimes contra a humanidade/crimes de guerra/crimes de agressão”.
Ou seja, ao que tudo indica, a condenação por tráfico de drogas é um mero pretexto para justificar sua prisão em decorrência de seu apoio à Palestina. Algo que é constantemente utilizado pelo aparato de repressão do imperialismo contra seus inimigos para os prender ou até mesmo para invadir seus países – como no caso da Colômbia, por exemplo.
De qualquer forma, esta é uma das muitas ilegalidades cometidas contra Karim, pois a Justiça e a Polícia Federal estariam utilizando dois pretextos diferentes no mesmo processo para o prender. Não deixando claro para o marroquino por qual crime ele estaria sendo processado.
Confira, abaixo, a decisão da ministra Cármen Lúcia na íntegra:
Além disso, o processo contra Karim infringe o artigo 310 do Código de Processo Penal, que diz:
“Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público.”
Cármen Lúcia só tomou a decisão de que a audiência de custódia de Karim deveria ser feita no dia 3 de dezembro, quase uma semana após a ministra do STF determinar sua prisão e quase um mês depois de ter sido inicialmente detido no Aeroporto de Guarulhos.
Pressionada pelas forças envolvidas em sua condenação, a advogada do marroquino abandonou seu caso logo após sua prisão. Agora, ele é representado pelo defensor público-geral federal.
Karim continua preso e sua família continua desamparada. Seu caso é mais uma demonstração de como as instituições de nosso País servem aos interesses não do Brasil e do povo brasileiro, mas sim do imperialismo e, neste caso, do sionismo. O mesmo que se vê no caso de Lucas Passos, preso a quase 400 dias a mando do Mossad.