O Supremo Tribunal Federal (STF) formou, ontem, maioria para analisar a aplicação da Lei de Anistia (lei 6.683/79) a crimes permanentes, como o de ocultação de cadáver (Tema 1.369). A constitucionalidade do tema será analisada em plenário virtual e, além do relator e ministro Flávio Dino, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Roberto Barroso e Edson Fachin votaram a favor da discussão.
Para entender a importância do debate, o programa TVGGN 20H contou com a presença de Eugênio Aragão, advogado e ex-ministro da Justiça, que observou que os tempos são outros e, consequentemente, algumas compreensões se modificam. Assim, o crime permanente é aquele cuja consumação se dá ao longo do tempo.
“A doutrina já há muito tempo fala isso. O Ministério Público sempre alegou isso. A grande vantagem é que, pela primeira vez, nós temos um relator que acolhe essa tese para exatamente ultrapassar aquele entendimento de que a Lei da Anistia botou um cobertor em cima de tudo. Ou seja, na verdade, o crime continua enquanto a pessoa não reaparece, o crime está se propagando no tempo”, explicou o ex-ministro.
Em resumo, apesar da presunção de morte para emitir atestados de óbito, muitos cadáveres de pessoas assassinadas durante a ditadura militar não apareceram e, enquanto não forem recuperados, estão “sob os efeitos permanentes daquela ação”.
Tribunal Penal Internacional
Aragão falou ainda sobre o debate sobre a prescrição de crimes contra a humanidade, tendo em vista que o Brasil já foi condenado pela falta de mecanismos para punir crimes contra os direitos humanos.
No caso Gomes Lund e outros guerrilheiros do Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que a Lei de Anistia Brasileira impede a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos e que ela é incompatível com a Convenção Americana.
O país já foi condenado também pelo Tribunal Penal Internacional pelo mesmo motivo. “Os crimes contra a humanidade são imprescritíveis. O Brasil, inclusive, se eu não me engano, fez parte daquela convenção que considera imprescritíveis os crimes contra a humanidade. Agora, o problema é o seguinte. No direito brasileiro, até hoje, não foram positivados os crimes contra a humanidade. Existe uma lei, um projeto de lei, que está ‘dormitando’ na Câmara dos Deputados”, ressalta o entrevistado.
Eugênio Aragão lembra que a lei foi enviada ao Congresso para votação em 2005 e que sofreu alterações ruins após uma relatoria. Porém, apesar de estar pronta para ser votada no Plenário, ninguém a coloca em pauta, devido a uma suposta “falta de consenso entre as lideranças para pautar”.
“Tem que ser pautada em algum momento, porque aquilo lá é a lei que trata da cooperação do Brasil com o Tribunal Penal Internacional. E para o Brasil poder cooperar com o Tribunal Penal Internacional, o Brasil tem de cumprir as suas obrigações de perseguir esses crimes do TPI antes que o TPI fixe a sua jurisdição. O Brasil precisa ter capacidade de punir crimes contra a humanidade, e eles não estão ainda positivados no direito penal brasileiro. Isso é um grande problema que nós temos”, continua o advogado.
Por fim, Aragão chama a atenção que o Brasil integra o Estatuto de Roma, portanto já reconhece que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis.
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