Evolução Atual da História Bancária Brasileira
por Fernando Nogueira da Costa
Para acompanhar a evolução da história bancária brasileira, nos tempos atuais, é necessário fazer uma síntese clara e analítica dos fatores estruturais do sucesso do Nubank. Ele se destacou ao alcançar mais clientes se comparado a qualquer banco tradicional no Brasil, embora esta métrica não seja comprovada ou mesmo comparável entre os diversos bancos. Só uma auditoria geral tiraria as dúvidas a respeito do número de clientes ativos de cada qual.
A experiência dele teve um timing histórico perfeito. O Nubank surgiu quando três processos já estavam maduros: massificação dos smartphones (4G barato, Android popular); insatisfação generalizada com bancos tradicionais (tarifas, burocracia); nova geração já bancarizada, mas mal atendida. Não foi apenas “inovação”, foi sincronização estrutural.
O modelo 100% digital conduziu a um corte real de custos. O diferencial não foi só “estética do app”, mas estrutura de custos radicalmente menor:
| Bancos tradicionais | Nubank |
| Agências físicas caras | Zero agências |
| Múltiplos sistemas legados | Plataforma única |
| Processos lentos | Onboarding em minutos |
Isso permitiu isenção de tarifas, juros mais competitivos, escala muito rápida.
Colocou foco na queixa real do cliente popular urbano. O Nubank não começou mirando a elite, mas a classe média frustrada: pessoas jovens com renda irregular, negativados ou sub-bancarizados, trabalhadores urbanos sem atendimento digno. Ele capturou um mercado oculto, ignorado pelos “bancões” ou tratado mal.
A experiência do usuário virou estratégia de poder de atração. O “roxinho” virou uma espécie de marca afetiva, não só um produto, devido ao atendimento rápido (chat humano), linguagem não bancária, sensação de autonomia. Isso gerou fidelização espontânea, marketing orgânico em redes sociais, custo de aquisição de clientes muito baixo.
O uso de dados é seu ativo central. O Nubank é, estruturalmente, uma empresa de tecnologia financeira, baseada em dados: scoring de crédito próprio, comportamento em tempo real e segmentação algorítmica de risco. Ele não “avalia o cliente”, ele modela o cliente estatisticamente.
Não negou o apoio indireto do sistema tradicional. Este foi um paradoxo importante: o Nubank só cresceu porque partiu do uso da infraestrutura dos bancos tradicionais, operou sob o sistema do Banco Central, pegou carona no Pix, TED, cartões e bandeiras globais. Com esse “prato feito”, ele reduziu a intermediação, mas não criou um sistema bancário alternativo.
A regulação foi favorável à nova arquitetura institucional. O Banco Central dos anos 2010 foi pró-inovação com IPs, SCDs e SCFNs, Open Banking, Pix. Isso facilitou o crescimento sem exigir a estrutura pesada de um banco clássico.
O Nubank se apresentar como “anti-banco” é uma narrativa simbólica. Venceu também no plano simbólico. Dizia “não vender um produto, mas sim a ideia de libertar o cliente do banco tradicional”… Mesmo se apresentando como um banco.
O lado financeiro do sucesso veio quando ganhou escala por interchange dos cartões, crédito rotativo, parcelamento, venda cruzada em seguros, investimentos, marketplace. A gratuidade inicial foi uma estratégia de captura de base.
O Nubank obteve sucesso não porque “inventou algo novo”, mas porque nasceu no momento certo, explorou a fratura entre bancos e população urbana, transformou insatisfação em plataforma, trocou prédio por algoritmo, gerente por UX, tarifa por dados. Em termos sistêmicos, ele deslocou o centro da dominação financeira da agência física para a interface digital.
O sucesso do Nubank não deriva de uma suposta disrupção externa ao sistema financeiro, mas da capacidade de reorganizar, em chave digital, funções já consolidadas do capitalismo bancário. Converteu certa insatisfação social em escala de dados e rentabilidade futura.
No entanto, recentemente, seu CEO provocou os “bancões” e recebeu uma resposta à altura da FEBRABAN – Federação Brasileira dos Bancos. Ela reagiu publicamente e de forma veemente às postagens de David Vélez, cofundador e CEO do Nubank, porque havia se autodenominado “CampeãodDe Inclusão Financeira” e “Campeão em Pagamento de Impostos”.
A FEBRABAN classificou a postagem de Vélez como “totalmente enviesada” e afirmou o Nubank evitar debates abertos. Solicitou esclarecimentos ao executivo e apresentou uma série de argumentos críticos e dados comparativos.
Os argumentos críticos dela se concentraram em duas áreas principais: a alegada “inclusão financeira” e as questões fiscais e tributárias do Nubank.
A FEBRABAN rebateu a autodeclaração de “campeão de inclusão financeira” do Nubank, alegando sua política de inclusão não levar em conta a saúde financeira do cliente. A Federação concluiu, com base nos dados, o Nubank aparece sim como “Campeão dos Juros” e “Campeão da Inadimplência”.
O primeiro entre os argumentos críticos sobre a carteira de crédito e a inclusão disse a respeito de suas taxas de juros elevadas. O Nubank pratica o dobro de taxas de juros dos grandes bancos. O Índice do Custo de Crédito (ICC) do Nubank é de 67,2% ao ano, mais que o dobro do ICC dos três maiores bancos privados. Em crédito pessoal não consignado, a taxa do Nubank (110,9% a.a.) é o dobro da média dos quatro maiores bancos de varejo (50,5% a.a.).
A inadimplência total da carteira de Pessoa Física (PF) e Pessoa Jurídica (PJ) do Nubank (12,5% em junho de 2025) é praticamente quatro vezes maior diante a dos três maiores bancos privados. A inadimplência da carteira de PF e PJ do Nubank supera entre 3 e 7 vezes a dos maiores bancos privados.
O Nubank concentra 97,7% da sua carteira Pessoa Física nas linhas de crédito mais caras do mercado: cartão de crédito (64,8%) e crédito pessoal não consignado (32,8%).
O Nubank não atua em financiamento imobiliário, de aquisição de veículos ou do agronegócio, e tem ZERO investimento em atendimento presencial ou programas sociais. Falta-lhe o financiamento para de investimento, ou seja, crédito produtivo.
A FEBRABAN negou o Nubank ser “o campeão em pagamento de impostos”, classificando a alegação como “totalmente enviesada”. Os principais argumentos críticos foram o menor imposto proporcional ao lucro.
A Federação alegou o Nubank ser a instituição, proporcionalmente, com a menor quantidade de impostos sobre o lucro. O Nubank tem a maior lucratividade (ROE de 31% em 2025), diante os demais, mas sua razão de Imposto/Lucratividade (IR/CSLL sobre ROE) é a mais baixa (0,16), configurando “uma maior e descabida vantagem competitiva”.
Acusou o Nubank de omissão de dados relevantes. A Federação criticou David Vélez por não ter comparado os valores de Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) com a rentabilidade das instituições em sua postagem. A FEBRABAN afirmou: os bancos mais lucrativos deveriam pagar mais impostos. Em valores absolutos, bancos como Itaú (R$ 11,3 bilhões) e Bradesco (R$ 8,5 bilhões) deviam muito mais impostos em 2025 diante o Nubank (R$ 4,9 bilhões).
A FEBRABAN questionou por qual razão o Nubank abriu seu capital no exterior, por qual razão sua sede fiscal está fora do Brasil e se existe um motivo específico para a sede fiscal ser nas Ilhas Cayman. Perguntou se o Nubank, de fato, não seria uma empresa estrangeira, com sede fiscal em paraíso fiscal, com foco em extrair lucro no Brasil para investir no exterior, cobrando juros altos, tolerando alta inadimplência e pagando poucos impostos.
Nada como o debate público e aberto para esclarecer a evolução atual da história bancária brasileira. A transição tecnológica representa um “ponto de ruptura”?
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
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