As novas barreiras comerciais impostas pelos EUA revelam não apenas um protecionismo extremo, mas uma postura autoritária e antidemocrática que despreza acordos, alianças e o direito de cada nação conduzir seus próprios caminhos


No tabuleiro do comércio internacional, a Europa e o Brasil voltam a ser empurrados para os cantos por um mesmo oponente: o protecionismo feroz de Donald Trump. A cruzada das tarifas imposta pelo presidente dos Estados Unidos não é apenas uma estratégia econômica; é um ataque direto à ideia de soberania nacional, ao multilateralismo e às bases que sustentam o comércio global desde o pós-guerra.

A nova rodada de tarifas anunciadas por Trump atinge, em cheio, parceiros históricos dos Estados Unidos. Europa e Brasil, juntos, veem tarifas bilionárias serem anunciadas como quem lança mísseis numa guerra que ninguém declarou.

No caso europeu, o pacote é pesado: 25% sobre automóveis, 50% sobre cobre e outras tarifas mirando setores estratégicos como medicamentos, semicondutores e equipamentos industriais. Para o Brasil, a retaliação veio com a mesma intensidade. A partir de 1º de agosto, os produtos brasileiros sofrerão uma sobretaxa de 50% — uma decisão unilateral que ignora qualquer tentativa de diálogo ou cooperação.

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Essa escalada não é econômica. É ideológica. É o reflexo de uma política externa nacionalista, baseada em ameaças, chantagens e imposições. Trump não age como um chefe de Estado, mas como um caudilho comercial, movido por impulsos eleitorais e pela crença de que o mundo deve girar em torno dos Estados Unidos. Suas decisões não apenas prejudicam aliados, mas enfraquecem a estabilidade global e corroem os próprios pilares da diplomacia internacional.

Na Europa, as consequências já são perceptíveis. O clima em Bruxelas é de urgência. A União Europeia prepara retaliações que somam quase € 100 bilhões, mirando setores simbólicos da economia americana: Boeing, bourbon, motocicletas, soja. A lista não é à toa — é política. É um recado claro ao Congresso americano e aos eleitores de Trump: se a guerra tarifária continuar, os danos vão além dos números. Eles atingem empregos, indústrias e cadeias produtivas interdependentes.

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fugiu ao confronto verbal. Em entrevista exclusiva à CNN Internacional, Lula foi enfático: “A relação entre os dois países não pode continuar assim”. Foi além. Disse que está disposto ao diálogo, mas que exige respeito à soberania brasileira — e ao seu povo, instituições e decisões. “Este é um país que merece respeito”, afirmou, com razão. Um país que é o segundo maior fornecedor para o mercado americano — atrás apenas da China — e que vê agora suas exportações de petróleo, entre outras, serem arbitrariamente penalizadas.

O recado de Lula é necessário e simbólico. Em tempos de avanço da extrema-direita global, defender a soberania nacional não é um ato isolado, mas um gesto de resistência política. Trump — e o trumpismo — tentam redesenhar as relações internacionais com base na força bruta e no desequilíbrio. Para isso, recorrem a uma retórica perversa que mistura “América em primeiro lugar” com um desprezo absoluto pelo direito dos demais países de escolher seus próprios rumos.

As tarifas, portanto, são apenas a ponta visível de um iceberg autoritário. Por trás delas, está um projeto de mundo no qual os Estados Unidos se autorizam a impor regras, manipular mercados, chantagear parceiros e reduzir tratados multilaterais a pedaços de papel. Foi assim com o Acordo de Paris, com a Organização Mundial da Saúde e agora, mais uma vez, com a Organização Mundial do Comércio. Trump governa como se estivesse acima dessas instituições — ou pior: como se elas fossem um obstáculo a ser removido.

Mas o mundo mudou. E, nesse novo cenário, ninguém pode se dar ao luxo de ajoelhar diante de Washington. A Europa já sinaliza com força: prepara o uso do Instrumento Anticoerção (ACI), uma ferramenta poderosa criada justamente para reagir a pressões externas como as de Trump. Esse mecanismo permitiria a imposição de sanções severas contra empresas e setores estratégicos dos EUA, caso as ameaças se concretizem. Seria um ponto de virada: uma resposta institucional a um presidente que se recusa a jogar dentro das regras.

O Brasil, por sua vez, precisa assumir uma postura ainda mais firme. A diplomacia brasileira não pode continuar refém de acenos contraditórios ou da esperança de que Trump recue por si só. É hora de reposicionar o país no mundo. Buscar parcerias mais equilibradas, intensificar o diálogo com Europa, China, América Latina. Diversificar mercados, fortalecer a indústria nacional, proteger setores sensíveis como agricultura, tecnologia e energia. E, principalmente, assumir que a soberania nacional não pode ser negociada como um lote na feira.

Há quem defenda que as medidas de Trump são justificáveis, como resposta a déficits comerciais ou à fuga de empregos da indústria americana. É um argumento raso. O próprio déficit com a UE cresceu não por culpa da Europa, mas por antecipações de importações feitas por empresas dos EUA, prevendo justamente o endurecimento tarifário. A culpa é da instabilidade gerada por Trump, não de Bruxelas. No caso do Brasil, os dados são ainda mais claros: o país tem ampliado suas exportações com base em vantagens competitivas legítimas — não em práticas desleais. Taxar o Brasil em 50% é punir um parceiro por cumprir as regras do jogo.

Ao mirar aliados com fúria protecionista, Trump isola os Estados Unidos num mundo cada vez mais interconectado. Enfraquece pontes, destrói credibilidade, cria rupturas difíceis de reparar. Se há algo que a história ensina, é que políticas comerciais baseadas em imposição e medo não constroem prosperidade. Elas plantam instabilidade, retaliação, ressentimento. E no final, todos perdem.

O momento exige coragem política. Exige que líderes como Lula, Macron, Scholz, Sánchez e tantos outros digam, com todas as letras, que a soberania dos povos não está à venda. Que acordos são firmados com base em confiança mútua, não em ameaças. Que o comércio justo e transparente é um bem coletivo — e não um privilégio de quem tem mais armas ou votos no colégio eleitoral americano.

A cruzada de Trump contra o livre comércio é também uma cruzada contra a democracia. Porque desmontar os espaços multilaterais, ignorar as instituições, ameaçar países inteiros com retaliações econômicas é corroer, por dentro, as estruturas que garantem equilíbrio e justiça no sistema internacional. E isso interessa apenas a quem se alimenta do caos.

Felizmente, a resistência começa a ganhar corpo. Em Brasília, a reação de Lula é um passo. Em Bruxelas, as contramedidas já estão desenhadas. Mas é preciso ir além: construir uma aliança global que defenda não apenas tarifas justas, mas os princípios da soberania, do diálogo e da justiça internacional. Não para enfrentar os Estados Unidos enquanto país, mas para resistir à sua versão mais autoritária, encarnada por Trump.

Porque se o mundo ceder a esse modelo, amanhã será outro país — outra economia, outro povo — a ser sufocado por tarifas, ameaças e chantagens. E pouco a pouco, o que restará será um cenário de guerra comercial sem regras, sem justiça e sem futuro. Um mundo onde os poderosos ditam, os aliados se calam e os demais pagam a conta.

A boa notícia é que ainda há tempo. Tempo para reagir, tempo para reconstruir alianças, tempo para dizer que sim, é possível outro caminho. Um caminho em que as diferenças sejam resolvidas com diplomacia, os acordos sejam respeitados e a soberania — de todos — seja preservada como um bem inviolável.

Que fique claro: a guerra tarifária iniciada por Trump não é apenas uma disputa de percentuais. É uma luta por dignidade, autonomia e equilíbrio global. E ela não pode ser vencida com silêncio.

Com informações de Bloomberg*

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Last Update: 21/07/2025