Com o colapso abrupto do governo sírio, muito permanece incerto sobre o futuro do país — incluindo se ele poderá sobreviver como um estado unitário ou se fragmentará em estados menores, como aconteceu com a Iugoslávia no início da década de 1990, o que culminou em uma sangrenta intervenção da OTAN. Além disso, quem ou o quê assumirá o poder em Damasco continua sendo uma questão em aberto. Por ora, pelo menos, membros do grupo ultra-extremista Hayat Tahrir al-Sham (HTS) parecem altamente propensos a ocupar posições-chave na estrutura administrativa que poderá surgir após a destituição de Bashar Assad, após mais de uma década de esforços de mudança de regime patrocinados pelo ocidente.
Como reportado pela MintPress News, o HTS já está “impondo sua autoridade sobre o estado sírio com a mesma velocidade com que tomou o país, mobilizando forças policiais, instalando um governo provisório e se reunindo com enviados estrangeiros.” Enquanto isso, seus burocratas — “que até a semana passada administravam um governo islamista em uma remota região do noroeste da Síria” — transferiram-se em massa para os “prédios governamentais em Damasco.”
No entanto, apesar do caos e da instabilidade da Síria pós-Assad, uma coisa parece certa: o país será aberto à exploração econômica ocidental, finalmente.
Vários relatórios indicam que o HTS informou líderes empresariais locais e internacionais que, quando estiver no poder, adotará “um modelo de livre mercado e integrará o país à economia global, em uma mudança significativa após décadas de controle estatal corrupto.”
Conforme Alexander McKay, do Instituto Marx Engels Lenin, declarou ao MintPress News, as partes controladas pelo Estado na economia síria sob Assad poderiam ter problemas, mas não eram corruptas. Ele aponta que um dos aspectos marcantes dos ataques contínuos à infraestrutura síria, tanto por forças internas quanto externas, é o foco recorrente em alvos econômicos e industriais.
“Podemos ver claramente que tipo de país esses ‘rebeldes moderados’ planejam construir. Forças como o HTS estão alinhadas com o imperialismo dos EUA, e sua abordagem econômica refletirá isso. Antes da guerra por procuração, o governo sírio seguia uma política econômica que mesclava propriedade pública e elementos de mercado. A intervenção estatal permitiu um grau de independência política que outras nações da região não possuem. O novo modelo de ‘livre mercado’ destruirá completamente isso.”
‘Projeto de reconstrução’
A independência econômica e a força da Síria sob o governo de Bashar al-Assad, bem como os benefícios proporcionados à população, nunca foram amplamente reconhecidos antes ou durante a guerra por procuração de uma década. No entanto, inúmeros relatórios de instituições internacionais destacam essa realidade — agora brutalmente destruída e irrecuperável.
De acordo com uma investigação das Nações Unidas de 2018, “o atendimento universal e gratuito” era garantido a todos os cidadãos sírios, que “desfrutavam de alguns dos mais altos níveis de cuidado na região.” A educação também era gratuita e, antes do conflito, “estima-se que 97% das crianças sírias em idade escolar primária frequentavam a escola, e as taxas de alfabetização na Síria eram superiores a 90% tanto para homens quanto para mulheres.”
Um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, dois anos depois, destacou que a Síria pré-guerra “era o único país do Oriente Médio autossuficiente na produção de alimentos,” com um setor agrícola próspero que contribuía com “cerca de 21%” do PIB entre 2006 e 2011.
Na época em que esse relatório foi escrito, Damasco já dependia fortemente de importações devido às sanções ocidentais em vários setores e, mesmo assim, mal conseguia comprar ou vender qualquer coisa, já que as medidas constituíam um embargo efetivo.
Sob essa legislação, uma vasta gama de bens e serviços em todos os campos imagináveis foi, e permanece até hoje, proibida de ser vendida ou comercializada com qualquer cidadão ou entidade síria.
Logo após entrar em vigor, o valor da libra síria desabou ainda mais, fazendo os custos de vida dispararem. Quase toda a população do país foi, em um piscar de olhos, reduzida à incapacidade de pagar até mesmo pelas necessidades básicas.
Simultaneamente, como James Jeffrey posteriormente admitiu à PBS, os EUA mantinham comunicações frequentes e secretas com o HTS, auxiliando ativamente o grupo — embora “indiretamente,” devido à designação do HTS como entidade terrorista pelo Departamento de Estado.
Dado esse contato, não é coincidência que, em julho de 2022, Jolani tenha emitido uma série de comunicados sobre os planos do HTS para o futuro da Síria, contendo várias passagens em que finanças e indústria eram destacadas.
Coincidentemente, a Síria, desde 1984, recusou empréstimos do FMI, uma ferramenta chave pela qual o império estadunidense mantém o sistema capitalista global e domina o Sul Global, garantindo que países “pobres” permaneçam subjugados.
A Síria não é membro do FMI, Banco Mundial ou OMC, o que ajudou a isolar o país da predação econômica.
A Iugoslávia não era membro do FMI, Banco Mundial ou OMC, o que ajudou a isolar o país da predação econômica.
Esse destino aguarda Damasco? Para Pawel Wargan, coordenador político da Progressive International, a resposta é um categórico “sim.” Ele acredita que a história da Síria é familiar “para aqueles que estudam os mecanismos de expansão imperialista.”
“Temos testemunhado a coreografia bem ensaiada da mudança de regime imperialista: um ‘tirano’ é derrubado; defensores da soberania nacional são sistematicamente e brutalmente reprimidos; com uma violência tremenda, mas oculta, os ativos do país são fatiados e vendidos ao menor preço; proteções trabalhistas são descartadas; vidas humanas são encurtadas.