no Observatório Internacional do Século XXI
EUA e Irã: compromisso possível?
por Wagner Sousa
As recentes negociações entre EUA e Irã acerca do programa nuclear iraniano são o que parece provavelmente a derradeira tentativa de se evitar um conflito entre os Estados Unidos e Israel contra o Irã, tendo os primeiros, neste caso, o objetivo de destruir as instalações nucleares do país persa e ao menos atrasar o seu desenvolvimento de armamento nuclear. A retirada dos EUA, em 2018, no primeiro governo de Donald Trump, do acordo firmado por Barack Obama, pacto que previa inspeções internacionais garantidoras do caráter civil do programa e relaxamento das sanções econômicas, teve como resultado a política de aceleração do desenvolvimento do enriquecimento de urânio pelo governo de Teerã. O Irã está atualmente muito próximo de ser a décima nação do mundo a ter a bomba atômica.
A correlação de forças no chamado Oriente Médio se alterou a partir dos ataques do Hamas a Israel em 07 de outubro de 2023 e da queda do regime de Bashar al-Assad, na Síria. A resposta de Israel ao Hamas vem sendo devastadora, com a morte de, até o momento, mais 52.000 palestinos e destruição física em toda a Faixa de Gaza. Israel anunciou o objetivo de “conquistar” por inteiro esse território palestino. No conflito ao norte, com o Hezbollah libanês, Israel eliminou a liderança do grupo, incluindo a mais importante, o xeque Hassan Nasrallah e destruiu a maior parte do estoque de mísseis do grupo, além de causar mortes de civis e sérios danos materiais, especialmente na capital Beirute. A derrota dos grupos xiitas Hamas e Hezbollah e a saída de Assad do poder em Damasco enfraqueceu muito o chamado “Eixo da Resistência”, composto por estes atores, os Houthis no Yêmen, milícias iraquianas e o Irã frente à Israel e ao Ocidente.
Israel, da coalizão governista de extrema-direita liderada por Benjamin Netanyahu, se fortaleceu e busca o término do programa nuclear iraniano, não apenas o fim do possível desenvolvimento de artefatos atômicos, como também para finalidades civis. O governo israelense vê (ou utiliza retoricamente este argumento) o programa nuclear iraniano como uma “ameaça existencial” e vem defendendo junto ao governo Trump um ataque militar conjunto contra as instalações iranianas. Esta hipótese, porém, é bastante problemática, dentre as razões pela instabilidade que inevitavelmente provocaria em uma região crucial para a produção de petróleo, com possíveis ataques do Irã a navios e instalações petrolíferas no Golfo Pérsico, algo que abalaria a economia mundial. Sobre esse ponto Comfort Ero, Presidente e CEO do International Crisis Group em artigo para Foreign Affairs destaca que: “Ninguém deveria querer uma guerra entre o Irã e os Estados Unidos. Se Washington atacar as instalações nucleares de Teerã, poderá atrasar temporariamente o programa. Mas o Irã poderia, então, redobrar seus esforços para se tornar nuclear. O Irã também responderia imediatamente com seus próprios ataques regionais, agitando ainda mais o Oriente Médio. Há uma razão pela qual até mesmo Trump disse que ‘todos concordam que fechar um acordo seria preferível a fazer o óbvio´”.
Ademais, a eficiência de uma ação deste tipo é bastante questionada. O Irã adquiriu ao longo dos anos expertise na área e se preparou para o cenário de uma guerra com ataques a suas instalações nucleares. O cenário mais provável é o de que ataques conjuntos EUA/Israel ao Irã não conseguiriam desmantelar por completo a estrutura iraniana. Como também explicou Ero: “No entanto, mesmo um ataque maciço americano e israelense dificilmente poria fim ao programa nuclear iraniano. A República Islâmica simplesmente possui material enriquecido em excesso e armazenou centrífugas avançadas em locais demais para que os militares americanos e israelenses consigam destruí-lo com absoluta certeza. Ela também conta com muitos especialistas nucleares que podem ser incumbidos de reativar um programa a partir dos escombros. Até mesmo as estimativas da inteligência dos Estados Unidos projetam que o retrocesso causado por um ataque militar ao programa seria de curta duração — talvez apenas alguns meses. Para realmente interromper um programa pelo uso da força, os Estados Unidos precisariam repetir ataques militares com frequência ou tentar realizar uma campanha de mudança de regime para quebrar esse ciclo, com resultados devastadores e altamente incertos”.
E embora Israel prefira a solução militar, sendo que esta encontra apoio entre integrantes linha dura do governo dos EUA, Trump tem priorizado, neste caso, a diplomacia. Após anunciar “pressão máxima” contra Teerã e enviar navios e submarinos à região, o republicano anunciou a disposição de negociar, no que foi correspondido pelo Irã. Este diálogo tem ocorrido de forma indireta (os negociadores dos dois países não conversam diretamente), portanto através da mediação de terceiros, como no encontro em Omã, que iniciou as tratativas recentes e contou com o apoio da chancelaria do país anfitrião.
A Rússia e a China, duas grandes potências que se aproximaram do Irã nos últimos anos têm interesse em facilitar acordos com o Ocidente e distensionar as relações, mas não tem interesse em uma “normalização” entre a nação persa e o eixo euro-americano. Do ponto de vista da Rússia uma aproximação maior entre iranianos, europeus e norte-americanos é desfavorável estrategicamente. É importante lembrar que russos e iranianos acordaram uma parceria estratégica no início deste ano. Para a China, as sanções ocidentais tem criado oportunidades para suas empresas em investimentos e exportações para o Irã e o fim destas significará maior competição neste mercado.
Israel procurará dificultar (ou mesmo sabotar) qualquer tentativa de restabelecimento pleno das relações do Irã com os EUA e a Europa, que vê como contrárias a seus interesses nacionais, o que inclui a disputa de poder regional. A explosão de causas ainda não elucidadas no porto de Shahid Rajaee, na cidade de Bandar Abbas, sul do Irã, que deixou 28 pessoas mortas e 800 feridas, segundo informações da agência Reuters, pode ter relação com essas negociações. Todavia os Estados Unidos podem estabelecer um novo acordo com o Irã, se for negociado em bases realistas, como na gestão Obama. EUA e Irã não têm interesse num conflito de consequências imprevisíveis, que abalaria a região e teria reflexos em todo o mundo.
Wagner Sousa – Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela Unesp. Atualmente é pós-doutorando em Economia Política Internacional na UFRJ com pesquisa sobre a política externa alemã e suas relações com grandes potências (EUA, Rússia e China).
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