Estados Unidos oferecem recompensa milionária por informações sobre o financiamento do Hezbollah na região entre Brasil, Paraguai e Argentina
O governo dos Estados Unidos anunciou uma recompensa de até US$ 10 milhões (cerca de R$ 56,5 milhões) para quem fornecer informações sobre “os mecanismos financeiros” do grupo libanês Hezbollah na região da Tríplice Fronteira, entre Argentina, Brasil e Paraguai. De acordo com a Embaixada dos EUA no Brasil, o objetivo é obter detalhes sobre contrabando, lavagem de dinheiro e outras operações financeiras do grupo na área. O pagamento será feito pelo programa Rewards for Justice (RFJ) — iniciativa do Departamento de Estado americano que premia informações que ajudem a combater o terrorismo.
Segundo o RFJ, o Hezbollah tem obtido recursos na região por meio de:
✔ Lavagem de dinheiro
✔ Tráfico de drogas
✔ Falsificação de dólares
✔ Comércio ilegal de diamantes
✔ Contrabando de produtos como carvão, cigarros e petróleo
Além disso, o grupo também estaria envolvido em negócios “aparentemente legítimos”, como construção civil, importação e exportação e venda de imóveis, segundo o programa.
Hezbollah na mira dos EUA
O Hezbollah é classificado como organização terrorista pelos EUA desde 1997, e a Tríplice Fronteira já foi repetidamente apontada como uma das principais bases de financiamento do grupo.
Em comunicado divulgado nesta segunda-feira (19/5), o RFJ afirmou:
“Os financiadores e facilitadores do Hezbollah na Tríplice Fronteira operam redes multinacionais que geram milhões de dólares para o grupo no Hemisfério Ocidental. Muitos desses indivíduos também organizam campanhas de arrecadação e enviam recursos para o Hezbollah no Oriente Médio.”
A recompensa é oferecida para quem fornecer informações que levem à identificação e desarticulação desses esquemas. O governo americano busca dados sobre:
✔ Doadores e facilitadores financeiros
✔ Instituições financeiras ou casas de câmbio que realizem transações suspeitas
✔ Empresas controladas pelo Hezbollah ou usadas como fachada
O que é o Hezbollah?
O Hezbollah é um partido político e grupo armado xiita com forte influência no Líbano, onde controla uma das maiores milícias do país. Surgiu nos anos 1980 em resposta à ocupação israelense no sul do Líbano e recebe apoio militar e financeiro do Irã.
O grupo já realizou ataques contra forças israelenses e americanas e é considerado organização terrorista por EUA, Israel e vários países ocidentais.
Operações contra o Hezbollah no Brasil
Em novembro de 2023, a Polícia Federal (PF) prendeu três suspeitos de ligação com o Hezbollah na Operação Trapiche, que investigava o financiamento de terrorismo no país. Os alvos eram acusados de planejar ataques contra a comunidade judaica, incluindo a Embaixada de Israel em Brasília.
As investigações, realizadas com apoio de agências de inteligência dos EUA e Israel, indicaram que os planos foram intensificados após o conflito entre Hamas e Israel em outubro de 2023.
Em agosto de 2024, uma nova fase da operação levou à prisão de outro suspeito em Belo Horizonte, acusado de financiar atividades terroristas usando contas bancárias abertas em nome de imigrantes vulneráveis.
Histórico de atuação na Tríplice Fronteira
A região da Tríplice Fronteira é há anos monitorada por agências de inteligência internacionais devido à suspeita de atividades ilícitas ligadas ao Hezbollah.
✔ 2002: EUA criaram o “3 + 1 Group on Tri-Border Area Security” para treinar autoridades locais no combate ao terrorismo.
✔ 2011: Congresso americano realizou audiência sobre o tema, classificando a área como “epicentro de atividades criminosas”.
✔ 2006: O libanês Assad Ahmad Barakat, conhecido como “tesoureiro do Hezbollah”, foi incluído na lista de terroristas globais por financiar o grupo na região. Ele foi preso no Brasil em 2018 e extraditado para o Paraguai em 2020.
Autoridades argentinas também atribuem ao Hezbollah os ataques à Embaixada de Israel (1992) e ao prédio da AMIA (1994), que deixaram mais de 100 mortos. Segundo investigações, os atentados foram planejados na Tríplice Fronteira.
A oferta de recompensa reforça a preocupação dos EUA com a influência do Hezbollah na América Latina, especialmente em áreas com fronteiras pouco fiscalizadas. Enquanto isso, operações conjuntas entre Brasil, EUA e Israel continuam visando desarticular células do grupo no país.
O libanês Assad Ahmad Barakat, acusado de ser um dos principais financiadores do Hezbollah na Tríplice Fronteira, sempre negou qualquer envolvimento com atividades terroristas. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 2002, ele afirmou que as acusações eram parte de um “complô econômico” para incriminá-lo e que teriam sido forjadas por um rival comercial que buscava vingança.
“Esse absurdo (envolvimento com terrorismo) só veio se somar ao monte de mentiras que forjaram contra minha pessoa”, declarou Barakat na época.
Ele admitiu ser simpatizante do Hezbollah, mas ressaltou que “isso não é crime”.
Outros nomes na mira das autoridades
Em 2006, o Tesouro americano impôs sanções a Farouk Omairi, um libanês naturalizado brasileiro, identificado como um “coordenador de integrantes do Hezbollah na região” e “figura-chave na obtenção de documentos falsos brasileiros e paraguaios”.
Quase 17 anos depois, em junho de 2023, o juiz federal argentino Daniel Rafecas pediu à Interpol que localizasse Omairi e outros três suspeitos de origem libanesa para interrogá-los sobre o ataque à AMIA em 1994.
Em sua decisão, Rafecas afirmou que havia “suspeitas bem fundamentadas” de que os investigados eram “colaboradores ou agentes operacionais do braço armado do Hezbollah”, segundo a Associated Press.
Outro nome citado no caso é Ali Hussein Abdallah, também naturalizado brasileiro e possivelmente residente na Tríplice Fronteira.
Hezbollah e o tráfico de drogas: suspeitas de parceria com o PCC
Um dos aspectos que mais preocupa autoridades brasileiras e internacionais é a possível ligação entre o Hezbollah e facções criminosas, principalmente no tráfico internacional de drogas.
No Brasil, essa conexão foi investigada em um caso envolvendo Elton Leonel Ruminich da Silva, conhecido como “Galã”, um brasileiro apontado como traficante internacional ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo a Polícia Federal, ele seria um dos principais nomes da facção na fronteira com o Paraguai.
Em 2019, a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro encontrou indícios de que “Galã” mantinha contatos com integrantes do Hezbollah e estaria planejando uma fuga. Na época, ele estava preso em Bangu 1, mas foi transferido para um presídio federal de segurança máxima após a descoberta.
Procurado pela BBC News Brasil em 2023, o advogado de “Galã”, Eugenio Malavasi, negou qualquer vínculo do cliente com o grupo libanês:
“Essas conexões nunca foram provadas. Não existem. Não há nenhum elemento factual que corrobore essa vinculação”, afirmou.
Relação Hezbollah-PCC: evidências e rota do crime
Jorge Lasmar, professor de Relações Internacionais da PUC-Minas, afirma que investigações da Polícia Federal já identificaram laços entre o Hezbollah e o PCC, principalmente em operações de contrabando e tráfico de drogas.
“As evidências em relação a isso estão cada vez maiores. Um documento de 2014 da PF aponta essa parceria, e os EUA sempre destacam essa ligação”, explica Lasmar.
Segundo ele, o Hezbollah utilizaria rotas controladas pelo PCC — como a Tríplice Fronteira e o aeroporto de Guarulhos — para traficar drogas, exigindo acordos com a facção paulista.
Enquanto suspeitos como Barakat e Omairi negam acusações, autoridades brasileiras, argentinas e americanas seguem monitorando a atuação do Hezbollah na região. A possível parceria com o PCC preocupa, já que poderia fortalecer redes criminosas internacionais.
Com recompensas milionárias e operações conjuntas, os EUA e seus aliados na América do Sul buscam desarticular esses esquemas, mas o desafio permanece complexo diante da sofisticação dessas organizações.