Os Estados Unidos anunciaram nesta terça-feira (25) dois cessar-fogos paralelos entre Rússia e Ucrânia: um no Mar Negro e outro nos ataques a infraestruturas energéticas. As negociações resultaram em compromissos para garantir navegação segura no mar Negro, proibir o uso de força e impedir a militarização de embarcações comerciais. A Ucrânia também concordou em suspender ataques à infraestrutura energética russa, enquanto Moscou se comprometeu a não atingir refinarias, gasodutos e usinas elétricas ucranianas por 30 dias, prorrogáveis. A medida visa garantir a segurança da navegação comercial na região e mitigar danos às populações civis atingidas pelos ataques recentes a infraestruturas críticas.
As negociações ocorreram em Riad, na Arábia Saudita, onde delegações dos três países mantiveram conversas desde o último domingo (23). Apesar do avanço, o Kremlin condicionou a implementação do acordo à suspensão de sanções ocidentais a bancos russos e à liberação de exportações de alimentos e fertilizantes. Já o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, exigiu garantias de que qualquer violação russa acarretará novas sanções e envio de armas pelos EUA.
O Mar Negro: um campo minado para o acordo
O Mar Negro é um epicentro simbólico e econômico do conflito: abriga a Crimeia anexada pela Rússia, a sitiada Mariupol e rotas vitais para exportações agrícolas. O acordo retoma termos fracassados de 2022, quando Moscou abandonou a “Iniciativa de Grãos do Mar Negro”, agravando a crise alimentar global.
A região é estratégica desde o início da guerra. A Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, controla rotas marítimas vitais para a exportação de grãos ucranianos. Em 2022, Mariupol, cidade portuária no mar Negro, foi destruída e ocupada, interrompendo o fluxo comercial. O novo acordo revive termos de um pacto de 2022, rompido por Moscou em 2023, que permitia o trânsito seguro de navios.
Para a Ucrânia, a trégua pode revitalizar a economia, desde que portos como Odessa operem sem riscos. Já a Rússia busca normalizar exportações, prejudicadas pelas sanções. No entanto, o ministro ucraniano Rustem Umerov alertou que qualquer movimento de navios russos além do leste do mar Negro será visto como violação, justificando retaliação.
Apesar do compromisso formal, o histórico de tensão entre os dois países levanta dúvidas sobre a longevidade do acordo.
Energia como arma de guerra
Ataques a infraestruturas energéticas tornaram-se uma tática central em 2024, deixando milhões sem aquecimento em pleno inverno. Segundo a imprensa europeia, a Rússia visa desestabilizar cidades ucranianas ao cortar energia, enquanto a Ucrânia atinge refinarias russas para pressionar economicamente. O cessar-fogo, válido desde 18 de março, exclui instalações civis.
Volodymyr Zelensky confirmou a interrupção imediata dos ataques ucranianos a refinarias russas — alvos recentes de drones —, mas ressaltou: “Infraestrutura civil não está incluída”, mantendo a porta aberta para retaliar cidades. O Kremlin, por sua vez, exige “garantias claras” de que Washington forçará Kiev a cumprir o pacto. Exige que as garantias partam de Washington, não apenas de Kiev, refletindo a desconfiança mútua. “Sem ordens claras de Trump a Zelensky, não há como confiar”, disse o chanceler russo Sergei Lavrov.
A falta de confiança mútua entre Moscou e Kiev significa que qualquer pequeno incidente pode desencadear uma retomada das hostilidades. Uma das principais preocupações é a possibilidade de acusações de “ataques de falsa bandeira”, em que uma das partes simula uma agressão para justificar retaliação em “legítima defesa”. Ambos os lados têm interesse em retratar o inimigo como agressor para justificar rupturas. Além disso, Zelensky afirmou que buscará mais sanções contra Moscou caso os russos descumpram os acordos.
A fragilidade do acordo reside na falta de mecanismos de fiscalização. A Ucrânia pediu que outros países monitorem os movimentos russos, mas não há detalhes sobre como isso ocorrerá. Além disso, o histórico de violações é vasto: em 2023, a Rússia abandonou unilateralmente o acordo de grãos, alegando restrições ocidentais.
O papel dos EUA: entre mediação e interesses
A mediação americana busca conter a escalada, mas suas promessas divergem: aos russos, oferece facilitar exportações agrícolas; aos ucranianos, apoio em trocas de prisioneiros e armas. No entanto, a Casa Branca evitou detalhar os termos, alimentando especulações sobre contrapartidas não declaradas. Os EUA devem se beneficiar amplamente dos recursos minerais da Ucrânia, em contratos que já estão sendo negociados.
A Casa Branca prometeu auxiliar Kiev em trocas de prisioneiros e repatriação de crianças deportadas, enquanto Moscou recebeu promessas vagas de alívio comercial. Consolida papel de mediador global e aliviar pressões inflacionárias, um dos principais elementos de desaprovação ao governo Trump.
Trump, que minimizou o vazamento de planos militares recentes, afirmou que o cessar-fogo é um “passo inicial”. Contudo, sua simpatia por Putin e críticas à Otan geram ceticismo na Europa, especialmente em um momento em que a aliança transatlântica já enfrenta tensões.
Possibilidade de expansão para um cessar-fogo mais amplo
O cessar-fogo no Mar Negro é um alívio frágil em uma guerra de desgaste. Um alívio temporário em um conflito que já dura dois anos. Embora os interesses econômicos de ambos os lados — exportações russas e grãos ucranianos — criem incentivos para a cooperação, a desconfiança histórica e a ausência de garantias vinculantes tornam o pacto vulnerável.
Apesar das incertezas, esse acordo pode representar um primeiro passo para negociações de paz mais amplas. A estabilização da região do Mar Negro é vital tanto para a segurança alimentar global, dada a exportação de grãos ucranianos, quanto para o equilíbrio estratégico entre as potências envolvidas.
Para Zelensky, o acordo é uma vitória tática: “Mostra que a Rússia precisa negociar”. Para Putin, é uma pausa para recompor tropas e pressionar por alívio econômico.
A trégua, portanto, é menos um fim em si mesma e mais um teste para futuras negociações. Para que a trégua se transforme em um cessar-fogo duradouro, ambas as partes precisarão demonstrar mais disposição ao diálogo e superar a desconfiança histórica que permeia o conflito. Enquanto isso, civis ucranianos seguem pagando o preço de uma guerra que, mesmo com pausas, ainda não tem data para terminar.