Um levantamento inédito divulgado pela Campanha Nacional Despejo Zero revelou que mais de 1,5 milhão de pessoas foram vítimas de despejos ou remoções forçadas no Brasil entre outubro de 2022 e julho de 2024. Esse número representa um aumento de 70% em comparação a outubro de 2022, quando 898.916 brasileiros haviam enfrentado essa situação.
O mapeamento reúne casos coletivos de remoção forçada de pessoas e de comunidades inteiras, que foram expulsas de seus locais de moradia. Isso inclui não só os casos judicializados, mas também processos administrativos promovidos pelo poder público.
Segundo a Campanha Nacional Despejo Zero, esse número pode ser ainda maior, pois a pesquisa não considera a população em situação de rua e pessoas que estão ameaçadas por desastres socioambientais.
Causas e contexto do crescimento dos despejos
Marcelo Leão, conselheiro regional sul do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) e vice-presidente do Instituto Gentes de Direitos, observa a correlação entre a crise econômica e o aumento das remoções forçadas. “O país ainda está doente da pandemia, e esse estresse coletivo não é trabalhado de forma adequada na economia. A reforma trabalhista piorou as condições salariais e de emprego, o que impacta diretamente o poder aquisitivo das classes baixas”, explica ele.
De acordo com o presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Getúlio Vargas Jr., a Campanha Despejo Zero nasceu justamente em resposta ao agravamento da crise econômica e social desencadeada pela pandemia de covid-19, que exacerbou a vulnerabilidade das famílias de baixa renda.
O papel do poder público e da especulação imobiliária
Essas remoções forçadas ou despejos são motivados principalmente por reintegração de posse, quando há conflito entre a pessoa que se diz proprietária do imóvel ou da terra e as famílias que estão ocupando esses locais. Como segunda principal razão estão as remoções forçadas impulsionadas pelo poder público, principalmente por grandes obras, especialmente em projetos relacionados a grandes eventos ou obras de infraestrutura.
“Em boa parte das remoções, o poder público age em favor de interesses privados e da especulação imobiliária, desalojando famílias sem oferecer soluções adequadas de moradia”, disse Vargas Jr. Essas remoções forçadas, muitas vezes sem uma realocação que atenda às necessidades das famílias, têm gerado traumas profundos, rompendo laços sociais e culturais das comunidades afetadas.
Desafios na mediação e perspectivas
Apesar dos esforços contínuos de movimentos de moradia e organizações sociais, a resposta do governo federal ainda enfrenta desafios. Vargas Jr. apontou que, embora alguns comitês de mediação tenham sido formados, a falta de estrutura do Ministério das Cidades tem dificultado a mediação eficaz dos conflitos.
“A estruturação do Ministério das Cidades para liderar os comitês de mediação é fundamental. Estamos pressionando para que o governo federal, em coordenação com o Ministério da Justiça, crie fóruns e espaços necessários para evitar as remoções”, explicou Vargas Jr.
Mobilização e esperança
Embora o cenário atual seja desafiador, Vargas Jr. reafirmou o compromisso da Conam e de outras organizações em continuar a mobilização. Ele expressou esperança de que, com o apoio de um governo democrático, seja possível avançar na proteção das famílias contra os despejos e garantir o direito à moradia digna.
“A vontade política deve se traduzir em ações concretas para impedir que mais famílias sejam despejadas. Continuaremos mobilizados e pressionando para que o governo federal e os tribunais atuem para evitar essas remoções injustas”, concluiu o líder social.