Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos têm apoiado regimes acusados de cometer atrocidades em massa — ações definidas como “violência sistemática e em larga escala contra populações civis”, segundo o estudioso Scott Straus. Um novo estudo, conduzido por Escola de Serviço Internacional da Universidade Americana e especialistas em genocídio e segurança internacional, revela que esse apoio tem sido acompanhado de uma sofisticada retórica oficial, usada para encobrir ou minimizar a responsabilidade dos EUA nesses episódios.

A pesquisa, que será publicada no Journal of Genocide Research, analisou documentos oficiais, relatórios da mídia e arquivos desclassificados para identificar padrões de discurso utilizados por autoridades americanas em quatro contextos principais: Indonésia no Timor Leste (1975–1999), Guatemala (1981–1983), Iêmen (desde 2015) e Gaza (desde outubro de 2023).

Os autores identificaram seis estratégias retóricas adotadas pelo governo norte-americano para manter o apoio a aliados, mesmo diante de graves denúncias de violações dos direitos humanos. Essas estratégias permitem que os EUA continuem exercendo influência global sem enfrentar maiores consequências por seu papel nesses conflitos.

Uma das táticas mais comuns é a alegação de desconhecimento. Após o bombardeio de um ônibus escolar no Iêmen por uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, que matou dezenas de crianças, o general Joseph Votel declarou ao Congresso que o Comando Central dos EUA “não rastreava” os alvos das missões reabastecidas pelos EUA. A declaração foi criticada por especialistas que consideram a ignorância alegada como inverossímil, diante dos extensos relatórios sobre crimes de guerra cometidos pela coalizão desde 2015.

Quando as evidências se tornam públicas, o governo recorre à confusão e distorção da informação. Durante os massacres cometidos pelas forças indonésias em 1983, a embaixada dos EUA em Jacarta enviou um telegrama questionando os relatos, alegando falta de confirmação. No caso da Guatemala, mesmo diante de relatórios da CIA que documentavam a destruição de vilarejos inteiros pelo Exército, o Departamento de Estado atribuiu a maioria das mortes aos insurgentes.

A negativa de envolvimento direto também é usada como escudo. Após o massacre de Santa Cruz, em Díli, no Timor Leste, em 1991, o governo George H. W. Bush afirmou que “nenhum dos oficiais presentes havia recebido treinamento dos EUA” — embora a Indonésia fosse amplamente treinada e equipada pelos americanos.

A adoção de medidas simbólicas sem impacto real é outra estratégia comum. Em 1996, o governo Clinton suspendeu a venda de armas leves à Indonésia em resposta à pressão de ativistas, mas continuou fornecendo equipamentos militares sofisticados. De forma semelhante, o governo Biden pausou brevemente a entrega de bombas a Israel em maio de 2024, mas manteve intactas as demais transferências armamentistas.

Líderes acusados de crimes contra civis são frequentemente retratados como aliados confiáveis. O presidente Ronald Reagan elogiou o ditador guatemalteco Efraín Ríos Montt como “um homem de grande integridade”. Já Suharto, da Indonésia, responsável por cerca de 700 mil mortes, foi chamado por funcionários do governo Clinton de “nosso tipo de homem”.

Autoridades americanas também costumam afirmar que o apoio contínuo a regimes acusados é necessário para manter influência e, assim, promover mudanças “nos bastidores”. Essa lógica foi usada para justificar a continuidade de treinamentos militares a tropas indonésias mesmo após massacres, e também para sustentar o envio de armas à coalizão saudita no Iêmen. No caso de Gaza, os EUA vetaram seis resoluções do Conselho de Segurança da ONU desde outubro de 2023 e impuseram sanções a juízes do Tribunal Penal Internacional após mandados contra líderes israelenses.

Os autores do estudo concluem que essas estratégias retóricas — que vão desde a negação e minimização até o elogio aos líderes aliados — permitem que os EUA mantenham sua posição geopolítica sem enfrentar a responsabilização pública por seu papel em conflitos e genocídios.

Para os pesquisadores, o sucesso dessa retórica depende de dois elementos-chave: a linguagem usada pelo governo dos EUA e a aceitação passiva do público — tanto nacional quanto internacional. A recente declaração do ex-presidente Donald Trump reconhecendo que “há fome real” em Gaza, por exemplo, pode ser vista como mais um episódio de diversionismo, já que o apoio militar norte-americano a Israel segue inalterado.

*Com informações do The Conversation.

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Last Update: 10/08/2025