Pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego descobriram o mecanismo que dá início a um dos processos mais destrutivos do câncer: a cromotripsia, fenômeno em que cromossomos inteiros se fragmentam de forma abrupta e são rearranjados de maneira caótica.
O estudo, publicado na revista Science, aponta a enzima N4BP2 como o “gatilho” desse processo, associado à rápida evolução dos tumores e à resistência aos tratamentos.
Há anos, cientistas observam que alguns cânceres fogem do padrão clássico de evolução lenta, marcada pelo acúmulo gradual de mutações. Nesses casos, as alterações genéticas ocorrem em saltos, permitindo que o tumor se adapte rapidamente e escape das terapias. A nova pesquisa ajuda a explicar esse comportamento.
A cromotripsia acontece quando um cromossomo se rompe em dezenas ou até centenas de fragmentos, que são remontados de forma desordenada dentro da célula. Embora seja rara em células saudáveis, estimativas indicam que o fenômeno esteja presente em cerca de 25% dos cânceres humanos. Em tumores altamente agressivos, como o osteossarcoma, ele aparece em praticamente todos os casos.
O mistério sobre como esse processo começava persistia há mais de uma década. Sabia-se que a cromotripsia estava relacionada a erros na divisão celular, quando um cromossomo pode ficar isolado em um micronúcleo, uma estrutura frágil e pouco protegida. Quando esse micronúcleo se rompe, o DNA fica exposto, mas não se sabia qual agente iniciava a fragmentação.
Ao analisar todas as nucleases humanas conhecidas, os pesquisadores identificaram a N4BP2 como a única enzima capaz de penetrar o micronúcleo e provocar danos extensos ao DNA. Experimentos mostraram que a retirada dessa enzima de células de câncer cerebral reduziu drasticamente a fragmentação cromossômica. Já a introdução da N4BP2 em células saudáveis levou à quebra de cromossomos intactos, demonstrando que a enzima é suficiente para causar o fenômeno.
A equipe também analisou mais de 10 mil genomas de diferentes tipos de câncer e encontrou uma correlação direta: tumores com altos níveis de N4BP2 apresentavam mais sinais de cromotripsia. Esses mesmos tumores exibiam grandes quantidades de DNA extracromossômico (ecDNA), estruturas circulares que carregam genes capazes de impulsionar o crescimento do câncer e aumentar sua resistência a medicamentos.
Segundo o estudo, o ecDNA pode ser uma consequência direta da cromotripsia, já que fragmentos cromossômicos passam a circular de forma independente após o rearranjo caótico do DNA. A descoberta sugere que bloquear a ação da N4BP2, ou as vias associadas a ela, pode se tornar uma estratégia para frear a evolução dos tumores mais agressivos.
Para os autores, identificar o gatilho da cromotripsia muda a abordagem no combate ao câncer. Em vez de apenas reagir às mutações já instaladas, a ciência passa a mirar o momento inicial do colapso genético que acelera a progressão da doença.
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