Escrito pelo deputado federal Reimont Otoni (PT-RJ) para o portal de esquerda Brasil 247, o artigo As juventudes e o discurso de ódio é uma pérola produzida por setores da esquerda que insistem em imitar a extrema direita. Otoni se vale de episódios recentes de violência, brigas de torcedores no Recife e de secundaristas em São Paulo, para reanimar a campanha contra o “discurso de ódio”, que, segundo a esquerda pequeno-burguesa, seria “fascista”. A premissa básica do parlamentar é:

“A brutalidade inimaginável das torcidas jovens organizadas em Recife e a brutalidade inimaginável dos grupos de zap do colégio de elite Santa Cruz, em São Paulo, são gêmeas de uma tragédia que corrói e corrompe extensas parcelas das nossas juventudes. Tragédia fundamentada no racismo, machismo, preconceito, homofobia e violência sexual, que se espalham feito rastilho de pólvora pelas redes sociais.”

A violência, vejam, não é um fenômeno característico da vida social, especialmente na etapa de crise terminal do sistema econômico e político, mas do tradicional “racismo, machismo, preconceito, homofobia e violência sexual”, e claro, das redes sociais, uma combinação sempre pronta a “corroer e corromper extensas parcelas das nossas juventudes”. Otoni não se dá ao trabalho de explicar que tipo de fenômeno leva jovens de classes sociais tão distintas quanto torcidas organizadas (onde a presença de trabalhadores é predominante) e estudantes secundaristas de um colégio para ricos, separados também por milhares de quilômetros, a adotarem um padrão de comportamento similar. Longe disso, o autor continua:

“De um lado, temos jovens torcedores de dois dos maiores times de futebol de Pernambuco – Sport e Santa Cruz -, em cenas de uma violência absurdamente chocante, incluindo o medieval empalamento de um rapaz desacordado de tanto apanhar. Pelos grupos de WhatsApp e outras redes sociais, foi incitado o ódio e marcado o confronto.

Do outro, temos jovens alunos do ensino médio de um dos mais renomados e caros colégios, flagrados em atos igualmente violentos. Pelo grupo de WhatsApp, os veteranos (estudantes de 16 a 17/18 anos) abusaram e extorquiram os calouros (estudantes de 14/15 anos), incitando o ódio, a violência e o abuso.”

Não faz muito tempo, a esquerda era criticada pela extrema direita por “defender bandido”, por tratar essa espécie de “sub-humanos” não como elementos malignos, aos quais toda e qualquer brutalidade imaginada pelos bolsonaristas estaria justificada, mas “vítimas do sistema”, o que efetivamente são. A segunda compreensão, mais comum à esquerda, origina-se do fato óbvio de que toda violência decorre do sistema econômico e político, ele mesmo extremamente violento e brutal, dedicado a esmagar especialmente os trabalhadores, sobretudo os elementos mais pobres desta classe social.

A sensibilidade com a questão da violência, inclusive, foi o ponto de partida para o famigerado episódio em que o então deputado federal Jair Messias Bolsonaro agrediu a deputada petista Maria do Rosário, empurrando a parlamentar durante um rápido debate diante das câmeras de TV, nas dependências da Câmara dos Deputados. O assunto debatido era a repercussão do caso “Champinha”. Bolsonaro e a direita da época (ano de 2003) defendiam uma repressão mais severa contra condenados por estupro, incluindo a previsão de torturas como a castração química.

A exemplo de toda a esquerda, Rosário era contra o conjunto de medidas que hoje seriam facilmente defendidas por identitários. A ascensão da ideologia criada pelo imperialismo nos círculos da esquerda evidencia seu custo político justamente em posicionamentos como os de Otoni, que fogem completamente do que a esquerda defende e emulam o fascismo que dizem combater. Tal como o então deputado Bolsonaro, demasiadamente sensível à dor das mulheres vítimas de violência para defender menos do que mais prisão e tortura para “bandidos”, o deputado petista continua:

“Os dois casos mostram jovens abduzidos por um discurso de ódio fascista que aprenderam nas redes sociais, nas mentiras repetidas, na ascensão de narrativas grotescas que debocham da morte e da dor, que incentivam um perigoso individualismo exacerbado, que se valem do medo, da intimidação e da humilhação, seja por palavras, gestos ou agressões físicas.”

Eis que em um passe de mágica, a violência produzida por um sistema social em decomposição desaparece. O problema do mundo é o “discurso de ódio fascista” aprendido “nas redes sociais”. Naturalmente, se é esse o problema, a solução natural seria mais censura e repressão contra a propaganda política.

Otoni não quer saber o que permite o tal “discurso de ódio” ser supostamente tão aceito. O que o deputado defende são mais “leis”, para “enfrentar essa violência” – ou seja, mais medidas para censurar as redes sociais.

Ele bem que faz algum esforço para mascarar o objetivo real, porém a esquerda precisa ter clareza de que no Brasil e no mundo, quando se tem “lei” e “enfrentar” na mesma frase, concretamente, o que se está defendendo é o aumento da repressão. E se a repressão é a resposta para os problemas sociais, os verdadeiros peritos na questão são os bolsonaristas, e não esquerdistas como Otoni, que apenas jogam água no moinho da extrema direita ao tratar a violência de maneira tão superficial, livrando bancos, polícia e a direita de conjunto de sua responsabilidade, para atribuí-la aos indivíduos que sim, são vítimas.

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Last Update: 05/02/2025