Na serra de Garibaldi, interior do Rio Grande do Sul, o produtor Valdecir Ferrari começou a pesquisar, ainda nos anos 1990, a utilização do bagaço de uva e outros resíduos como adubo. Com recursos próprios, fundou a Beifiur, empresa de produção de mudas e compostos orgânicos, e avançou nas pesquisas com compostagem e adubo sólido. Diante dos resultados muito superiores aos fertilizantes químicos, entrou em contato com a Universidade de Passo Fundo para estudar a biota desses compostos naturais. “Com os estudos, conseguimos em 2014 um financiamento de 450 mil reais da Finep para ampliar as pesquisas sobre fungos. Em 2018, conseguimos outro fomento e expandimos a pesquisa para bactérias, e, em 2022, um financiamento via Banrisul, que saiu em 2023, permitiu ampliar o desenvolvimento de produtos biológicos a partir do resíduo do bagaço da uva. Alimentando os microrganismos com esse resíduo e quelatizando os micronutrientes, aumentamos sua eficiência e tornamos o sistema muito mais sustentável”, descreve Ferrari.
Em 2022, a Beifiur obteve 1,01 milhão de reais em financiamento via Banrisul para seu projeto, que eliminou a necessidade de fertilizantes químicos na região e melhorou a qualidade de vida de toda a comunidade. “O projeto continua, conseguimos aprovar novas iniciativas com a Finep e estamos acelerando pesquisas e desenvolvendo novos produtos, focados na sustentabilidade.”
Um país que se deseja inovador precisa de um sistema de fomento robusto e alinhado às tendências e necessidades de sua população. A crise da Covid-19 destacou ainda mais o papel da inovação e da agenda ESG, consolidando sua importância no mundo pós-pandêmico. No Brasil, a Associação Brasileira de Desenvolvimento reúne o ecossistema de fomento, que inclui bancos públicos, agências e cooperativas, que ofertam crédito a projetos inovadores. Atualmente, o sistema ABDE é responsável por 90% dos recursos destinados ao setor público, e seus associados representam 45,5% do sistema de crédito do País, em um total ao redor de 2,5 trilhões de reais. Só a carteira para inovação ultrapassa a marca de 30 bilhões de reais.
O ex-ministro da Ciência e Tecnologia Celso Pansera, atual presidente da ABDE e da Finep, afirmou estar surpreso com a alta demanda por recursos à inovação. “No ano passado, recebemos 12 bilhões de reais em pedidos de financiamento, dos quais aprovamos 8 bilhões. Isso gerou muitos empregos no ecossistema científico e melhorou a vida de diversas comunidades, com juros de 2% a 4% ao ano, muito abaixo dos bancos comerciais.” As micro, pequenas e médias empresas são as principais responsáveis pela geração de emprego e renda no Brasil. No Sistema Nacional de Fomento, 26% dos recursos são destinados ao segmento, com objetivo de alavancar a produtividade e apoiar projetos e iniciativas que fomentem a competitividade e a sustentabilidade.
No ano passado, a Finep liberou 8 bilhões de reais para projetos inovadores
Em Teresina, capital do Piauí, o doutor em Ciência da Computação Dario Brito Calçada obteve recursos da Finep e do Badespi, agência de fomento estadual, para ampliar sua empresa de tecnologia médica. Os 500 mil reais permitiram à Higia Health Technology desenvolver uma ferramenta completa de gestão de serviços radiológicos baseada em Inteligência Artificial. O sistema otimizou processos, aumentou a produtividade e reduziu custos em instituições de saúde, especialmente na rede pública da região. Os impactos gerados pelo projeto foram significativos, com redução de custos e maior agilidade na entrega de laudos médicos. Em algumas áreas do estado, o tempo médio de entrega de laudos foi reduzido de 90 dias para cinco minutos. Atualmente, a Higia desenvolve e exporta tecnologia de alto nível e oferece soluções na área da saúde em todo o País.
A Ceferon (Cafeicultores Associados da Região das Matas de Rondônia) recebeu um crédito via Sicoob para o cultivo de café, realizado majoritariamente por agricultores familiares em pequenas propriedades rurais. Em Rondônia, 77% das lavouras têm menos de cinco hectares. O valor da operação foi de 200 milhões de reais, distribuídos entre 4 mil produtores, com uma média de 50 mil por agricultor. Entre os ganhos, houve redução da área de cultivo de 345 mil hectares para 65 mil hectares, com aumento da produção de 2 milhões para mais de 3 milhões de sacas. Além disso, o projeto aumentou a retenção das famílias no campo e agregou renda. A produção dos cafés robusta amazônicos finos demonstrou como a cooperação e o investimento em tecnologias sustentáveis transformam a agricultura e preservam a floresta. O projeto aumentou o valor do produto, por meio de tecnologia sustentável voltada para a produção de cafés especiais, com ênfase em pesquisas sobre materiais genéticos híbridos resistentes a pragas e doenças, mais produtivos e com características sensoriais únicas, o que garantiu a padronização da produção para atender aos mais altos padrões de qualidade.
Esses três casos, entre muitos outros, mostram a importância de se ter um sistema de fomento atento às necessidades de seus empreendedores. E aqui cabe perfeitamente uma ideia do economista britânico John Maynard Keynes, em seu livro The End of Laissez-Faire, de 1926: “O importante para o governo não é fazer as coisas que os indivíduos já estão fazendo, mas fazer aquelas coisas que, no momento, não estão sendo feitas de forma alguma”. •
Publicado na edição n° 1325 de CartaCapital, em 28 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Incentivo à inovação’