Estamos perto de uma reedição das jornadas de 2013?
O risco real de uma nova insurreição fascista no Brasil sob comando transnacional”
por Reynaldo Aragon e Sara Goes
No Brasil de 2025, entre algoritmos, fuzis e sermões, cresce o risco de uma nova insurreição mais violenta, articulada e internacionalizada. Este artigo é uma análise estratégica, densa e didática sobre os sinais da guerra híbrida em curso, o papel do bolsonarismo como vetor do trumpismo global, e o que todos nós, democratas de todas as matizes, precisamos compreender e fazer agora. Entre o colapso e a esperança, escolhemos a luta.
O aviso está dado
Hoje é 28 de julho de 2025. Há exatamente doze anos, o Brasil mergulhava em um processo de desestabilização que mudaria sua história recente, as chamadas Jornadas de junho de 2013. O que à época foi vendido como uma explosão espontânea de indignação popular, foi rapidamente capturado por interesses conservadores, infiltrado por grupos organizados da nova direita e instrumentalizado como peça tática na guerra híbrida contra o projeto democrático-popular que então governava o país. A partir dali, se ergueu um novo tipo de fascismo brasileiro: digital, fragmentado, messiânico, armado e sustentado por uma teia transnacional de interesses políticos, econômicos e geoestratégicos.
Hoje, doze anos depois, os sinais de uma reedição estão todos diante de nós, mais violentos, mais bem financiados, mais articulados e, sobretudo, com o apoio direto de um aparato de Estado estrangeiro: os Estados Unidos sob o comando do trumpismo restaurado. O Brasil, mais uma vez, é o laboratório.
O que está em jogo não é apenas uma nova manifestação de rua ou uma disputa eleitoral antecipada. O que está em curso é uma tentativa sofisticada de provocar um colapso institucional, gerar caos social, e abrir espaço para uma nova onda autoritária de caráter teocrático, militarizado, supremacista e neocolonial. Um 2013 recarregado, agora sob as diretrizes da guerra cultural, da desinformação em massa e da captura cognitiva promovida por igrejas, plataformas digitais, think tanks armamentistas, lobbies internacionais e setores infiltrados do próprio Estado brasileiro.
O estopim pode estar a poucos dias: a manifestação pró-Bolsonaro marcada para 3 de agosto, promovida em torno de um líder com tornozeleira eletrônica, ameaçado de prisão, e usado como ícone do ressentimento reacionário. Caso o Supremo Tribunal Federal opte pela prisão preventiva antes do ato, possibilidade real —, as consequências podem ser drásticas: uma comoção calculada, encenada como martírio e usada para inflamar uma multidão radicalizada nas ruas e nas redes. A arquitetura da insurreição já está em movimento.
A história está se repetindo, mas não como farsa, como intensificação trágica. O bolsonarismo aprendeu com seus erros. Está mais profissionalizado, mais simbiótico com a máquina de guerra informacional norte-americana, mais ancorado em setores armados e religiosos fanáticos, e com canais digitais prontos para a guerra memética e o colapso das verdades públicas. A retórica de “liberdade”, “Deus”, “patriotismo” e “anticomunismo” volta com força, agora turbinada por investimentos internacionais, pela benção de Washington e pela cumplicidade de parte da elite econômica nacional.

Estamos num momento pré-insurrecional. A atmosfera é de acúmulo de forças. E há um risco real de que, nos próximos dias, o Brasil entre em uma espiral de eventos que podem levar à ruptura institucional, ao recrudescimento da repressão estatal e à legitimação de novos ciclos de violência política sob o pretexto da “ordem”.
Não se trata de alarmismo. Trata-se de nomear a realidade com clareza estratégica. A única forma de conter uma guerra é compreendê-la. E o que enfrentamos não é uma divergência política comum, é uma guerra assimétrica, cultural, psicológica e tecnológica, cujo campo de batalha é o imaginário coletivo.
Este artigo é um chamado à lucidez. Um documento para a história. Um alerta aos democratas, de todas as matrizes ideológicas, de que o Brasil não pode mais se dar ao luxo da ingenuidade ou da hesitação. A guerra é real. Está em curso. E o tempo para agir está se esgotando.
Da revolta à reação: anatomia do golpe cognitivo de 2013
Em junho de 2013, as ruas do Brasil foram tomadas por milhões de pessoas. O estopim foi o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, mas a fagulha rapidamente se espalhou para dezenas de cidades, turbinada pelas redes sociais, pela insatisfação acumulada e por um sentimento difuso de frustração. O que começou como uma legítima mobilização popular, com pautas progressistas e horizontais, foi rapidamente transformado em um laboratório avançado de engenharia do caos político.
A partir da segunda semana de protestos, a revolta deu lugar à reação. Grupos organizados da extrema-direita, então ainda invisibilizados ou travestidos de “apartidários”, infiltraram os atos, distorceram as pautas, vandalizaram símbolos de partidos de esquerda e passaram a direcionar o discurso contra “a política”, “a corrupção” e o “sistema”. Tudo isso emoldurado por uma estética aparentemente libertária, mas carregada de ressentimento de classe, anticomunismo difuso e patriotismo tóxico.

Por trás da aparência caótica havia método. Como demonstrado por diversos pesquisadores e jornalistas investigativos, o Brasil tornou-se o principal experimento de guerra híbrida da América Latina, sendo alvo de uma operação psicológica transnacional que articulou plataformas digitais, ONGs ligadas ao ultraliberalismo norte-americano, fundações religiosas reacionárias, think tanks conservadores e setores das mídias corporativas.
O resultado foi uma captura cognitiva em massa. A esquerda institucional foi empurrada para a defensiva, os sindicatos passaram a ser hostilizados nas ruas, e a pauta original de direitos sociais foi engolida por uma retórica “anti-Estado”, “anticorrupção” e “antipolítica”. O ovo da serpente foi chocado ali.
As Jornadas de 2013 não foram um ponto fora da curva, mas o início de um ciclo de guerra cultural no Brasil, uma onda que se intensificaria com a Lava Jato, o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão arbitrária de Lula e, finalmente, com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. A cronologia do golpe não se deu com tanques, mas com hashtags, algoritmos, vídeos viralizados e desinformação cuidadosamente orquestrada. Foi um golpe sem quartel, mas com comando.
E mais: 2013 foi também o momento em que a extrema-direita brasileira descobriu sua vocação memética, sua capacidade de mobilização em rede e sua simbiose com o ódio de classe como ferramenta de poder. A antipolítica virou ativo político. O ressentimento virou identidade. A destruição do inimigo ideológico virou projeto de nação.
Hoje, em 2025, essa história retorna como espectro, mas não como repetição pura. O bolsonarismo aprendeu com 2013. Estruturou canais permanentes de mobilização, militarizou seus discursos, montou uma rede de financiamento internacional e consolidou alianças com o trumpismo, com a indústria armamentista, com igrejas fundamentalistas e com o que há de mais reacionário no cenário global.
É fundamental compreender que 2013 não foi o caos, foi a engenharia do caos. Foi a virada cognitiva que permitiu a reconfiguração da subjetividade coletiva no Brasil. Foi a fase inaugural da guerra híbrida como política de Estado informal. E agora, o risco real é que essa engenharia retorne, mais eficaz, mais cruel e com objetivos ainda mais destrutivos.
A nova tentativa de insurreição não será improvisada: será roteirizada. E o roteiro original está arquivado nas memórias digitais de 2013.

O Bolsonarismo ferido: a besta ainda respira
Jair Bolsonaro não está morto politicamente. Está ferido, sim, mas ferido como um animal encurralado, e, portanto, mais perigoso. O bolsonarismo sobrevive ao seu criador, pois se transformou em um ecossistema ideológico, uma teologia política e uma cultura de guerra. A tornozeleira eletrônica não é apenas um artefato de contenção jurídica: é um símbolo de vitimização mobilizadora. E o bolsonarismo sabe operar com símbolos.
Mesmo sob restrições, Bolsonaro segue sendo o principal vetor emocional de uma massa radicalizada, ressentida e fanatizada. Sua figura ainda condensa o imaginário do “mito perseguido”, do “pai da pátria injustiçado”, do “soldado de Deus enfrentando as elites do sistema”. A direita extremada ainda o vê como mártir possível, e há um cálculo evidente no ar: provocar sua prisão imediata antes da manifestação de 3 de agosto pode ser o estopim emocional necessário para deflagrar o caos planejado.
Esse não é um movimento espontâneo. Trata-se de uma operação narrativa bem arquitetada: prender Bolsonaro agora, ainda que juridicamente justificável, seria descrito como “ato político”, “perseguição” e “censura” por canais de extrema-direita, e impulsionado por redes internacionais como Fox News, OANN, Rumble, além do apoio direto de setores da máquina trumpista.
A besta ainda respira, porque nunca respirou sozinha. O bolsonarismo é um corpo coletivo. Está fincado em milhares de igrejas que se tornaram células de radicalização política; em clubes de tiro que funcionam como núcleos paramilitares simbólicos; em grupos de Telegram que compartilham discursos de ódio, doutrinas conspiratórias e estratégias de mobilização em tempo real; em empresários que, mesmo diante da traição econômica revelada pelas tarifas de Trump, seguem alimentando o caos como instrumento de chantagem política.
A racionalidade aqui não é econômica ou institucional, é apocalíptica. O bolsonarismo se nutre da lógica do tudo ou nada. E por isso é um movimento perigoso mesmo fora do poder formal. Ele opera no plano subjetivo, teológico, afetivo e bélico. Não precisa de ministérios; precisa de mártires, de símbolos e de inimigos.
Mesmo enfraquecido, o bolsonarismo ainda controla setores importantes do Estado: polícias militares, parte do aparato das Forças Armadas, setores do Ministério Público e do Judiciário, e dezenas de parlamentares que atuam como ponta de lança no Congresso Nacional. Além disso, mantém uma base digital ativa, algoritmicamente conectada, pronta para espalhar versões alternativas da realidade a cada novo fato político.
Se o bolsonarismo ainda respira, é porque ainda há oxigênio fornecido por uma elite cúmplice, por uma base radicalizada e por um sistema internacional que vê no colapso do Brasil uma oportunidade geopolítica. O que está em jogo não é apenas a figura de Bolsonaro, é a permanência de uma lógica destrutiva, antidemocrática, colonial e messiânica que continua viva nos subterrâneos da sociedade brasileira.
A besta foi ferida, mas não foi derrotada. E sabe que, se for cair, tentará levar o país com ela.

Trumpismo global: a nova internacional da guerra cultural
O bolsonarismo não é um fenômeno isolado. É a expressão local de um projeto geopolítico transnacional: o trumpismo global, uma articulação de forças políticas, religiosas, financeiras e tecnológicas que opera em rede para desestabilizar democracias, capturar Estados, e impor uma nova ordem autoritária, ultraliberal e neocolonial. Se o neoliberalismo foi a ideologia da globalização econômica, o trumpismo é a ideologia da guerra cultural global.
Essa nova internacional reacionária atua como uma máquina de guerra cognitiva. Seus instrumentos são variados: desinformação, lawfare, sabotagem institucional, guerrilha digital, supremacismo moral e manipulação religiosa. Seu eixo nervoso está nos Estados Unidos, mais precisamente na aliança entre a extrema-direita republicana, o setor evangélico fundamentalista, as big techs desreguladas, os think tanks como a Heritage Foundation e Atlas Network, e agora um governo abertamente beligerante sob Donald Trump.
Com a volta de Trump ao poder, essa máquina opera sem pudores. O Brasil é um alvo estratégico. Não apenas por seu tamanho, seus recursos naturais, sua posição geopolítica ou seu histórico de governos progressistas. Mas porque o Brasil é um laboratório consolidado, testado em 2013, operado com precisão na Lava Jato, e onde as armas da guerra híbrida já mostraram eficiência: lawfare, captura de opinião pública, manipulação algorítmica, engajamento afetivo, colapso institucional.
A presença do trumpismo no Brasil se dá de forma multifacetada:
- Através do financiamento e suporte técnico a grupos e influencers bolsonaristas, com envolvimento direto de fundações como a Turning Point USA, PragerU e organizações como The Movement, de Steve Bannon;
- Por meio da articulação com igrejas evangélicas, muitas delas conectadas a redes neopentecostais norte-americanas, que atuam como braços culturais e políticos da teologia da dominação;
- Pela entrada agressiva de empresas e fundos norte-americanos em setores estratégicos brasileiros, como tecnologia, mídia, dados, defesa e agroindústria, operando como braços do soft power de desestabilização soberana;
E, mais recentemente, por meio da guerra tarifária de retaliação lançada contra o governo Lula, interpretada por analistas como uma resposta geopolítica ao endurecimento brasileiro contra as big techs e à aproximação com os BRICS.
A lógica é clara: enfraquecer o Brasil internamente, desacreditar suas instituições, desacelerar o ciclo progressista, e manter o país dependente, instável e vulnerável à captura informacional e econômica. Em outras palavras: destruir qualquer possibilidade de soberania popular e reconstrução nacional sob moldes democráticos.
O trumpismo não opera com tanques, opera com algoritmos, pastores, think tanks e chantagens comerciais. É uma nova forma de colonialismo de dados, valores e crenças. E sua arma mais letal é o bolsonarismo: o vetor tropical da guerra cultural global, moldado para parecer local, mas alimentado por núcleos transnacionais de poder.
A guerra não é apenas política, é ontológica. É uma disputa pelo que pode ser dito, pensado, desejado e acreditado. E o Brasil está, novamente, no centro do tabuleiro.

O lobby da morte: teocracia, armas e capital
Nenhuma insurreição reacionária se sustenta apenas no delírio das massas ou na manipulação digital. Por trás do fanatismo e da irracionalidade, há uma engrenagem fria, racional e altamente financiada. O bolsonarismo é a superfície de um subterrâneo complexo onde três forças se entrelaçam com precisão letal: o fundamentalismo religioso, o armamentismo miliciano e o capital predatório. Esse tripé forma o que podemos chamar de lobby da morte, a estrutura doméstica que alimenta e operacionaliza a guerra híbrida no Brasil.
Teocracia como projeto de poder
O fundamentalismo neopentecostal não é mais apenas uma força cultural: é um partido informal de massas, com base territorial, comando centralizado, ideologia homogênea e metas políticas claras. As igrejas não são templos, são plataformas logísticas de guerra cultural, que catequizam, radicalizam e elegem representantes dispostos a substituir o Estado laico por uma teocracia moralista.
A teologia da prosperidade se combina com a doutrina da guerra espiritual. Deus se torna general. O inimigo, sempre, é a esquerda, o comunismo, os direitos humanos, a ciência, a diversidade. É nesse caldo que se forma a subjetividade apocalíptica que justifica a violência em nome da fé. Não à toa, os maiores defensores de um levante contra o STF hoje saem dos púlpitos e das lives de pastores-milicianos que operam como generais da alma.
O complexo armamentista nacional
Ao lado das igrejas, o armamentismo virou religião. Clubes de tiro proliferaram, armaram a classe média, deram protagonismo a policiais radicais e criaram uma nova estética de poder: a do homem branco armado que se diz cidadão de bem. A indústria de armas, antes marginal, passou a operar como lóbi político com acesso direto ao Congresso e financiamento eleitoral robusto.
O resultado é um país com centenas de milhares de armas legalizadas nas mãos da base bolsonarista. Não se trata de segurança, trata-se de guerra civil latente. O armamento da base bolsonarista é uma peça central no cálculo de confronto. É a garantia de que, caso haja repressão ou prisão de Bolsonaro, haverá resposta nas ruas com potencial explosivo.
Esse complexo se estende à própria segurança pública. Parte significativa das Polícias Militares está bolsonarizada, com oficiais abertamente simpáticos à ideia de ruptura institucional, muitos deles doutrinados em igrejas e financiados por lobbies locais e internacionais. A militarização do cotidiano é o terreno fértil para o colapso democrático.
O Capital do Caos
Por fim, o pilar mais silencioso: o capital predatório, composto por ruralistas, garimpeiros, fundos especulativos, grandes conglomerados de mídia e grupos econômicos que lucram com a instabilidade. São esses setores que financiam as campanhas bolsonaristas, as milícias digitais, os institutos de “análise política” e os influencers que disparam narrativas de ódio.
Eles não acreditam em Deus, nem atiram em clubes. Mas precisam do caos para manter privilégios. Um país estável, democrático e soberano ameaça seus lucros. Por isso, sustentam a guerra híbrida com verbas, blindagem institucional e chantagens econômicas. São os mesmos que hoje silenciam diante das tarifas impostas por Trump, mesmo sabendo que o ataque à economia brasileira é também um ataque à sua própria estrutura. Mas preferem o fascismo ao pacto social.
Essa tríade, fé cega, bala livre e capital selvagem, forma o coração interno da guerra contra o Brasil. Não são apenas apoiadores de Bolsonaro: são agentes estruturantes do bolsonarismo enquanto projeto de poder permanente. E têm nome, rosto, CNPJ, bancada e bala na agulha.
Se o país entrar em colapso nos próximos dias, não será por acaso, nem por erro de cálculo popular. Será porque o lobby da morte operou com sucesso mais uma etapa de sua agenda, destruir o Brasil para vendê-lo em pedaços.
Redes, bots, balas e bíblias: o novo exército da desordem
O bolsonarismo não é uma massa desorganizada. É um sistema militar-informacional de mobilização permanente, que opera em múltiplas camadas, do templo ao Telegram, do clube de tiro ao TikTok. Essa estrutura não depende mais do Estado formal: ela vive no subterrâneo da sociedade, acoplada à cultura digital, às subjetividades religiosas e ao armamento legalizado.
Trata-se de um novo exército da desordem, descentralizado, descentralizante e modular, composto por:
- Fiéis fanatizados que recebem diretrizes no púlpito e replicam nas redes;
- Influenciadores digitais treinados na estética do colapso;
- Bots e redes automatizadas que amplificam narrativas e sabotam o debate público;
- Polícias militares infiltradas por oficiais bolsonaristas;
- Milicianos urbanos e rurais que operam a violência física onde for necessário.
Essa força se articula em três grandes eixos operacionais:
1. Plataformas como Campo de Batalha
Telegram, Instagram, TikTok, YouTube, Kwai e Rumble não são apenas redes sociais, são trincheiras narrativas onde se forjam as verdades alternativas do bolsonarismo. Nesses ambientes, a realidade é rearranjada, os fatos são estetizados e a radicalização é promovida com lógica algorítmica.
O bolsonarismo já não depende do Facebook tradicional, migrou para plataformas mais difíceis de monitorar e com baixa regulação. Lives, reels, stories e vídeos curtos são usados como armas de propaganda psicológica, apelando ao medo, à fé e à masculinidade tóxica. A estética do “guerreiro de Deus” com fuzil e Bíblia se tornou símbolo de pertencimento e identidade de grupo.
Essa máquina é financiada por meio de criptomoedas, dízimos, vaquinhas, recursos de parlamentares e empresas de fachada. E opera 24 horas por dia, com coordenação internacional, muitas vezes hospedada em servidores fora do Brasil.
2. Guerrilha de Influência e Sabotagem de Realidade
A ação não se dá apenas na emissão de mensagens, mas na destruição dos canais de informação confiáveis. O objetivo não é convencer: é colapsar. Derrubar a ideia de verdade, minar a confiança em qualquer fonte institucional, criar uma realidade paralela na qual o bolsonarismo é o único intérprete legítimo da vontade divina e popular.
A desinformação não se espalha sozinha: ela é arquitetada, modulada e testada como arma. São memes, vídeos, cortes editados, falsas denúncias, distorções jurídicas, campanhas difamatórias, deepfakes rudimentares, tudo em sincronia com acontecimentos da conjuntura. O que importa é gerar engajamento emocional, inflamar afetos, provocar reações viscerais. A guerra é simbólica, mas o efeito é real: cria clima de ruptura e justifica ações extremas.
3. A convergência final: fé, fuzil e feed
A força do bolsonarismo não está em suas ideias, mas em sua capacidade de mobilizar afetos primitivos e conectá-los em rede. A religião fornece o sentido, o armamento fornece o corpo, e as redes sociais fornecem a logística. É o tripé da guerra híbrida aplicada à política doméstica.
Por isso, cada igreja bolsonarizada é um bunker simbólico. Cada clube de tiro é uma base potencial de insurreição. E cada celular, nas mãos certas, é um terminal de guerra cognitiva. O Estado formal está atrasado, fragmentado e despreparado diante dessa arquitetura de guerra invisível.
E o mais perigoso: esse exército não precisa de ordens explícitas. Ele se move por códigos simbólicos, sinais emocionais e comandos implícitos, como o “convite” para o ato de 3 de agosto. Basta um gesto de Bolsonaro, um versículo no púlpito, um vídeo viralizado, e milhares se moverão como enxame. Não por disciplina, mas por fé.
Esse novo exército não veste farda, mas é treinado para a guerra.
3 de agosto: um ensaio insurrecional?
A manifestação bolsonarista convocada para o dia 3 de agosto de 2025 não é apenas mais uma mobilização de rua como tantas outras que marcaram os últimos anos. Ela carrega em si todos os elementos que configuram um possível ponto de inflexão na conjuntura brasileira: uma base radicalizada e armada, um líder político em situação de crescente vulnerabilidade jurídica, uma máquina de desinformação operando em alta rotação, e uma conjuntura internacional marcada pela ascensão do trumpismo como força de desestabilização transnacional. O 3 de agosto pode não apenas medir forças, pode inaugurar um novo ciclo de insurreição, ensaiado em tempo real sob os olhos de uma democracia ainda paralisada.
O risco maior reside na possibilidade, cada vez mais concreta, de que Jair Bolsonaro seja preso preventivamente nos dias que antecedem o ato. Com tornozeleira eletrônica e restrições impostas pelo STF, o ex-presidente se encontra numa posição frágil, mas paradoxalmente estratégica: sua eventual prisão poderia acionar um gatilho emocional profundo em sua base, fornecendo o elemento simbólico necessário para que a mobilização ganhe contornos de revolta. Transformar Bolsonaro em mártir é, hoje, um dos cenários considerados por setores do próprio bolsonarismo como catalisador de uma nova ofensiva. A prisão, caso ocorra, seria usada como “prova definitiva” da suposta perseguição política e transformada imediatamente em combustível para a narrativa do levante patriótico.
Esse levante, no entanto, não é mais pensado nos moldes tradicionais da política de massas. Ele é modular, fragmentado e mediático. Pequenos focos de instabilidade, como bloqueios de estradas, confrontos em frente a tribunais, invasões simbólicas e ataques a jornalistas, são suficientes para gerar uma comoção midiática que, devidamente editada e amplificada nas redes, cumpre a função de colapsar a normalidade democrática. A guerra híbrida não precisa vencer no campo institucional, ela precisa apenas criar a sensação de que a ordem está em ruínas. E o 3 de agosto oferece todas as condições para isso.
Os sinais digitais dessa preparação já estão evidentes. Desde meados de julho, há um aumento expressivo na circulação de conteúdos apocalípticos e convocações em tom de cruzada. Expressões como “última chance”, “novo 7 de setembro”, “o povo contra o sistema” e “chegou a hora de resistir” ocupam as legendas de vídeos, reels, pregações e chamadas no Telegram. Além disso, está em curso uma articulação internacional, especialmente com grupos trumpistas nos Estados Unidos, que organizam manifestações simbólicas de apoio em cidades como Miami, Boston e Newark. São pequenos atos, mas com potencial midiático considerável, principalmente porque contam com o endosso público de políticos republicanos ligados à máquina de guerra cultural de Donald Trump.
Essa articulação internacional dá ao 3 de agosto uma dimensão geopolítica: o que está em jogo não é apenas o futuro da democracia brasileira, mas a consolidação do Brasil como linha de frente da nova extrema-direita global. Se a manifestação transbordar para a violência, a repressão inevitável será capturada por câmeras estrategicamente posicionadas e transformada em narrativa de vitimização. Se houver confronto com a polícia, a narrativa de “Estado ditatorial” será disseminada como verdade. Se Bolsonaro for preso, sua imagem será canonizada entre fiéis, milicianos digitais e agitadores internacionais. Em todos os cenários, o bolsonarismo está preparado para ganhar, não no campo jurídico, nem no institucional, mas no imaginário.
O 3 de agosto será, no mínimo, uma medição de forças. Mas também pode se tornar o primeiro passo concreto de um processo insurrecional organizado, esteticamente roteirizado, digitalmente amplificado e teologicamente justificado. Não há espaço para ingenuidade. A história ensina que levantes autoritários não começam com tanques nas ruas, começam com afetos inflamados, narrativas bem montadas e uma elite cúmplice disposta a assistir o país arder, contanto que seus privilégios permaneçam intactos. A pergunta central não é mais se o bolsonarismo tentará novamente. A pergunta é: estamos prontos para impedir?
Democracia em xeque: a hora dos democratas à direita
A democracia brasileira vive hoje uma encruzilhada radical. De um lado, há um projeto civilizatório que busca reconstruir o país a partir da soberania popular, da justiça social e do pacto democrático. Do outro, há uma máquina de guerra cultural, religiosa e armamentista que opera para colapsar o Estado de Direito e instaurar uma teocracia autoritária com verniz popular. Entre esses dois polos, existe ainda um campo decisivo, mas hesitante: os democratas liberais e conservadores que, embora rejeitem o autoritarismo, ainda vacilam diante da necessidade de romper definitivamente com a extrema-direita.
Esse setor, composto por parcelas da imprensa tradicional, do empresariado, do judiciário, da academia e da política institucional, foi fundamental, em diferentes momentos da história recente, para legitimar o avanço da barbárie em nome da estabilidade. Em 2016, aceitaram o impeachment sem crime. Em 2018, normalizaram a prisão ilegal de Lula. Em 2019, assistiram passivos ao desmonte das políticas públicas. Em 2022, mesmo diante da tentativa de golpe explícita, muitos ainda hesitaram em nome do “diálogo”.
Agora, em 2025, não há mais margem para vacilação. O bolsonarismo não é mais um risco difuso, é uma ameaça concreta, organizada, financiada e disposta a incendiar o país. A continuidade da omissão, neste momento, será interpretada como cumplicidade. A moderação, diante de uma insurreição em gestação, torna-se colaboração passiva. O centro político, se quiser continuar existindo, precisa escolher um lado. E não há dois lados aceitáveis entre democracia e fascismo.
A hora é de coragem, não de cálculo. É preciso romper publicamente com o bolsonarismo, sem ambiguidade, sem eufemismos, sem desculpas. É preciso denunciar a instrumentalização das igrejas para fins golpistas. É preciso desarmar os discursos sobre “liberdade de expressão” usados para proteger redes de ódio e desinformação. É preciso exigir responsabilização, e não “pacificação”. O pacto democrático só se sustenta se for baseado na verdade, na justiça e na coragem política.
Esse chamado também vale para a direita democrática, a direita que acredita no Estado de Direito, na pluralidade e na convivência institucional. Essa direita, se ainda existir, precisa entender que o bolsonarismo é, antes de tudo, antirrepublicano. Sua lógica é a do ressentimento, do milicianismo, da teocracia e do culto à violência. Não há reforma possível nesse campo. O bolsonarismo não será “domado”, nem “republicanizado”. Ele só pode ser derrotado.
A democracia brasileira precisa de uma frente ampla, não apenas eleitoral, mas histórica. Uma aliança em defesa da Constituição, da civilidade, da soberania e da informação como bem público. E essa frente não será construída se os setores democratas continuarem em cima do muro, esperando o próximo golpe para, então, lamentar com editoriais tímidos.
Os próximos dias serão decisivos. O 3 de agosto pode marcar o início de um novo ciclo de instabilidade. E o silêncio dos que ainda têm poder de fala e influência será cobrado pela história. Não se trata mais de disputar projetos, trata-se de impedir o colapso da própria possibilidade de disputa.
O bolsonarismo quer destruir a política como campo legítimo de conflito. Cabe aos democratas, de todas as cores, restaurar o valor da política como espaço da razão, do dissenso e da construção coletiva. E isso só será possível se todos os que acreditam na democracia falarem com clareza, se moverem com firmeza e agirem com urgência.
A hora da verdade chegou. E não há espaço para neutralidade em tempos de guerra.
O que fazer: estratégia, mobilização e contraofensiva
Diante da ofensiva autoritária em curso, não há mais espaço para a passividade institucional, nem para a espera desesperançada por uma solução que venha “de cima”. O bolsonarismo é uma máquina viva, adaptável, e a guerra híbrida em que estamos imersos não é uma hipótese: é uma realidade objetiva e contínua, que exige resposta imediata, estratégica e multiescalar. A pergunta, portanto, não é apenas “o que está acontecendo?”, mas “o que fazer diante disso?”
O primeiro passo é compreender que a guerra é simultaneamente simbólica, informacional, emocional, territorial e tecnológica. Ela se trava nas redes e nas ruas, nas narrativas e nas instituições, nas subjetividades e nas relações sociais. A resposta precisa ser igualmente complexa, integrada e ousada. E deve começar com uma reorganização das forças progressistas, democráticas e soberanas em torno de uma visão clara: defender a democracia não é apenas defender o regime eleitoral, é defender o tecido vivo da sociedade contra sua destruição planejada.
Nas redes, é preciso abandonar a lógica reativa e assumir uma postura ofensiva. Isso significa ocupar os espaços digitais com inteligência, criatividade, precisão e capilaridade. A militância digital não pode continuar sendo episódica ou desorganizada. É hora de formar brigadas de informação permanente, com atuação diária, coordenação estratégica, linguagem plural e estética enraizada nas vivências populares. A contraofensiva não virá de fact-checks formais nem de campanhas institucionais: ela virá da base conectada, treinada e mobilizada.
Nas ruas, a resposta precisa ser visível, forte e simbólica. Não basta rejeitar o bolsonarismo, é preciso afirmar outro projeto de país, com coragem e presença física. A ausência da esquerda institucional nas ruas tem sido um dos maiores erros estratégicos desde 2016. Agora é o momento de recuperar o corpo coletivo, de ocupar praças, escolas, igrejas, feiras, periferias e centros urbanos com arte, discurso e organização popular. Cada território precisa se transformar em trincheira pedagógica e política contra o avanço fascista.
No campo institucional, é hora de romper com as ilusões. Não estamos diante de uma “radicalização política comum”. Estamos diante de uma tentativa de captura total do Estado por forças antidemocráticas. Isso exige medidas excepcionais dentro da legalidade: identificação e responsabilização de agentes públicos coniventes, bloqueio de canais de financiamento, regulação das plataformas digitais, proteção dos jornalistas e ativistas, e reforço à inteligência estatal com controle democrático. A leniência institucional será lida como fraqueza, e convertida em munição.
É urgente também articular uma frente ampla da soberania informacional: universidades, centros de pesquisa, coletivos de mídia, jornalistas independentes, programadores, ativistas digitais e movimentos populares precisam se unir em torno de uma agenda comum para enfrentar a arquitetura cognitiva da desinformação. Isso passa por formação política, educação midiática de base, democratização da produção de conteúdo, e desenvolvimento de ecossistemas tecnológicos autônomos, enraizados na realidade brasileira.

O bolsonarismo é uma aliança entre fé, arma e algoritmo. A nossa resposta precisa ser uma aliança entre ciência, povo e imaginação. Precisamos reconstruir um novo senso comum democrático, que recupere a esperança sem negar o conflito. Que confronte o medo sem infantilizar a população. Que convoque a luta com a força da verdade, da arte, da memória e do cuidado.
Essa é a hora de pensar como estrategistas, mas agir como militantes. De combinar análise rigorosa com ação direta. De articular o imediato e o estrutural, o simbólico e o material. Não haverá salvação institucional se não houver mobilização popular. Não haverá paz sem justiça. Não haverá reconstrução se não desmantelarmos as engrenagens do ódio.
A guerra já começou. Agora é hora de ocupar, resistir e virar o jogo.
Conclusão: entre o colapso e a esperança
Estamos vivendo um dos momentos mais perigosos, e mais reveladores, da história recente do Brasil. O que antes se insinuava como ameaça agora se revela como plano. O que antes era negado como paranoia agora se confirma como operação. E o que antes era tratado como exagero agora se impõe como diagnóstico preciso: estamos no epicentro de uma guerra híbrida de longo prazo, onde a destruição da democracia brasileira não é um efeito colateral, é o objetivo.
O bolsonarismo não desapareceu com a derrota eleitoral. Ele se reconfigurou como insurgência permanente, como culto político-religioso e como rede de guerra cognitiva, preparado para explorar cada fratura institucional, cada ambiguidade moral, cada silêncio tático das elites. O retorno de Trump ao poder, longe de ser um evento isolado, reativou a linha de abastecimento simbólica e financeira da extrema-direita global, que vê no Brasil uma peça-chave na engrenagem do neofascismo internacional.
A possibilidade real de que o 3 de agosto seja um ensaio de insurreição exige de todos os setores democráticos, da esquerda popular à direita republicana, uma resposta à altura do risco. Não se trata de temer o que pode acontecer. Trata-se de reconhecer com maturidade o que já está acontecendo. A guerra está em curso. Ela é informacional, espiritual, estética, judicial, tecnológica e territorial. É uma guerra sem quartel fixo, mas com inimigos claros e métodos definidos.
Mas há também esperança, e ela nasce da consciência. Cada vez mais setores populares, lideranças políticas, intelectuais, jornalistas e militantes reconhecem que não há mais espaço para ingenuidade. A travessia para um novo Brasil não virá sem enfrentamento, mas ela está ao alcance das mãos. Ela exige coragem estratégica, radicalidade ética e mobilização coletiva. Não há algoritmo que possa conter uma sociedade desperta. Não há fake news que resista ao trabalho profundo de reconstrução da verdade em comunidade. Não há máquina de guerra que sobreviva a uma aliança entre o povo, a memória e a imaginação revolucionária.
O futuro não está escrito. Ele está em disputa. E essa disputa exige que sejamos mais do que analistas, exige que sejamos autores da história. Com cada palavra, cada gesto, cada ato de resistência e cada decisão estratégica, podemos empurrar o país de volta ao eixo da democracia concreta, da soberania popular e da reconstrução do pacto civilizatório.
O tempo agora é de decisão. Entre o colapso e a esperança, escolhemos a luta.
Artigo publica originalmente em <código aberto>
Reynaldo Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e comportamento. Editor do codigoaberto.net É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global.
Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net
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