O Índice de Democracia Ambiental (IDA), divulgado nesta segunda-feira 16, mostra um cenário recorrente na Amazônia: a ausência de proteção para quem denuncia crimes ambientais.
Elaborado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) e pela Transparência Internacional–Brasil, o levantamento avaliou quatro dimensões: acesso à informação, participação social, justiça e proteção aos defensores ambientais nos nove estados da Amazônia Legal e na União.
Nenhum dos estados alcançou a classificação “bom”. A média geral foi de 34,5 pontos, em uma escala de 0 a 100. A pior avaliação está justamente na proteção aos defensores, com apenas 11,8 pontos.
Roraima, com 20,8 pontos, teve o pior desempenho geral. Mato Grosso, com 48,3 pontos, foi o único a se aproximar da faixa regular. A União obteve 64,8 pontos, classificada como “bom”, mas também com nota baixa em proteção aos defensores (58,7 pontos).
Os dados evidenciam os riscos enfrentados por quem denuncia desmatamento ilegal, grilagem, garimpo e outras atividades predatórias na região.
“Não tenho mais liberdade de ir e vir. Se os netos me chamam para ir à praça tomar um sorvete, preciso recusar”, me disse Maria Joel Dias da Costa, liderança dos trabalhadores rurais de Rondon do Pará. Há mais de duas décadas, ela vive sob escolta policial. As ameaças começaram depois que o marido dela foi assassinado em 2000 por defender trabalhadores rurais.
Joelma, como é conhecida, assumiu o papel do marido ao organizar a luta pela reforma agrária e denunciar a atuação de grileiros e madeireiros. Hoje, não pode andar sozinha. Está o tempo todo vigiada por dois policiais militares.
Apesar da gravidade, a proteção que ela recebe é uma exceção na região. Dos nove estados da Amazônia Legal, apenas Pará, Mato Grosso e Maranhão mantêm programas próprios de proteção a defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas.
Nos demais, as pessoas ameaçadas dependem apenas do programa federal de proteção ou, em muitos casos, não têm qualquer suporte. Mesmo nos estados que possuem programas, há relatos de falta de recursos, atrasos e dificuldades operacionais para garantir a segurança dos ameaçados.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2024 foi o segundo ano com o maior número de conflitos no campo desde 1985, com 2.185 ocorrências. Nesse total, registraram-se 13 assassinatos de trabalhadores rurais, indígenas e sem-terra.
Duas das treze mortes aconteceram no acampamento da Fazenda Mutamba, em Marabá, no sudeste do Pará, onde 400 famílias estão ameaçadas de despejo. Em outubro de 2024, uma operação policial com forte aparato militar resultou na morte de dois trabalhadores rurais. Os presos denunciaram que foram torturados.
Depois das mortes, lideranças relataram o uso de drones e patrulhamento ostensivo para monitorar o acampamento. Na área, reivindicada há anos por trabalhadores sem-terra, já foram registrados episódios de trabalho análogo à escravidão.
A ação policial na fazenda Mutamba não é isolada. Faz parte de um ambiente de estímulo à repressão de movimentos sociais na Amazônia e em outras regiões do País.
Na semana passada fiz uma reportagem a respeito de um evento realizado em Ilhéus (BA), quando o grupo Invasão Zero deu treinamento a fazendeiros e empresários sobre como desmontar acampamentos de indígenas e sem-terra, destruir provas e enfrentar ocupações.
O Invasão Zero já atua em vários estados da Amazônia Legal e articula uma ofensiva legislativa no Congresso. Atualmente são 38 projetos de lei diretamente ligados ao movimento, quase todos assinados por parlamentares do Partido Liberal (PL), segundo levantamento realizado pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup) da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.
A expansão dessas práticas ocorre justamente em um contexto de fragilidade na proteção de defensores ambientais, apontada pelo índice. A falta de protocolos claros de atuação policial, de canais eficazes de denúncia e de mecanismos de fiscalização agrava o risco para as lideranças dos trabalhadores rurais e ambientalistas.
O quadro de vulnerabilidade ocorre enquanto a Amazônia se prepara para sediar a COP30, em novembro, em Belém (PA). A escolha do Pará contrasta com a política ambiental local. Em abril, o governo do estado nomeou Fernando Brandão para um posto-chave na Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Ele foi advogado de garimpeiros e publicou fotos abatendo javalis. Agora, está à frente de processos de licenciamento e fiscalização em áreas críticas de desmatamento e queimadas como Itaituba e Novo Progresso.
O governador Helder Barbalho (MDB), que nomeou Brandão, também comemorou a autorização do Ibama para a explosão do Pedral do Lourenção, um banco rochoso no leito do rio Tocantins, considerado área sensível por abrigar espécies ameaçadas, como os cascudos gigantes.
A obra faz parte do projeto de derrocamento para ampliar a navegação no rio e atender interesses logísticos do agronegócio, principalmente da soja. Moradores e pesquisadores apontam riscos para as populações ribeirinhas e impactos ambientais duradouros, como mostrou reportagem da Sumaúma.
O índice não trata dessas questões específicas, mas seus dados dialogam com esse contexto. A divulgação coincide com o avanço do chamado PL da Devastação no Congresso, que pode fragilizar ainda mais o licenciamento ambiental e beneficiar grandes empreendimentos — tema que abordei recentemente em outra coluna.
Entre as recomendações estão fortalecer programas de proteção, ampliar o acesso a dados, reforçar o Judiciário e ratificar o Acordo de Escazú, tratado ambiental da América Latina que garante informação, participação, justiça e proteção a defensores. O Brasil assinou em 2018, mas o Congresso ainda não aprovou.