Para cada um real destinado a políticas para egressos do sistema prisional em 2023, os estados gastaram 5 mil reais com policiais. É o que aponta um estudo do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça, analisando a gestão e o financiamento judicial.
O levantamento avaliou os gastos de 22 estados, responsáveis por 93% (1,1 trilhão de reais) de todo o orçamento dos estados brasileiros no período. Nessas localidades, um total de 98,6 bilhões foi destinado às polícias (78,9 bilhões) e 19,8 bilhões ao sistema prisional. No entanto, apenas 16 milhões de reais foram investidos em políticas exclusivas para egressos do sistema penitenciário.
O estudo destaca uma irracionalidade nos gastos. Enquanto a maior parte dos recursos para as polícias se concentra em atividades ostensivas, no sistema prisional, os recursos são majoritariamente voltados ao encarceramento, com quase nenhuma atenção às políticas para egressos — fundamentais para uma mudança de rota. Além disso, 73% das unidades federativas analisadas não previram qualquer política exclusiva para egressos em 2023.
A organização também considera alarmante o baixo investimento na produção de provas e análise de vestígios criminais, essenciais para comprovar delitos, identificar envolvidos e assegurar a efetividade da segurança pública. Enquanto isso, os estados direcionam boa parte de seus orçamentos para políticas criminais, incluindo segurança pública e sistema prisional.
“Há uma concentração de recursos no cumprimento de pena, que consome, em média, 1,8% dos orçamentos estaduais, sem praticamente nenhum investimento na porta de saída das prisões”, observa Luciana Zaffalon, diretora-executiva do Justa. “Prende-se muito e mal, uma vez que o orçamento das polícias também evidencia o subfinanciamento da produção de provas.”
Sem uma reconfiguração dessa lógica de investimentos, avalia o estudo, será impossível superar os graves problemas de segurança pública enfrentados pelo país. Isso perpetua a má qualidade dos serviços policiais, amplia o encarceramento em massa e acentua a vulnerabilidade do sistema prisional e de todo o sistema político diante das organizações criminosas.
A maior parte dos recursos — 59,5% (47,5 bilhões de reais) — é destinada ao trabalho ostensivo das polícias militares. As polícias civis ficam com 22,9% (18,1 bilhões), e as polícias técnico-científicas, com apenas 2,8% (2,2 bilhões).
“Segue-se fomentando um encarceramento de baixa qualidade, sem a necessária priorização da produção de provas”, completa Luciana.
A situação nos estados
O estudo revela que o Rio de Janeiro foi o estado que mais gastou proporcionalmente com polícias em 2023: cerca de 10 bilhões de reais, o equivalente a 10,6% de seu orçamento total. Desse montante, 79% (7,9 bilhões) foram destinados à Polícia Militar, enquanto 2,1 bilhões foram para a Polícia Civil. Esses gastos equivalem à soma do orçamento do estado para educação, organização agrária, desporto e lazer, trabalho e energia.
Em contrapartida, o Rio de Janeiro alocou apenas 1,4% de seus recursos (1,3 bilhão de reais) para o sistema prisional e não previu orçamento para políticas exclusivas para egressos do sistema prisional.
Em valores absolutos, São Paulo lidera os gastos tanto com polícias quanto com o sistema prisional, representando 20% e 24% do total das unidades federativas analisadas. O estado destinou 15,6 bilhões de reais ao policiamento em 2023, sendo 10,5 bilhões apenas para a Polícia Militar. O sistema prisional custou a São Paulo R$ 4,8 bilhões, superando o total gasto nas áreas de cultura, assistência social, agricultura, comércio e serviços, desporto e lazer, energia, comunicações, trabalho, organização agrária e indústria. Apenas R$ 12 milhões do orçamento foram aplicados em políticas exclusivas para egressos.
Os estados que mais gastaram proporcionalmente com polícias, em relação a seus orçamentos, foram: Rio de Janeiro (10,6%), Mato Grosso (10,3%), Amapá (9,9%), Ceará (9,8%), Alagoas (9,2%) e Pará (8,9%).
Dos 22 estados analisados, apenas Ceará, Tocantins, Pará, Alagoas, Mato Grosso e São Paulo incluíram políticas para egressos em seus orçamentos, mas nenhum atingiu 1% do orçamento total.
A avaliação é que os estados continuam a investir predominantemente na porta de entrada do sistema prisional.
“A distribuição de recursos públicos reflete as disputas políticas em torno do orçamento, e os dados evidenciam a crescente força das polícias no cenário democrático brasileiro”, conclui Luciana Zaffalon. “Investimos muito em um modelo de aprisionamento de baixa qualidade e nada na geração de alternativas para mudança de rota daqueles que deixam a prisão depois de cumprida a pena.”