A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania concedeu nesta terça-feira (2) anistia política e indenização de 100 mil reais ao ex-jogador José Reinaldo Lima, ídolo do Atlético Mineiro.
O reconhecimento se baseia em perseguições sofridas entre 1978 e 1986, quando o atleta foi monitorado pelo Sistema Nacional de Informações (SNI) e alvo de uma campanha de difamação que interferiu em sua carreira e em sua vida pessoal.
“Talvez vocês se lembrem da minha trajetória nos campos, mas pode ser que não saibam da luta, muitas vezes silenciosa, que tive que enfrentar. Todos nós sabemos dos horrores da ditadura que tiraram a vida de tantos brasileiros, mas a repressão do Estado foi muito além dos porões e das celas e não usava só a violência física”, denunciou o craque.
O ex-jogador entrou na mira dos generais da ditadura e, por consequência, da antiga Confederação Brasileira de Desportos, ao adotar o punho cerrado na comemoração de gols. O gesto, vinculado ao movimento dos Panteras Negras, era tratado com desconfiança pelo regime.

Militares e dirigentes da antiga CBD passaram a tratar o gesto como indisciplina política e usaram essa leitura para restringir sua presença na seleção, o que incluiu a exclusão da Copa de 1982, apesar da boa fase que vivia.
“Eles criavam campanhas de difamação, verdadeiras operações para acabar com a reputação e a vida social das pessoas que eles consideravam inimigos ou ameaças; era uma máquina de propaganda e mentiras que agia nas sombras com resultados terríveis na vida real”, disse.
A reparação será paga em parcela única, conforme voto lido pela conselheira Rita Maria de Miranda Sipahi e confirmado pela presidente do Conselho, Ana Maria Lima de Oliveira.
A representação apresentada por Reinaldo relata episódios sucessivos de vigilância, repressão simbólica e restrições dentro do ambiente esportivo ao longo do período da ditadura brasileira.
A sessão analisou vinte pedidos de anistia pela manhã e outros trinta e dois estavam previstos para a plenária à tarde.
A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, afirmou que o caso de Reinaldo expõe a dimensão da violência exercida pela ditadura em diferentes campos sociais e colocou a trajetória do ex-jogador como exemplo de resistência ao autoritarismo.
Ela disse que “a ditadura brasileira foi cruel, perversa, e destruiu pessoas em todos os lugares, em todos os âmbitos da sociedade, mas tivemos aqueles imprescindíveis, como Reinaldo, que não se curvaram”.
Segundo a ministra, o país não pode recuar no compromisso com a memória histórica e com o processo de justiça de transição, porque “é preciso lembrar que a memória é, antes de tudo, um projeto de justiça de transição que nos permita não incorrer novamente nos erros dessa natureza”.
A Comissão de Anistia, criada pela Lei 10.559 de 2002, é responsável por examinar perseguições políticas ocorridas entre 1946 e 1988, período que inclui os atingidos pela ditadura civil-militar.
O entendimento do órgão é que a reparação financeira é apenas uma das dimensões do reconhecimento público de que houve erro de Estado.
A função central é afirmar que a violência institucionalizada contra opositores produziu danos duradouros e que o país tem a obrigação de garantir que essas práticas não retornem sob novas formas.
O caso de Reinaldo tem caráter emblemático nesse processo por revelar como o aparato repressivo também alcançou o ambiente esportivo, desafiando a narrativa que restringe a violência militar ao campo formal da resistência política.