Foto: MST

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Entre os dias 15 de março e 15 de junho, os visitantes do Museu de Arte Contemporânea (MAC), da USP poderão conferir a exposição “Trabalho Livre”, que celebra a trajetória e a obra de Sérgio Ferro. São mais de 80 obras do artista, arquiteto, artista plástico e professor, cujo trabalho é marcado pela resistência e por uma profunda reflexão sobre o trabalho livre como tema central. A mostra explora a multiplicidade de seus ofícios, destacando sua abordagem única da pintura, que revela o processo criativo em si, expondo as camadas, gestos e técnicas que compõem suas obras.

A abertura da exposição apresentou uma mesa redonda, com a participação de Ana Chã e João Pedro Stedile, do MST, e o artista Sérgio Ferro, cofundador do movimento Arquitetura Nova, com transmissão ao vivo do Tutaméia (veja o vídeo aqui). A ideia era destacar a abertura da exposição, a figura de Sérgio Ferro e de sua obra, que une arte, arquitetura e militância, e fazer um diálogo diretamente com a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Cultura e Reforma Agrária Popular

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Chã ressaltou a conexão entre a arte engajada de Ferro e a luta do Movimento. “Agora, com os 40 anos do MST, ele nos presenteou com uma nova obra, que reflete nossa luta desde a Encruzilhada Natalino”. Ela afirmou ainda que “a transformação social não é algo distante, mas está presente no cotidiano, na organização dos assentamentos e no modo de vida das pessoas”.

No MST, por exemplo, a organização ocorre por meio de coletivos, com setores como educação, produção, frente de massas e cultura. O setor de cultura, criado nos anos 2000, é influenciado por artistas como Sérgio Ferro e Augusto Boal, e a própria luta pela Reforma Agrária Popular é também uma luta cultural, visando mudar as relações sociais marcadas pelo individualismo e neoliberalismo. A prática cultural e artística do MST busca produzir coletivamente não apenas alimentos, mas também sentidos e arte.

João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, ressaltou como o MST tem utilizado as artes para realizar agitação e propaganda, desde gestos simples, como distribuir calendários para os camponeses exporem em suas casas, até o envio de cartazes com obras do Sérgio para que os camponeses reflitam sobre o projeto de luta. “O Sérgio deu uma grande contribuição ao MST, e somos muito gratos por sua vida e coerência. Espero que a esquerda brasileira reaprenda a fazer agitação e propaganda com as artes, para que as pessoas aprendam a luta de classes com prazer, e não apenas com raiva”.

Stedile fez uma análise da crise do capitalismo como um fenômeno que expõe a inviabilidade do sistema, tanto em termos econômicos quanto ambientais. O modelo atual, baseado na exploração desenfreada de recursos naturais e na acumulação de riquezas, tem agravado problemas globais, como as mudanças climáticas, colocando em risco o futuro do planeta. Essa insustentabilidade evidencia a necessidade de repensar as estruturas que sustentam o capitalismo.

“Do lado do capital, há uma crise do imperialismo e do capitalismo. O modo de produção capitalista não organiza mais as necessidades da população, e isso o torna inviável. Além disso, há a crise ambiental, com o capitalismo transformando bens naturais em mercadorias, gerando mudanças climáticas e desastres como enchentes e calor extremo”, ressaltou Stedile.

O poder do coletivo

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Diante desse cenário, a luta de massas é defendida como o caminho indispensável para superar a crise e construir um projeto de sociedade mais igualitário e sustentável. A mobilização popular é vista como a força capaz de desafiar as estruturas de poder e promover transformações profundas, garantindo que as necessidades da maioria prevaleçam sobre os interesses de uma minoria. Essa perspectiva reforça a importância da organização coletiva na busca por um futuro mais justo e equilibrado.

“Na luta de massas, é que surge nossa conexão com as artes. A militância se forma nas escolas, mas as massas se formam na rua, no enfrentamento concreto. Como dizia Lênin, só na luta o povo descobre quem é amigo e quem é inimigo. A esquerda foi sequestrada pelo carro de som, que não educa as massas. Os comícios não resolvem mais, e as massas estão cansadas disso. A saída é usar as artes: a música, o teatro, a poesia, e até a culinária, como forma de valorizar o alimento saudável”.

Fazendo um paralelo entre a exposição e a Reforma Agrária Popular, Sérgio Ferro começou sua fala agradecendo ao MST e ao museu pela exposição, com destaque à importância da luta coletiva. “Digo honestamente, sem exagero, que se há um Movimento hoje que oferece uma alternativa à ‘merda’ que o mundo está se tornando, é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Esse movimento precisa ser conhecido, divulgado e multiplicado. Somente eles, pelo que conheço, oferecem uma perspectiva de vida coletiva, fraterna, autônoma e autodeterminada”.

Ferro também compartilhou sua trajetória de luta, defendendo a autonomia construtiva e propondo que o MST promova uma arquitetura feita pelo povo, e não por “estrelas”. Ele ressaltou a importância de pensar em habitações dignas para os camponeses, criticando a exploração do trabalho na construção civil e defendendo uma arquitetura mais justa e acessível, alinhada às necessidades da população. “Na arquitetura, por exemplo, na construção, poderíamos fazer um mundo diferente, um mundo novo. Estou praticamente no final da vida, mas não vou desistir de lutar nunca. Quero que essa luta continue”, afirmou.

Ana Chã finalizou com um convite à próxima Feira da Reforma Agrária Popular, que deve ocorrer em maio deste ano no Parque da Água Branca, em São Paulo. A feira, segundo Ana, é mais uma forma de demonstrar como o diálogo entre campo e cidade é fundamental e a necessidade de democratizar a terra e construir uma relação mais harmoniosa com a natureza.

Ao final, Sérgio Ferro anunciou a restauração da casa onde Carlos Marighella morou, em Salvador. O projeto conta com a colaboração do arquiteto Marcelo Ferraz, conhecido por seu trabalho com Lina Bo Bardi. A casa, que será transformada em um memorial, representa um resgate histórico da luta revolucionária no Brasil.

“O MST assumiu a responsabilidade de restaurar a casa onde Marighella viveu, e compramos a casa e estamos restaurando-a para transformá-la em um memorial. Esperamos que até o final do ano a obra esteja em andamento e, para isso, peço a todos que ajudem nessa reconstrução. Vamos vender encartes com obras minhas para arrecadar fundos. A luta tem que continuar, com todo tipo de sacrifício e humildade. Esta exposição é um convite para não pararmos nunca de lutar. Vamos construir coletivamente a casa de Marighella e manter viva a memória dele e da luta do povo brasileiro.”

Serviço

Exposição: Trabalhos Livres, de Sérgio Ferro
Curadoria: Maristela Almeida e Fábio Magalhães
De 15 de março a 15 de junho de 2025
MAC – Museu de Arte Contemporânea
Av. Pedro Álvares Cabral, 1301. Ibirapuera – São Paulo – SP, Brasil
Terça a domingo das 10 às 21 horas; Segundas-feiras fechado
Entrada gratuita

*Edição: Solange Engelmann

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Governo Lula,

Last Update: 18/03/2025