A República Islâmica iraniana tem sido uma enorme pedra no sapato da esquerda pró-imperialista que se autoproclama revolucionária. Mergulhados na doutrina “democrática” do imperialismo, diversos agrupamentos políticos que se valem de uma linguagem esquerdista, mas acabam por defender a política dos monopólios. O espécime a ser analisado hoje é a LIT-QI, que publicou o “colosso” Sobre a guerra dos EUA e Israel no primeiro dia do mês. Infelizmente, é muito difícil uma caracterização política da questão quando a própria descrição dos fatos é fraudulenta. Inauguram o texto com a seguinte pérola (grifos nossos):

“Uma trégua imposta por Trump interrompeu a guerra entre os Estados Unidos e Israel contra o Irã. 

A trégua foi imposta depois que os Estados Unidos bombardearam duramente as instalações nucleares do Irã com 125 aviões, lançando as bombas não atômicas mais pesadas do mundo.

[…]

O Irã respondeu lançando cerca de 650 mísseis sobre Israel, atingindo pela primeira vez o seu território em diferentes cidades, sem causar perdas militares significativas, mas superando parcialmente a defesa antiaérea sionista. Foi a segunda vez (a primeira em 7 de outubro com o ataque do Hamas) que as defesas «inexpugnáveis» de Israel foram vencidas neste período.”

Absolutamente ninguém, nem mesmo os serviços de inteligência do imperialismo, acredita que os bombardeios finais realizados pelo governo Trump foram duros. A caracterização fica ainda mais ridícula ao final: se os iranianos não causaram perdas significativas, por que o imperialismo, que tem bombardeado sistematicamente o Líbano, a Palestina, o Iraque, a Síria e o Iêmen, teria imposto uma trégua? Não faz sentido. Na frase seguinte, no entanto, escrevem que as defesas de “Israel” foram vencidas. Ora, qual é a verdade?

Prosseguem com a “brilhante” caracterização do resultado da Guerra dos Doze Dias: 

“O imperialismo norte-americano e o governo israelita saíram fortalecidos com um ataque brutal, poucas perdas e uma trégua que impediu que as consequências políticas do desgaste de uma guerra mais longa afetassem Trump e Netanyahu.

[…]

Mas o Irã não sai derrotado desta guerra.”

Se “Israel” não tivesse sofrido danos esmagadores, por que o sionismo estaria pressionando tanto os Estados Unidos a entrar diretamente na guerra? O desenrolar dos fatos demonstrou o exato oposto: acabou a primazia militar sobre a Ásia Ocidental da base do imperialismo administrada pelos sionistas. Novamente, os autores da nota estão muito confusos: como é possível o imperialismo, que domina o mundo, sair fortalecido ao mostrar-se incapaz de derrotar um país atrasado?

Sobre a resistência islâmica no Líbano escrevem:

“O sionismo obteve uma vitória militar contra o Hezbollah, matando Nasrallah e grande parte de seus líderes, além de destruir entre 70% e 80% do seu arsenal. Depois disso, um novo governo libanês, alinhado com o imperialismo norte-americano, está recompondo o Estado, impondo seu controle sobre o país e reduzindo o peso do Hezbollah.

Se houve vitória militar “israelense”, por que tiveram de desocupar o sul do Líbano? De fato, os danos sofridos pelo Hesbolá foram muito duros, e a perda de um titã como Nasseralá é um enorme problema. No entanto, o partido não retrocedeu: ele obteve, isso sim, os melhores resultados eleitorais em sua história. 

Pode-se argumentar que a posição militar do Hesbolá se encontra momentaneamente fragilizada, a principal razão para tal, no entanto, está na derrubada do governo Assad pelo imperialismo, e a tomada da Síria pelos mercenários do HTS. Ora, a LIT-QI, como nos é relembrado neste texto, apoiou entusiasticamente a derrubada de Assad. Prosseguem:

“Desde o ataque israelita, praticamente não houve mais ataques importantes do Hezbollah contra Israel, o que foi ainda mais significativo durante a guerra de Israel e dos EUA contra o Irã, em que o Hezbollah simplesmente não reagiu militarmente

A derrubada de Assad na Síria foi uma vitória do movimento de massas contra uma ditadura odiada e cúmplice de Israel.”

Independentemente de qualquer caracterização do governo Assad, a sua derrubada marcou uma enorme vitória do imperialismo na região, ao cortar as linhas de suprimentos entre o Irã e o Hesbolá. Se a situação não era ideal com Assad, o fato de Al-Shaara, o cortador de cabeças, estar rumo a um acordo com o sionismo, e conversas acerca de uma invasão síria ao Líbano se fortalecerem, mostra o exato oposto da figura que procura pintar a LIT-QI.

A caracterização do Irã também é risível. Não vale a pena entrar no mérito da “questão da mulher” novamente, pois a questão foi tratada a fundo em outras publicações deste Diário. O resto da posição, no entanto, expõe a pobreza da argumentação dos “trotskistas”:

“O regime iraniano é uma ditadura burguesa sob a forma de um regime teocrático. No Irã, uma revolução derrubou a monarquia do Xá Mohamed Reza Pahlevi, aliado direto do imperialismo norte-americano, em 1979.

Com a cumplicidade e traição do PC iraniano (o Tudeh), que tinha peso na classe operária, os aiatolás xiitas, expressão de uma burguesia local, conseguiram acabar com os órgãos de duplo poder e derrotar a revolução.

A partir de então, essa burguesia cresceu a partir do controle do aparato estatal e instaurou uma ditadura burguesa, reprimindo duramente as greves e a luta das mulheres, severamente oprimidas pela teocracia islâmica.”

Ora, os elementos principais da chamada burguesia iraniana, o chamado Bazaar, são elementos da oposição ao domínio político dos aiatolás. Pela ausência de uma vanguarda operária suficientemente organizada, a revolução proletária iraniana caiu nas mãos de um setor do nacionalismo iraniano, de fato. No entanto, chamar o Irã de “ditadura burguesa” é uma caracterização muito esquisita, sendo que não é a burguesia iraniana que controla o regime político. Prosseguem:

“A nível regional, o regime dos aiatolás mantém a independência do imperialismo norte-americano desde o seu nascimento, mas depois se apoiou no imperialismo russo e chinês.

É o centro do chamado «Eixo da Resistência» contra o domínio israelita, que incluía o Hezbollah, milícias xiitas no Iraque, o regime de Assad e os houthis do Iêmen. Mas não enfrentou Israel durante todo o genocídio de Gaza, reagindo apenas aos seus ataques contra o Irã.

O regime teocrático iraniano desempenhou um papel diretamente contrarrevolucionário ao apoiar o governo de Assad durante a revolta das massas contra a ditadura síria.”

Primeiramente, a Revolução Iraniana só sobreviveu pela vitória sobre o Iraque na sangrenta guerra da década de oitenta. O regime dos aiatolás sobreviveu, preciso lembrar, porque, para a incompreensão do esquerdista europeu com uma mentalidade colonial, tem o apoio da maior parte do povo iraniano.

Novamente, a questão dos “imperialismos russo e chinês” já foi tratada à exaustão neste Diário, reservemo-nos de comentá-la mais a fundo. A calúnia grotesca contra o Eixo da Resistência merece comentário, no entanto.

O Hesbolá começou a bombardear a entidade sionista no dia seguinte à Operação Dilúvio de Al-Aqsa, o Conselho Supremo do Iêmen fechou o Mar Vermelho aos navios direcionados á entidade sionista e a bombardeia quase diariamente há mais de um ano,

Enquanto isso, os “revolucionários” sírios estão a dois passos de aderir aos Acordos de Abrãao. É absolutamente vergonhosa a rendição da LIT-QI à política do imperialismo.

A falência política é confirmada na tomada de posição correta ao lado do Irã. Caracterizam que o Irã se apoia nos “imperialismo russo e chinês”, colocam que estes “imperialismos” nada fizeram durante o conflito (não é bem verdade, é muito provável que a China, que não é um país imperialista, tenha, no mínimo, oferecido ao Irã acesso ao seu sistema de satélites). Neste caso, o conflito seria interimperialista e a posição a ser tomada seria a ensinada por Lenin na Primeira Guerra Mundial, e, num caso mais complexo, Trotsky durante a anexação da Tchéquia pelos nazistas. 

Qualquer pessoa com um espírito mais humano regozijou-se com os mísseis iranianos sobre o monstro sionista. Neste caso, o “trotskista” da LIT-QI sabe que deve apoiar a ação iraniana contra o sionismo, ele não consegue, no entanto, se desvencilhar de toda a parafernália reacionária que carrega consigo. E, o resultado está nesta peça bizarra e inconsistente.

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Last Update: 09/07/2025