Dia sim, outro também, vemos nos canais progressistas da internet o elogio do STF e, particularmente, de sua principal encarnação, o ministro Alexandre de Moraes. Todas as decisões do popular “Xandão” são aplaudidas e referendadas pelos juristas midiáticos e pelos comentaristas “de esquerda”. A palavra de ordem é “prisão de Bolsonaro”. Qualquer coisa que se faça em nome desse propósito é – ou se torna – lícita.
Como todos acompanhamos, Bolsonaro recebeu intimação judicial na UTI de um hospital, o que contraria dispositivo legal (Código de Processo Civil, artigo 244, inciso IV):
“Art. 244. Não se fará a citação, salvo para evitar o perecimento do direito: I – de quem estiver participando de ato de culto religioso; II – de cônjuge, de companheiro ou de qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes; III – de noivos, nos 3 (três) primeiros dias seguintes ao casamento; IV – de doente, enquanto grave o seu estado”.
Um comentarista do canal do 247 leu o trecho acima e, em defesa do ministro do STF, deduziu que não se aplicaria a Bolsonaro, pois seu estado de saúde não seria “grave”. Ora, essa foi a mesma interpretação do juiz Moraes, para quem a permanência em uma UTI não seria prova da gravidade do quadro clínico do paciente. Alegou-se, é certo, que Bolsonaro tinha feito uma “live” com os filhos de dentro do quarto. Os familiares entraram para fazer uma visita e usaram um celular para fazer a gravação. O fato é que, por motivos óbvios, a lei não discorre sobre visitas de familiares a paciente hospitalizado, mas discorre sobre momento de entrega de intimação judicial.
Se estivesse em um culto religioso, em um velório ou enterro, ou ainda na lua de mel, também não poderia ser intimado judicialmente. Dos quatro incisos do artigo 244, o mais sério é justamente o IV, que se refere à citação de um paciente hospitalizado. A sanha punitivista, no entanto, é tão grande que nossos amigos da esquerda pequeno-burguesa nem se dão conta disso, tomados que estão pela propaganda da direita “bem-educada”. Nem se dão conta de que aprovam os métodos da direita quando usados contra os próprios inimigos.
De agora em diante, é permitido intimar qualquer pessoa na UTI. Temos jurisprudência criada por Moraes, que certamente, citando a si próprio, poderá intimar quem quer que seja – não só o Bolsonaro – na UTI e, quiçá, no velório, na missa ou na lua de mel. Por enquanto, esse foi o “avanço” obtido com essa ação.
Todos estranhamos a condenação e a prisão do ex-presidente Fernando Collor neste momento, 33 anos após os delitos. É claro que foi mais uma decisão aplaudida. Aos 75 anos, sofrendo de mal de Parkinson e apneia do sono, entre outros problemas, Collor foi levado a um presídio comum de Maceió, onde, segundo a Folha de S. Paulo, os presos já tinham cozinhado as vísceras de um companheiro de infortúnio.
Collor está alojado na sala do diretor do presídio, mas sua defesa apresentou um laudo médico ao STF na esperança de obter autorização para que ele cumprisse a pena em regime de prisão domiciliar. O senhor Alexandre de Moraes pôs em dúvida a palavra do neurologista e exigiu histórico médico, exames anteriores e toda a documentação que comprovasse as idas e vindas de Collor aos médicos e hospitais. Além disso, disse que intimaria o neurologista a depor. Isso é normal, caro leitor? E se fosse com outra pessoa?
Essa é a propalada defesa do Estado Democrático de Direito, cada vez menos democrático, uma vez que encarnado na figura de um juiz – ou de 11 juízes, todos sempre de acordo em tudo. O julgamento de Bolsonaro, à maneira do que fizeram com Lula, que passou 580 dias preso, tem as cartas marcadas. Quando a defesa encontra uma brecha, o tribunal reinterpreta a lei – e assim se defende a democracia.
Infelizmente não é surpresa que uma esquerda que costuma dizer que a cadeia fez bem ao Lula, porque lá ele teve tempo de ler, esteja a regozijar-se com os desmandos dos tribunais.