O artigo A LIT-QI diante da queda de Al-Assad: mais um episódio de sua capitulação no Oriente Médio, publicado no sítio Esquerda Diário, neste 21 de dezembro, apesar de fazer críticas ao PSTU e à sua filiação política, não o faz contundentemente, como o assunto merece. Não basta dizer que o PSTU capitula, ou faz concessões, ou se adapta a determinadas políticas. Essa fase já passou, estamos no momento de questionar quais interesses o PSTU realmente defende, se os da classe trabalhadora, ou do imperialismo.
Existe uma tendência da esquerda atual a se colocar do lado da “democracia”, por isso lemos no início do artigo frases como “o governo reacionário de Al-Assad se tratava de uma ditadura cujos mecanismos bonapartistas se ancoravam na repressão sistemática e na opressão de grupos religiosos e nacionais”. O fato de ser um governo reacionário é irrelevante se considerarmos que se trata da derrubada pelo imperialismo de um governo nacionalista.
Um exemplo clássico dessa posição é sobre os Talibãs. Em vez de apoiar essa força, boa parte da esquerda gastou seu tempo dizendo tratar-se de um grupo reacionário. É verdade, mas o que importa? A ação do imperialismo no Afeganistão foi milhões de vezes mais nefasta do que qualquer grupo fundamentalista. Em 20 anos de ocupação, mais de 90% da população apresentava algum grau de subnutrição. Os direitos das mulheres, que os democratizantes tanto diziam defender, nunca foram tão atacados, uma vez que elas foram jogadas na miséria e, muitas vezes, na prostituição.
Segundo o artigo, o governo Assad caiu porque estava já “fragilizado material e moralmente e após anos dos efeitos das sanções econômicas, fome e destruição do país, com guerra civil e intervenção estrangeira”. Porém, foi muito mais do que isso. Os EUA estavam em uma guerra aberta contra a Síria há pelo menos 11 anos. As mensagens vazadas de Hillary Clinton, então secretária de Estado do governo Obama, mostra que os Estados Unidos estavam trabalhando para derrubar Assad, nem que para isso fosse necessário ameaçar de morte a sua família.
“Guerra inter-imperialista”
Outro erro da análise é tentar entender o que se passa na Síria como o antagonismo entre forças imperialistas. Por isso, afirmam que “a queda de al-Assad não pode ser entendida por fora de um cenário global turbulento, no contexto da crise da ordem mundial sob hegemonia norte-americana. A guerra na Ucrânia exacerbou o militarismo e os choques entre grandes potências”.
Da forma como está dita, pode-se depreender que a Rússia é uma grande potência entrando em choque com outras, como os Estados Unidos e o Reino Unido, mas não é disso que se trata. A Rússia é um país atrasado, apesar de ser uma potência militar, que se viu na obrigação de invadir a Ucrânia para se proteger do avanço do imperialismo.
“Crítica” ao PSTU
O texto aponta que o PSTU assume abertamente posições pró-imperialistas — o que é fato, como mostram as frases citadas:
- “a ditadura de Al-Assad foi derrubada por uma revolução democrática e popular”, e “levante popular no sul do país e na grande Damasco que retomou experiências de auto-organização desde o início da revolução”.
Demonstrando corretamente que a LIT classifica assim os grupos terroristas e mercenários financiados pelo imperialismo. No entanto, quando se diz que “enquanto a LIT comemora a ‘revolução na Síria’ e exalta ‘o compromisso da revolução com as liberdades democráticas’, a realidade é que as forças que derrubaram Al-Assad também são profundamente reacionárias”, existe aqui uma concessão, uma convergência, com o PSTU, que diz exatamente o mesmo sobre o governo Assad. É daí que surge a sua “crítica”. (grifo nosso).
Em cima do muro
A crítica do Esquerda Diário ao PSTU não pode ser de fato contundente porque vacila na defesa intransigente daqueles que estão em luta contra o imperialismo, como vemos no seguinte parágrafo: “Como Fração Trotskista-Quarta Internacional, mantivemos uma posição internacionalista, anti-imperialista e de independência de classe diante dos principais acontecimentos da situação mundial. Repudiamos todas as agressões imperialistas na região, como as sanções ou os ataques realizados por Israel (com aval dos EUA) contra o Irã, Líbano e agora na Síria, alegando um suposto ‘direito à defesa’. Lutamos contra o enclave sionista do Estado de Israel e pela expulsão do imperialismo do Oriente Médio. Mas fazemos isso sem depositar o menor apoio político às burguesias da região nem aos regimes reacionários aliados do Irã, como fazem correntes reformistas e stalinistas”. (grifo nosso).
É preciso lembrar que, no entanto, Trótski caracterizou o governo de Getúlio Vargas como um “bonapartismo sui generis” que atendia parcialmente ao programa do proletariado, como a estatização de setores importantes da economia. Em outras palavras, mesmo um governo reacionário de um país atrasado, quando confrontado com o imperialismo, pode ter um papel revolucionário.
Em sua entrevista a Mateo Fossa em 23 de setembro de 1938, Trótski deixou bem clara qual deve ser a posição dos revolucionários:
“Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto que, amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você de que do conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso eu estaria do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Inglaterra ‘democrática’. Por que? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse ela colocaria um outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês. É preciso não Ter nada na cabeça para reduzir os antagonismos mundiais e os conflitos militares à luta entre o fascismo e a democracia. É preciso saber distinguir os exploradores, os escravagistas e os ladrões por trás de qualquer máscara que eles utilizem!”.
A esquerda deve apoiar abertamente, sem ressalvas, os países atrasados contra o imperialismo. Qualquer coisa diferente disso será uma posição centrista e capituladora.