A esquerda pequeno-burguesa afundou-se de vez em sua política de defesa da ditadura do STF. A cada novo episódio, surge um posicionamento que apoia os crimes e arbitrariedades do órgão máximo do Judiciário.
A ideia absurda de que se está lutando contra o bolsonarismo serve como pretexto para justificar abusos que, na prática, abrem caminho para que o Poder Judiciário sirva como a ferramenta do imperialismo para controlar todo o poder político do país.
A recente ação protocolada pelo Congresso, que visa sustar o processo penal contra o deputado Delegado Ramagem (PL) — e que pode eventualmente beneficiar também Jair Bolsonaro —, gerou reações negativas do setor da esquerda alinhado ao STF, liderado por Alexandre de Moraes.
É o caso de Wilton Gomes, articulista do site Brasil 247, que publicou a coluna intitulada “‘1, 2, 3, salve todos’: a brincadeira ardilosa da Câmara dos Deputados”. Nela, Gomes tenta enquadrar a iniciativa do Congresso como um ato “ardiloso”. Segundo ele, o texto aprovado seria “genérico, ajurídico, feito para beneficiar não só Ramagem, mas também o ex-presidente Bolsonaro”, e, por isso, digno de denúncia. Em outras palavras, todo um setor da esquerda vem se convertendo numa instituição que depende da perseguição e das prisões para fazer a sua luta política.
No entanto, não há nada de ardiloso na ação do Congresso. Trata-se de um mecanismo previsto em lei e perfeitamente aplicável aos casos mencionados. Gomes cita ainda o ministro Cristiano Zanin — que tem atuado como porta-voz informal de Alexandre de Moraes —, segundo o qual a suspensão de processo só se aplicaria a crimes como dano ao patrimônio e deterioração de bem tombado. Para os demais crimes — como associação criminosa armada, golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito —, segundo Zanin, não se aplicaria a suspensão, pois teriam ocorrido antes da diplomação. E, segundo ele, não adiantaria o Congresso “arvorar-se em juiz togado” para alegar que se tratam de crimes continuados, já que essa competência é exclusiva do Judiciário. “E ponto.”
Esse argumento escancara o desejo de concentrar poder absoluto nas mãos do Judiciário, como se os juízes fossem donos do país e os parlamentares tivessem apenas que obedecer calados. A frase “só o Judiciário decide, e ponto” ignora que vivemos, ao menos formalmente, numa democracia, onde o Parlamento deveria ser um poder com capacidade de legislar e de atuar.
É importante lembrar que um deputado possui legitimidade conferida pelo voto popular — ao contrário de ministros do STF, que ocupam cargos vitalícios, sem jamais terem sido submetidos à votação popular. Os parlamentares têm não apenas o direito, mas o dever de questionar decisões judiciais, sobretudo quando se tratam de perseguições políticas disfarçadas de julgamento. Defender o STF como poder absoluto é, na prática, defender uma ditadura judicial — hoje dirigida pelo imperialismo, por meio de seus representantes togados.
Mais adiante, o articulista expressa sua torcida para que o STF declare inconstitucional a suspensão aprovada pelo Congresso, citando a Súmula 245, que determina que a imunidade parlamentar não se estende a corréus sem essa prerrogativa. No entanto, essa discussão é ociosa: não há crime concreto que se possa imputar a Ramagem ou Bolsonaro. A acusação de “golpe de Estado” é evidentemente política e falsa — não houve golpe algum no Brasil naquele período. O que há é uma história inventada para justificar uma perseguição política.
É profundamente problemático que boa parte da esquerda tenha abandonado alguma postura antipunitivista ou crítica da sanha persecutória do Judiciário e, agora, defenda abertamente a prisão de seus inimigos políticos, não por convicção jurídica, mas por incapacidade de enfrentá-los no campo político. No texto de Wilton Gomes, qualquer tentativa do Parlamento de “interferir” nas decisões do Judiciário é tratada como inconstitucional e até “infantil”, sendo comparada à brincadeira do “esconde-esconde”, em que o último a se salvar salvaria todos os demais.
A metáfora é infeliz, mas revela o caráter farsesco de todo esse processo promovido pelo STF contra os bolsonaristas: trata-se de um jogo de “pega-pega”, uma caçada, e não de um julgamento democrático, em que se apresentam provas e argumentos. O juiz, nesse caso, não julga: ele persegue. E isso, por definição, é ditadura.