Jeferson Miola, articulista do Brasil 247, publicou um texto em 14 de abril intitulado Os votos absurdos de Nunes Marques e André Mendonça para absolver criminosos do 8 de janeiro. No olho do artigo, afirma-se que “com seus votos, eles se assumiram como uma facção bolsonarista na Suprema Corte do país”. De fato, os ministros são indicações de Jair Bolsonaro; no entanto, o que dizer de quem foi indicado pelo golpista Michel Temer? Este, para piorar, não ficou apenas em uma suposta tentativa: deu um golpe de verdade, “com Supremo, com tudo”.
A ditadura no Brasil está tão escancarada que até ministros bolsonaristas parecem verdadeiros democratas. Ao contrário do que diz Miola, os votos não foram nada absurdos.
Como escreveu o articulista: “nos seus votos, os dois ministros do STF nomeados por Bolsonaro sustentaram, em resumo, que: [1] o STF não é a instância legítima para o julgamento, [2] não existem provas para a condenação, [3] não há provas de que os réus participaram da organização criminosa e que [4] não houve tentativa de golpe de Estado”.
- Todas as alegações estão corretas. O STF não é a instância legítima — o absurdo é que a esquerda, como qualquer órgão da imprensa capitalista, considera isso aceitável;
- Não existem provas para a condenação. As pessoas estão sendo julgadas por um crime coletivo; seria necessário individualizar, provar o que cada pessoa fez para então absolver ou aplicar pena justa;
- Não há qualquer prova de que os réus tenham participado de organização criminosa. Participar de acampamento não é crime;
- Não houve tentativa de golpe. Os manifestantes invadiram prédios públicos e, no máximo, impuseram danos a patrimônio público. Não estavam armados e os vídeos comprovam isso.
Para Jeferson Miola, “chama muito a atenção este posicionamento dos dois ministros bolsonaristas, pois o ministro-relator Alexandre de Moraes propôs uma condenação branda dos réus, pelos tipos penais de incitação ao crime e de associação criminosa”. O que Miola prefere não comentar é que o ministro-relator foi indicado por Michel Temer e votou pela prisão de Lula — sem provas. O ministro também está conduzindo os inquéritos e figura como vítima no caso. Não poderia, nunca — não em uma democracia — julgar o caso.
Alexandre de Moraes condenou uma cabeleireira, Débora Rodrigues dos Santos, a 14 anos de prisão por passar batom em uma estátua que foi lavada com jato d’água. O que Jeferson Miola considera “penas brandas”? Débora já cumpriu dois anos em prisão temporária, mesmo tendo filhos menores — um completo desrespeito às leis e aos direitos das mulheres. De agora em diante, qualquer mulher poderá ser presa e passar anos na cadeia sem ter sido condenada, mesmo tendo filhos pequenos. É isso que a esquerda “democrática” apoia.
Segundo o articulista, “os votos deles são simplórios, de um padrão teórico-intelectual sofrível e recheados com clichês jurídicos. Nem a inteligência artificial faria pior”. Simplórios em quê? Nem uma inteligência artificial passaria por cima da Constituição, como têm feito os paladinos da justiça do STF.
Defensor da PGR
Miola afirma que “numa atitude ofensiva à decisão colegiada já consolidada do STF e amplamente defendida pelo mundo jurídico, Nunes Marques alegou ‘a incompetência absoluta do Supremo para processar e julgar o feito’”. Por que um ministro deveria seguir uma decisão já colegiada? Na época do julgamento do mensalão e da Lava Jato, não faltaram “juristas” corroborando toda sorte de arbitrariedades. E, repetindo: há uma incompetência absoluta do STF para processar e julgar. Só em uma ditadura ferrenha isso seria possível, mas a esquerda, absurdamente, está apoiando.
O articulista descreve que “desprezando o trabalho técnico primoroso da PGR, Nunes Marques afirmou que a denúncia ‘limita-se a discorrer sobre a gravidade abstrata dos delitos investigados e a apresentar imagens do acampamento e das atividades lá realizadas na tentativa de evidenciar certa organização e estabilidade nas supostas condutas criminosas’”. Mas é verdade: a gravidade é abstrata, e o uso da questão do acampamento é uma fraude.
Com relação ao “trabalho técnico primoroso da PGR”, é preciso lembrar que quem está à frente do órgão é ninguém menos que o lava-jatista Paulo Gonet, que, em 2016, representou a Procuradoria-Geral da República na segunda turma do STF e apoiou acusações contra políticos como Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, vinculados à Lava Jato.
Para Nunes Marques, segundo escreve Miola, “não existe ‘qualquer elemento que estabeleça uma conexão mínima entre os fatos narrados e eventuais condutas’ dos réus” e que “a única alegação específica contra a parte é de que ela permaneceu acampada até o dia 9 de janeiro de 2023, em frente ao Quartel-General do Exército”.
Essas alegações são razoáveis, não importa se vindas de um bolsonarista. O que Miola faz, como também fazem o STF e a imprensa capitalista, é criar um clima de pânico; por isso, usa termos como “ninho de golpistas” etc.
O colunista ainda ressalta que Nunes Marques afirmou: “em suma, para além da variedade das pautas defendidas no exercício do direito de livre manifestação, inúmeras pessoas limitaram-se a pernoitar no acampamento entre 8 e 9 de janeiro de 2023. Muitas delas ali permaneceram somente no curto período do fim de semana de 7 a 9 de janeiro. Havia significativa rotatividade do público naquele ambiente aberto, sendo plausível cogitar que diversos manifestantes tenham chegado às vésperas dos eventos de 8 de janeiro, enquanto outros tenham partido de lá antes”.
A Constituição garante o direito à livre manifestação — direito que essa esquerda parece não apoiar. A rotatividade de pessoas no acampamento, entre outros fatores, fundamenta a necessidade de julgamentos individuais. É, finalmente, um ataque ao regime democrático julgar as pessoas coletivamente.
Como está no artigo, Mendonça sustentou que “não basta ‘a conclusão genérica de que, por estarem juntos em um local, todos ali tinham os mesmos desejos e intenções’. E ‘o fato de os acampamentos em frente aos quartéis do Exército terem funcionado por meses Brasil afora, com faixas de intervenção militar e a presença de indivíduos mais exaltados e radicais, não retira a heterogeneidade do grupo e a possibilidade de diversidade de intenções’”.
Não é preciso ser do “mundo jurídico” para entender que as alegações de Nunes Marques e André Mendonça são coerentes.
Jeferson Miola diz que “os votos de Nunes Marques e André Mendonça são totalmente absurdos, e demarcam uma distância abismal em relação aos demais integrantes do STF”. Não, absurdo é quem se diz de esquerda defender uma instituição golpista e reacionária como o Supremo.
Miola representa o pensamento de um setor da esquerda pequeno-burguesa que, iludido pelo medo do bolsonarismo, acabou aderindo a uma política ainda mais autoritária. Ao defender um STF supostamente “técnico”, sua posição ajuda a legitimar a repressão empreendida pelo órgão, representante do setor mais poderoso da burguesia mundial, apoiando assim o cerceamento das liberdades e o avanço de medidas de exceção.
A história mostra que esse tipo de aliança é desastrosa: foi assim em 1964, quando os “democratas” defenderam os militares a tomar o poder. Assim é hoje, quando o STF substituiu as Forças Armadas como órgão centralizador de uma ditadura, um regime arbitrário sem qualquer controle popular ou institucional.
No fim, o que está em jogo não é a defesa da Constituição, mas o controle do regime. Quem está no controle, neste momento, é justamente o setor que se apresenta como democrático e técnico.
Um setor que hoje precisa disciplinar as burguesias domésticas, representadas pela extrema direita, mas que tem na esquerda o verdadeiro inimigo a ser controlado. Apoiar o imperialismo é alimentar um monstro que fatalmente atacará os trabalhadores. Com o apoio de Miola e da esquerda pequeno-burguesa, uma orientação desencontrada da realidade que deve ser criticada, para não ser seguida, o que seria um suicídio.