Mensagens obtidas pela Polícia Federal colocaram o deputado federal Afonso Motta (PDT-RS) no centro de uma investigação sobre desvio de emendas parlamentares. As conversas mostram o lobista Cliver Fiegenbaum e Lino da Silva, assessor do parlamentar, negociando o recebimento de propina em troca da indicação de emendas para um hospital de Santa Cruz do Sul.
Os diálogos embasaram a operação da PF deflagrada nesta quinta-feira com aval do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal. “Há fortes indícios de que o direcionamento de recursos para o hospital não objetivou atender ao interesse público, mas sim a interesses espúrios dos articuladores envolvidos”, afirmou a corporação no relatório enviado à Corte.
Fiegenbaum e Lino da Silva foram alvos de mandados de busca e apreensão. O valor combinado teria sido de 6% sobre a verba enviada ao Hospital Ana Nery – nos últimos dois anos, Motta apadrinhou emendas que somam 1 milhão de reais, nos anos de 2023 e 2024.
O negócio está registrado em um documento. A unidade de saúde fechou contrato com a CAF Representação e Intermediação de Negócios, empresa do lobista, para “captação de recursos através de indicação de emendas parlamentares”. O hospital repassou pelo menos 509 mil de reais à companhia ligada a Fiegenbaum.
A PF ainda investiga se a “comissão” envolve emendas de outros deputados. “O Contratado receberá 6% (seis por cento) sobre o valor por ele comprovadamente captado, que serão pagos em ate 30 dias após o recebimento do valor pela Contratante, através de deposito bancário em conta jurídica”, diz o documento em que o acerto foi registrado.
Fiegenbaum é diretor administrativo e financeiro da Metroplan , a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do RS. Ele e o assessor de Motta foram afastados de suas funções públicas por ordem do STF.
No caso de Lino da Silva, Dino argumentou que “há indícios de envolvimento com atos de corrupção […] o que demonstra o justo receio da utilização do cargo público para a prática de infrações penais”. O vice-procurador-geral Hindemburgo Chateaubriand foi a favor do afastamento para evitar que o assessor continuaria “valendo-se do cargo para facilitar o esquema ilícito”.
O magistrado também mandou bloquear valores de contas de pessoas físicas e jurídicas. “No que se refere ao bloqueio de bens, e evidente o prejuízo ao erário e a necessidade de preservar o patrimônio público, pois há risco de que recursos desviados sejam dissipados”.
Ao autorizar a operação, ele afirmou que as provas reunidas até o momento pela PF demonstram a participação dos investigados para o “sucesso da destinação de emendas parlamentares para o Hospital Ana Nery e a consequente apropriação por particulares de parte desses recursos”. Motta não foi alvo da operação desta quinta.
Por meio de nota, a assessoria do PDT afirmou que o deputado sustenta que nem ele nem o gabinete foram alvos da PF. O parlamentar disse ainda que foi surpreendido e está buscando acesso aos autos para se posicionar.
Em um dos diálogos interceptados, o lobista solicitou ao assessor do parlamentar gaúcho um cargo comissionado para a sua esposa na Câmara dos Deputados e prometeu que, em troca, ela devolveria parte do seu salário. Essa prática é conhecida na política como ‘rachadinha’ e está prevista no Código Penal com pena de até 12 anos de prisão.
A conversa ocorreu em março do ano passado. Fiegenbaum afirma que sua esposa trabalha no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, mas que gostaria que ela fosse para Brasília.
Sugere, então, que ela fosse nomeada em um gabinete, como secretária parlamentar, para trabalhar “dois dias” por semana e afirma que ela devolveria metade da remuneração adicional, já que também continuaria ganhando o salário do TRT.
“Deixa eu te perguntar, não está com uma SP sobrando e ela faz uns dois dias aí no gabinete, ela trabalha mesmo, ela tem formação, tem dois mestrados, só que ela está fazendo Direito (..) e ela quer da um pau nessa faculdade de Direito. E ela te devolve metade dessa SP, metade do dinheiro retorna integral para vocês”, diz o lobista.
A resposta inicial de Lino da Silva foi excluída no aplicativo de mensagens. Em seguida, ele afirma que os dois conversariam no dia seguinte sobre “como funciona” questões como essa. “Amanhã nós conversamos e te explico como é que funciona bem essas questões aí, tá? Mas amanhã eu falo pessoalmente contigo. Nós conversamos sobre essa questão”.
Leia a decisão que embasou a operação desta quinta: