Esporte como bastião de resistência a Donald Trump
por Gianluca Florenzano
Os Estados Unidos, mais uma vez, protagonizaram um dos momentos mais catastróficos da história da política mundial. Após um governo desastroso, marcado por uma má gestão durante a pandemia da COVID-19 e por uma tentativa frustrada de golpe, o republicano Donald Trump — por incrível que pareça — assume pela segunda vez o comando da Casa Branca.
Sob os slogans “Make America Great Again” (“Faça a América Grande de Novo”) e “America First” (América Em Primeiro Lugar”), Trump despertou e, hoje, manipula os sentimentos mais sombrios de uma parcela significativa da população estadunidense.
Em seu discurso de posse, por exemplo, carregado de frases de efeito e de uma retórica bélica, divisiva e excludente, o republicano prometeu “salvar” os Estados Unidos e devolvê-lo aos “verdadeiros estadunidenses”. Para isso, atacou ferozmente as minorias sociais, sobretudo os imigrantes — que ele acusa falsamente de ameaçarem a estabilidade do país — e a comunidade LGBTQIA+, declarando, de forma autoritária, que a partir de agora os Estados Unidos reconheceriam apenas dois gêneros: masculino e feminino.
Trump, infelizmente, não se limitou às palavras. Logo em seu primeiro dia como presidente, ele assinou uma série de decretos, entre eles, a retirada do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tais medidas reforçam o que será sua linha de governo: uma administração negacionista, especialmente em relação à mudança climática, e isolacionista, indiferente à cooperação global.
Sem dúvidas, as ações do atual mandatário dos Estados Unidos colocam o mundo em um futuro ainda mais incerto. E, pior. Inspira figuras autoritárias de extrema-direita, como Giorgia Meloni, na Itália; Marine Le Pen, na França; e o movimento Brexit, no Reino Unido, a amplificarem suas plataformas excludentes e ultraconservadoras às custas de direitos humanos e da democracia.
Entretanto, importante ressaltar, foi justamente sob o primeiro mandato do republicano que movimentos de resistência à extrema-direita ganharam força. Em 2020, por exemplo, durante o auge da pandemia e após o assassinato de George Floyd, as ruas dos Estados Unidos foram tomadas por manifestações antirracistas, lideradas pelo movimento Black Lives Matter, que clamavam pelo fim da violência policial e do racismo sistêmico.
Esses protestos rapidamente alçaram voo e conquistaram outras partes do planeta, sobretudo na Europa, demonstrando que a luta por justiça racial e social é capaz de transcender fronteiras, culturas e idiomas.
A resistência contra a agenda reacionária de Trump, contudo, não veio apenas das ruas. Longe disso, o esporte também se mostrou uma poderosa ferramenta de mobilização social.
Em 2016, no início do primeiro mandato presidencial do republicano, o ex-atleta de futebol americano e hoje ativista, Colin Kaepernick, começou o movimento de se ajoelhar durante o hino nacional estadunidense como forma de protesto contra a violência policial e o racismo.
Esse gesto simbólico foi retomado anos depois, mais precisamente em 2020, ganhando ainda mais força e sendo replicado em outras modalidades esportivas, principalmente no basquete.
Kaepernick, todavia, não era o único. LeBron James no basquete e Megan Rapinoe no futebol feminino também se destacaram pelos seus posicionamentos contundentes e pela maneira como enfrentaram de peito aberto a agenda reacionária do Partido Republicano.
LeBron, por exemplo, usou sua visibilidade e fundou o grupo More Than a Vote (Mais do que um Voto) que tem como objetivo conscientizar a comunidade afro-estadunidense, especialmente os jovens, da importância de ir às urnas.
Já Rapinoe, em diversas oportunidades, confrontou a administração trumpista, defendendo a igualdade de gênero e os direitos da comunidade LGBTQIA+, da qual faz parte.
Os gestos de resistência no esporte não se limitaram a ações individuais. Na NBA (Liga Nacional de Basquete Masculino dos Estados Unidos) e WNBA (Liga Nacional de Basquete Feminino dos Estados Unidos), atletas chegaram a interromper o andamento da temporada de 2020 em solidariedade às vítimas da violência policial, enviando uma clara mensagem, tanto para as autoridades como para a população, de que o esporte não ficaria alheio às lutas sociais.
Duas jogadoras, aliás, Renne Danielle Montgomery (então do time de basquete feminino Atlanta Dream) e Natasha Cloud (então do Washington Mystics), em nome da causa negra e demonstrando que se entregaram de corpo e alma na luta contra o preconceito racial, propuseram-se a fazer um dos maiores sacrifícios de suas vidas e carreiras profissionais. Elas não apenas aderiram à paralisação da temporada como também se recusaram a voltar a jogar basquete para continuar marchando pelas ruas ao lado dos manifestantes para protestar por igualdade racial.
Atletas, portanto, independentemente da categoria esportiva, desempenham um papel crucial na luta contra o avanço da extrema-direita. Quando jogadores se posicionam contra injustiças sociais, suas vozes têm a capacidade de ir além das quadras, campos e arenas, reverberando e influenciando milhares de pessoas a se engajarem por determinada causa.
E, agora mais do que nunca, é essencial que os atletas voltem a usar sua visibilidade e poder de influência para mobilizar a população, ou ao menos a parte progressista, para combater as políticas discriminatórias e de opressão articuladas pelo atual presidente dos Estados Unidos.
Em palavras mais claras, em tempos de ascensão do fascismo, personificada na figura de Donald Trump, o esporte precisa novamente se colocar como um bastião de resistência.
Por fim, embora a extrema-direita tenha vencido mais uma batalha eleitoral, ou seja, a última eleição presidencial estadunidense, eles estão longe de conquistar o coração e a mente da maioria das pessoas.
Além disso, a história recente comprova que a resistência é possível e necessária. Movimentos sociais, ativistas e atletas já demonstraram ser capazes de unir forças para impedir o avanço de políticas retrógradas e ultraconservadoras.
Mais uma vez, nós do campo democrático e progressista, devemos juntar as nossas forças para combater o fascismo e evitar retrocessos. A luta será árdua e contínua. Mas, jamais desistiremos. Seremos resistência até o fim. E o esporte será um dos nossos grandes aliados.
Gianluca Florenzano – Escritor, cientista social e jornalista. Autor do livro “O jogo das ruas: movimento de atletas contra o racismo”.
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