Faixa-preta em aikidô, ex-escrivão da Polícia Civil do Rio Grande do Sul e vocalista de uma banda de rock chamada Calibre. Uma avaliação superficial do currículo de Leonel Radde antes de sua entrada na política poderia facilmente levar à equivocada conclusão de que o porto-alegrense seria um cidadão conservador, talvez até um bolsominion. Ledo engano. Filho de uma bancária sindicalista e de um dramaturgo brizolista censurado pela ditadura, o deputado estadual pelo PT – partido que sua mãe ajudou a fundar na capital gaúcha – sempre teve convicções progressistas. Não por acaso fez fama nas redes sociais como um “policial antifascista”, radicalmente contrário ao reacionarismo de muitos colegas de corporação. “Cresci em um mundo onde a política sempre esteve presente. Meu nome é uma homenagem a Leonel Brizola”, conta, com o orgulho de quem ostenta a alcunha de um democrata que “jamais levava desaforo para casa”.

Bacharel em Direito, licenciado em História, mestre em Direitos Humanos, especialista em História Contemporânea e, atualmente, graduando em Ciências Econômicas, Radde iniciou sua vida profissional como ator. Durante dez anos, apresentou-se em teatros, participou de filmes e gravou comerciais de televisão. “Devo muito à arte e à cultura, que asseguraram o sustento da minha família. Com essa experiência, aprendi a decorar textos e formular respostas concisas e objetivas, ferramentas que me serviram tanto na vida profissional quanto agora, na política.” Não é exagero retórico. O deputado realmente usa a verve artística para enfrentar adversários políticos, dos bolsonaristas aos liberaloides do MBL.

O embate com a turma teve início em 2018, durante a disputa presidencial. Radde,­ já filiado ao PT, havia sido candidato a vereador dois anos antes, sem sucesso. Naquele período, integrantes do Movimento Brasil Livre passaram a invadir espaços da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – como diretórios acadêmicos, debates feministas e até o gabinete da então deputada estadual Manuela D’Ávila – sempre de forma agressiva e uniformizados com camisetas do então candidato Jair Bolsonaro. Inconformado, o então policial confrontou um dos líderes do MBL no Parcão, em Porto Alegre. A discussão foi registrada em vídeo e viralizou na internet, dando a Radde notoriedade instantânea.

“Na internet existe um vídeo que mostra esse confronto. Depois disso, eles pararam de agir e só voltaram em 2022, novamente no contexto eleitoral. Minha rea­ção foi de repúdio à forma covarde como agiam, constrangendo as pessoas com câmeras na mão”, diz. Após o episódio, Radde ganhou uma legião de seguidores nas redes sociais e conseguiu eleger-se vereador na capital, em 2020, e deputado estadual dois anos depois. Denunciar as falcatruas retóricas do MBL tornou-se parte do seu métier.

O enfrentamento ao bolsonarismo e suas ramificações não se limita à atuação parlamentar, passa por todas as esferas do debate público, afirma Radde. Ele rejeita a divisão maniqueísta entre os espaços real e digital. “As redes sociais só funcionam quando conseguimos nos conectar com indivíduos no mundo real, e vice-versa. As mensagens não atingem seus objetivos se não houver um contato pessoal”, avalia. Por isso, insiste, considera uma armadilha restringir a ação política a um espaço ou outro. “A militância nas redes não substitui as ruas, o diálogo olho no olho.”

Uma das maiores dificuldades do campo progressista, avalia Radde, é atualizar a linguagem: deixar o academicismo de lado e se comunicar de forma mais direta e objetiva, tanto nas redes quanto nas ruas. “Eu utilizo, por exemplo, o humor, a sátira, ou alguma palavra ou situação mais contundente que cause repercussão. Não, necessariamente, faço um discurso formal. Às vezes, precisamos causar impacto”, afirma. Uma de suas marcas registradas, por exemplo, é desfilar com uma camiseta preta com a palavra “Antifascismo” estampada no peito.

“O que tu faz às 4 horas da tarde aqui, vagabundo?”, disse em um dos seus famosos “enquadros”

O MBL, explica Radde, sempre busca surpreender os adversários com comentários e perguntas ofensivas, diante de câmeras ligadas. Se os alvos perdem as estribeiras – como aconteceu com o deputado federal Glauber Braga, que enxotou a pontapés um provocador após um ataque à honra de sua mãe –, os integrantes do grupo rapidamente posam de vítimas. Por outro lado, se os alvos simplesmente se recusam a responder às provocações, acabam desmoralizados nas redes, por meio de edições maliciosas dos vídeos, que ocultam as abordagens agressivas.

“Como entendi essa estratégia, decidi dobrar o espelho”, diz. Ou seja, Radde­ não parte para a agressão física nem se cala. Em vez disso, devolve a tática, mirando os próprios provocadores. Um exemplo didático: quando um “pagador de impostos” se aproximou com a câmera ligada na porta da Assembleia Legislativa, no fim do ano passado, o deputado não se fez de rogado: “O que tu faz às 4 horas da tarde aqui, vagabundo?” O rapaz tentou argumentar que estava de “férias”, mas o deputado não recuou: “Trabalha onde? Trabalha onde? Vaza, vagabundo!” E, de fato, ele deu no pé, sem esclarecer sua profissão.

Embora acredite que o movimento já tenha tido mais influência no passado, Radde reconhece que muitos ainda permanecem presos a uma bolha de extremismo nas redes. Um fenômeno preocupante, que por vezes deságua em ataques misóginos, racistas e de intolerância política. “O MBL ainda é um dos maiores vetores desse discurso radicalizado que corrói a política, ao fazer da violência e da mentira sua pauta principal, sobretudo entre os jovens. Precisamos estar sempre atentos.”

Radde, que durante sua passagem pela Polícia Civil também se dedicou ao combate a células neonazistas que planejavam ataques a escolas, é frequentemente alvo de ameaças. “É muito comum receber ataques coordenados. Ontem mesmo recebi na minha caixa de mensagens intimidações contra minha esposa, que está grávida. Já recebi e-mails com amea­ças de morte, e minha filha também foi alvo de insultos envolvendo estupro e morte pelo WhatsApp.”

O Congresso Nacional, avalia o parlamentar gaúcho, ainda está em débito na luta contra o fascismo. Será preciso, segundo ele, aperfeiçoar as leis contra o extremismo e o discurso de ódio. “O que se discute é uma espécie de liberdade de expressão absoluta, que caminha na contramão das medidas necessárias para combater grupos de intolerância, que levam à morte de pessoas.” Radde acredita que 2026 será um divisor de águas para a política brasileira. “Para preservar a democracia, será preciso fecharmos a tampa do bueiro e fazermos o rescaldo dessa extrema-direita fascista – enfraquecer suas ações e assumir o controle da situação.” •

Publicado na edição n° 1367 de CartaCapital, em 25 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Espelho dobrado’

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Last Update: 18/06/2025