Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou que o governo federal irá receber contribuições da sociedade civil, de outros poderes e setores para alterar a Constituição Federal a fim de ampliar as atribuições da União na segurança pública, hoje de competência estadual.

Uma das propostas é a inclusão do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) na Constituição, além de atualizar questões complexas e atuais, como crimes transnacionais e acordos internacionais em áreas como a lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas e criptomoedas. 

Para indicar alternativas para melhorar a segurança pública em todo o país, o programa TVGGN Justiça da última sexta-feira (9) contou com a participação de dois renomados especialistas sobre o assunto: Paulo Roberto, doutor em ciências sociais, mestre em Direitos Humanos e especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, e Carlos Alberto, doutor em antropologia.

Paulo Roberto acredita que um dos grandes dilemas de democracia do país está justamente no campo da segurança pública, especialmente por conta da tendência em se pensar apenas na atividade policial, que é uma parte do conceito de segurança. O doutor em ciências sociais acrescenta que a segurança pública é também um direito humano. 

“É pensar também que a segurança pública faz parte de um sistema maior, que a gente chama de sistema de Justiça Criminal, que envolve Ministério Público, o Poder Judiciário, o sistema prisional”, comenta Paulo Roberto.

Ele lembra ainda que a transição do regime ditatorial para o democrático foi extremamente negociado, criando algumas instâncias com excesso de autonomia, como os órgãos de segurança pública. 

“Geralmente os governos estaduais não conseguem governar as próprias polícias.

E aqui, talvez, já tenha um dos primeiros dilemas para a gente colocar nesse debate. Se muitas das vezes as polícias, principalmente as polícias militares, afrontam o próprio governador do Estado, que às vezes se torna refém dessas forças policiais, como que a gente vai conseguir integrar e ter um sistema único?”, questiona o especialista.

Uma das principais inspirações para que o Planalto crie um modelo unificado de segurança vem do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas para Paulo Roberto, a proposta se torna impensável para a segurança, uma vez que o SUS foi construído desde a base por profissionais da saúde que pensavam políticas para a área de forma universal e com controle social – contexto que não se repete na segurança.

Política

Para Carlos Alberto, a questão vai além da limitação tecnológica e técnica, até porque a Justiça Eleitoral conseguiu criar uma base digital inegavelmente confiável para que tenhamos o resultado de eleições em questão de horas. 

“A Justiça monta esse sistema, que é centralizado, que é dar o resultado rapidinho, etc, a mesma Justiça, as mesmas pessoas e os mesmos técnicos não montam isso para a justiça comum. Por que eles são eficientistas de um lado e não são do outro?”, questiona o doutor em antropologia.

Para o convidado, o problema das polícias é político e está ligado à criação da própria instituição. A polícia foi fundada em 1871, o mesmo ano em que foi proclamada a Lei do Ventre Livre. E este sistema de justiça criminal, além de autônomo, sempre esteve ligado à segurança das elites.

“É de uma polícia do Estado para controlar a sociedade. A polícia brasileira nasce de uma monarquia absoluta, que mudou para cá e trouxe as suas instituições, inclusive a Guarda Real. Essa Guarda Real foi reproduzida várias vezes, de vários nomes. É só ler a história disso, que é muito interessante, mas sempre como um mecanismo, um instrumento de controle, nunca como um instrumento de apaziguamento, administração de conflitos entre indivíduos, cidadãos iguais mesmo, porque nós estávamos no império. Passou para a República, não mudou nada.” 

A autonomia das polícias incomodou também a ditadura, que tentou controlá-la, tanto que a primeira coisa que fizeram foi criar a Inspetoria das Polícias Militares, limitar o armamento e interferir na formação dos policiais. “Então, isso mostra que esse é um assunto, vamos dizer assim, longo, né? É que tem, se estende no tempo e que não foi só essa questão da transição da ditadura para a democracia. Nos anos 1980, que falhou, vamos dizer assim, em determinar um modelo que fosse um modelo mais, vamos dizer, mais compreensivo do ponto de vista dos valores democráticos.”

Ainda sobre uma eventual falta de recursos tecnológicos, tese refutada por Carlos Alberto, o governador carioca Anthony Garotinho investiu em tecnologia, a partir do programa Delegacia Legal, em que modernizou as delegacias e os meios de investigação, mas os resultados da polícia continuaram os mesmos. 

Confira o debate completo no canal da TVGGN ou no link abaixo:

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Última Atualização: 12/08/2024