A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado debateu nesta terça-feira (19/8), por iniciativa do senador Fabiano Contarato (PT-ES), os impactos e riscos da exportação de animais vivos por via marítima.
Entre os temas foram abordados o sofrimento animal durante o transporte marítimo, riscos ambientais e à segurança marítima e portuária representados pelos navios transportadores, poluição do ar e das águas, exposição ao desmatamento e outros problemas socioambientais associados à exportação.
Presidente do colegiado, o senador Fabiano Contarato destacou a importância do tema ao apontar que a prática viola a Constituição, além de colocar em risco a fauna e flora do país e, em muitos casos, submeter esses animais a práticas cruéis.
“Esse assunto, para mim, é muito caro. Sabemos que o transporte de animais vivos pelo sistema marítimo viola dispositivos, tanto da nossa Constituição, quando incumbe ao poder público proteger a fauna, a flora, sendo vedadas as práticas que colocam em risco sua função ecológica, provoca a extinção de espécies ou submeta os animais à crueldade”, disse.
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A diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vania Plaza Nunes, explicou que, no caso dos bovinos, os animais são retirados do pasto, passam por viagens terrestres e, ao chegarem ao porto, passam por viagens que levam entre 15 e 30 dias até chegar ao destino final.
“No início do ano passado tivemos um acidente bem grave na chegada a São Sebastião (SP), onde muitos animais morreram e outros tantos ficaram perdidos na mata porque não existia estrutura para fazer o resgate desses animais. Existe uma série de problemas para que esses animais que nunca fizeram viagens desse tamanho”, explicou.
Além disso, a especialista afirmou existirem poucos dados sobre o que acontece durante as viagens desses animais nos navios pela falta de acesso aos relatórios e a ausência de um protocolo que defina o método a ser utilizado nessas viagens.
“Vale a gente pensar se estamos fazendo a coisa certa em relação a tudo isso. É claro e injustificável o que o conjunto de práticas de maus-tratos, ausência de ética e respeito para seres sencientes com animais de alta capacidade cognitiva. A gente tem claros descumprimentos legais que traz um conjunto que qualifica as atividades como evidentes maus-tratos cometidos contra seres vulneráveis. E não podemos aceitar que isso continue ocorrendo em nosso país”, alertou Vania.
A ausência de dados também foi destacada pela diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Vanessa Negrini.
“A exportação de gado vivo é um comércio global marcado pela invisibilidade que ocorre nos porões dos navios, onde as comissões de direitos animais não tem acesso. É um comércio global invisível sustentado por contradições éticas, religiosas, políticas e econômicas”, elencou.
Navios antigos aumentam risco de acidentes
O diretor de relações governamentais e políticas públicas da Mercy For Animals no Brasil, George Sturaro alertou que os navios utilizados para o transporte de animais vivos em viagens de longa distância depende de navios que, em sua maioria, são antigos, apresentam baixíssimo padrão de manutenção e não foram projetados originalmente para essa finalidade.
Levantamento da Mercy For Animals sobre o perfil de 44 navios que embarcaram animais vivos entre janeiro de 2015 e setembro de 2021 revelou que a idade média da frota era de 39 anos.
“Idade em que navios mercantes são descomissionados e vendidos para sucateamento. A análise também revelou que 85% das embarcações que operaram em portos brasileiros nesse período foram convertidas. Trata-se de navios produzidos originalmente para transportar contêineres, veículos ou carga geral e que foram adaptados para transportar animais vivos”, disse, ao explicar que esse tipo de embarcação tem menor estabilidade.
Ele ainda citou estudo produzido pela seguradora Allianz com a Organização Marítima Internacional que revela a precariedade da frota que faz o transporte de animais ao redor do mundo. De acordo com o levantamento feito em 2020, e publicado pelo The Guardian, a probabilidade de um navio transportador de animais vivos protagonizar um acidente marítimo é duas vezes maior do que qualquer outro tipo de navio mercante.
Impacto econômico
A professora da Universidade do Estado do Mato Grosso, Maira Luiza Spanholi apresentou uma série de cenários e possibilidades que poderiam ocorrer caso o Brasil proibisse a exportação de bovinos vivos. Além disso, ela usou o caso da Índia como exemplo, que proibiu esse tipo de exportação em 2018.
A partir dessa proibição, o país aumentou a exportação de carne bovina refrigerada alcançando US$ 760 milhões. Em 2021, o país ultrapassou o Brasil e se tornou o maior exportador de carne bovina refrigerada para o Oriente Médio e Norte da África. Já em 2022, as exportações indianas chegaram a US$ 1,5 bilhão. Quase o dobro de 2018.
“Se a gente processar a carne internamente, consequentemente vamos gerar mais valor e empregos do que exportar os bois vivos. Exportaremos um produto de maior valor agregado, não matéria-prima. Assim conseguimos fortalecer os estados produtores e a economia regional. E a Índia é a prova de que agregar valor, é ganhar mercado. Além disso, a gente melhora o bem-estar animal e o Brasil pode se consolidar como líder sustentável”, apontou.