A recente variação de 1,37% no Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) em junho, que surpreendeu ao ficar acima das expectativas, reacendeu discussões sobre as constantes revisões nas projeções econômicas do mercado financeiro e a influência dessas projeções nas decisões de política monetária do Banco Central. Em entrevista ao Portal Vermelho, o economista João Silva expressou uma visão crítica sobre a forma como as expectativas do mercado são tratadas e utilizadas na formulação de políticas macroeconômicas no Brasil.
Segundo Silva, o que é amplamente divulgado como “opinião do mercado” é, na verdade, uma visão bastante limitada e enviesada, baseada principalmente nas expectativas de um grupo restrito de 160 profissionais, majoritariamente ligados ao setor financeiro. “Quando se fala de mercado, estamos, na verdade, nos referindo a um grupo seleto de pessoas, em grande parte diretores e presidentes de bancos e instituições financeiras, cujas opiniões dominam a pesquisa Focus”, afirmou o economista.
Ele criticou a falta de diversidade na coleta dessas opiniões, ressaltando que não há representantes da indústria, do comércio, do setor de serviços, ou de entidades sindicais sendo consultados. “É uma amostra muito restrita, o que naturalmente resulta em um viés significativo”, observou.
O economista destacou ainda que o Banco Central se compromete a usar as projeções da pesquisa Focus como referência nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), o que, segundo ele, leva a uma perigosa simbiose entre o desejo do mercado financeiro e as decisões de política monetária. “A cada 45 dias, os diretores do Banco Central deixam de ser diretores e se tornam membros do Copom, estabelecendo o patamar da Selic. Muitas vezes, eles acabam referendando as expectativas da pesquisa Focus, que, na verdade, refletem mais o desejo do setor financeiro do que uma análise econômica objetiva”, criticou Silva.
A recente alta no IBC-Br e as consequentes revisões das projeções de crescimento do PIB, que passaram de 2,2% para 2,4% para o ano de 2024, são, para Silva, exemplos da volatilidade dessas previsões e da inadequação dos modelos utilizados. Ele apontou que a economia é uma ciência social, sujeita a incertezas e variáveis imponderáveis, o que torna inevitáveis as revisões. No entanto, o economista alerta para a gravidade da dependência dessas revisões quando se trata da taxa Selic. “Quando o Copom usa essas projeções para justificar uma política de alta de juros, estamos falando de uma vontade política na veia, mais do que de uma análise macroeconômica consistente”, afirmou.
Silva também destacou que essa dinâmica entre o mercado financeiro e o Banco Central é especialmente perigosa em períodos eleitorais, quando as projeções do mercado tendem a refletir mais uma posição política do que uma análise técnica. Ele lembrou que, em 2023, as previsões de crescimento do PIB eram pessimistas, com alguns analistas prevendo menos de 1% de crescimento, mas a economia brasileira acabou crescendo quase 3%.
Em resumo, João Silva criticou a dependência excessiva do Banco Central em relação às expectativas do mercado financeiro e alertou para o risco de que essas projeções sirvam mais como um instrumento de pressão do que como uma base sólida para a formulação de políticas econômicas. “O Brasil ainda é o campeão do financismo, e a pesquisa Focus acaba influenciando as decisões do Copom de forma desproporcional, em detrimento dos interesses da maioria da população”, completou.
A métrica política da Selic
Silva explica que o IBC-Br, frequentemente referido como uma “prévia” do PIB oficial, é utilizado como um indicador para acompanhar o desempenho da economia ao longo do ano, já que o PIB oficial, calculado pelo IBGE, só é divulgado no primeiro trimestre do ano seguinte. “O IBC-Br adota modelos que envolvem variáveis macroeconômicas que são proxies, ou seja, substitutas das variáveis oficiais do IBGE. Essas proxies, como o desempenho do setor de embalagens, por exemplo, ajudam a prever o comportamento da indústria de bens e mercadorias”, detalha o economista.
Essa prática de revisar periodicamente as projeções do PIB é vista por Silva como natural e até necessária, dado o caráter dinâmico da economia. “Faz sentido fazer previsões ao longo de 12 meses, principalmente quando surgem novidades que impactam o comportamento das variáveis econômicas”, afirma. Contudo, ele aponta para uma “sutileza” importante entre as variáveis econômicas tradicionais, como PIB, inflação e taxa de câmbio, e a taxa Selic, que, segundo ele, não se enquadra na mesma lógica de previsões econométricas.
Para Silva, enquanto variáveis como o PIB e a inflação podem ser acompanhadas e revisadas com base em dados concretos e modelos econométricos, a taxa Selic é, em última instância, uma decisão política tomada pelo Comitê de Política Monetária (Copom). “Não existe um modelo econométrico que diga como será a Selic. Ela é definida pelos diretores do Banco Central, e muitas vezes, o que vemos é o Copom sendo orientado pelas expectativas da nata do financismo, que influenciam diretamente suas decisões”, critica o economista.
Silva alerta que essa influência do setor financeiro sobre o Copom, especialmente nas decisões relacionadas à Selic, revela uma falta de pluralidade nas opiniões consideradas pelo Banco Central. Ele argumenta que o mercado financeiro, composto por um grupo restrito de profissionais, acaba ditando as regras para a política monetária, o que pode ser prejudicial para a economia como um todo.
“Essa avaliação periódica do PIB é compreensível e faz parte do processo de acompanhamento da economia, mas a questão da Selic é mais complexa. Quando o mercado financeiro começa a pressionar o Copom para ajustar a Selic de acordo com seus interesses, estamos falando de uma influência que ultrapassa a análise técnica e entra no campo da vontade política”, conclui.
A discussão levantada por Silva destaca a importância de uma análise crítica sobre as práticas de revisão econômica e a necessidade de um debate mais amplo e inclusivo sobre as decisões que afetam diretamente o rumo da economia brasileira.