O programa TVGGN 20H da última sexta-feira (23) exibiu uma entrevista exclusiva com o mestre em economia pela UnB e doutor em direito pela UFMG, Leonardo Silva, que explicou a mecânica dos privilégios no Brasil e como tais privilégios favorecem poucos em detrimento de toda a sociedade.

Servidor público licenciado, Silva trabalhou no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e em diversos órgãos do Ministério da Fazenda e, a partir das próprias experiências, criou a trilogia “O país dos privilégios”, cujo primeiro volume será lançado em setembro pela editora Companhia das Letras.

Parte do entendimento que eu tenho de que um dos grandes entraves para o desenvolvimento do país, em termos de crescimento econômico, mas também de distribuição de renda e até de sustentabilidade ambiental, é que o nosso Estado é capturado por diversos grupos sociais que conseguem extrair aí do Estado, por meio de legislação, de tratamento tributário, de decisões orçamentárias, uma série de vantagens que eu resumo com essa ideia do privilégio, que etimologicamente privilégio é a lei privada.

O convidado comentou que sua pesquisa sobre os privilégios têm cinco anos e que, nesse período conseguiu mapear como os privilégios são criados, alguns deles a partir de lobbies. Na obra, cujo subtítulo é “Os novos e os velhos donos do poder”, Silva aponta que o Estado brasileiro é patrimonialista, em que pequenos grupos conseguem extrair vantagens desde a colonização portuguesa.

“Nos últimos tempos, tenho percebido que esse processo se agrava, tanto a esquerda quanto a direita. Os períodos em que a gente foi governado tanto pela esquerda quanto pela direita, a gente observa o crescimento desse movimento, à medida que a gente tem também um Centrão que domina o Legislativo, o Poder Executivo se enfraquece e, com um Poder Executivo fraco, ele se torna ainda mais alvo dessa captura desses grupos de interesses. Então, a gente observa, nos últimos tempos, uma deterioração institucional no país, por exemplo, no caso do funcionalismo público, o teto remuneratório do funcionalismo público deixa de fazer sentido. Você tem aí uma série de setores obtendo as vantagens mais variadas do orçamento público, inclusive de benefícios tributários”, continua o doutor em direito.

Histórico

Em relação ao serviço público, Silva lembra que o organização do segmento foi criada no governo de Getúlio Vargas, na tentativa de dar institucionalidade ao Estado brasileiro e conter o patrimonialismo, o coronelismo, as indicações políticas que assolavam o governo.

“Então, Getúlio Vargas tem a ideia de se instituir um órgão que vai pensar em carreiras de Estado que criem uma institucionalidade de servidores públicos, com planos de carreira, com capacitação, com uma série de blindagens contra pressões políticas, contra o apadrinhamento de indicados políticos.”

No entanto, com o passar do tempo, houve uma degeneração deste conceito, que hoje permite que diversos servidores tenham salários acima do teto do funcionalismo, além de diversos benefícios, mais conhecidos como penduricalhos.

“À medida que essas carreiras vão ganhando mais e mais poder, e elas vão ganhando mais visibilidade, mais projeção junto à sociedade, e elas se tornam, inclusive, mais poderosas dentro da estrutura do Estado, com conexões muito fortes com a cúpula do Judiciário, com o Congresso Nacional, com o Poder Executivo”, emenda o entrevistado.

Policiais federais, por exemplo, costumam ser muito temidos pelos políticos, assim como membros do Ministério Público e da Receita Federal. “À medida que essas carreiras vão ganhando poder, vão ganhando protagonismo, elas convertem algo que é necessário, que é essa prerrogativa, essa blindagem, em benefício próprio, e aí elas começam a extrair do Estado, por meio da aplicação de aprovação de legislação, ou mesmo decisões administrativas, como a gente vê no Judiciário e do Ministério Público, auxílios, benefícios.”

Disputa pelo poder

Silva chama a atenção ainda para outros grupos que mantêm uma série de privilégios a partir da tomada de poder. Entre eles a elite rural, em que empresários do agronegócio bancaram as próprias campanhas políticas para compor a bancada ruralista.

“Por muito tempo essa bancada exerceu o seu papel de tentar obter o máximo possível de recursos, de renegociação de dívidas do crédito rural, de isenções tributárias, como a inclusão de produtos na cesta básica isenta. Então, uma série de benefícios financeiros para esse grupo, mas com o passar do tempo esse grupo foi se vendo não apenas economicamente forte e representativo no Congresso, mas inclusive politicamente forte dentro do Congresso.”

Mas um dos fenômenos mais difíceis de identificar é a atuação das milícias e facções do crime organizado na política, especialmente na esfera municipal, pois tais organizações atuam nas sombras.

“É difícil ainda identificar qual é o peso que eles têm na política brasileira, mas a gente tem vários indicativos por meio de investigações em curso que mostram que esse poder é crescente. O caso, por exemplo, da Marielle é uma grande evidência do poder que esse grupo tem de eleger representantes no âmbito dos três níveis federativos e como que esse grupo tem conexões com a classe política brasileira e como ele está disposto inclusive a usar da força para eliminar todos aqueles que se colocam no caminho contra os seus interesses”, conclui o especialista.

Confira a entrevista exclusiva na íntegra em:

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Última Atualização: 24/08/2024