O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, anunciou nesta segunda-feira (8) um pacote de nove medidas para “deter o genocídio em Gaza”, que inclui embargo total de armas a Israel, bloqueio de portos e aeroportos a navios e aeronaves militares com destino ao país e proibição de entrada em território espanhol de autoridades e militares envolvidos em crimes de guerra.
Sánchez afirmou que a decisão marca um “passo a mais” da Espanha diante da escalada da ofensiva israelense, que já deixou mais de 63 mil mortos e quase 2 milhões de deslocados.
“Isto não é defender-se. Não é sequer atacar. É exterminar um povo indefeso”, disse em pronunciamento televisionado.
O decreto-lei que será aprovado pelo Conselho de Ministros consolida juridicamente o embargo de armas que vinha sendo aplicado desde 2023 e cria proibições adicionais, como a importação de produtos de assentamentos ilegais na Cisjordânia e em Gaza e a restrição de serviços consulares a cidadãos espanhóis residentes nesses territórios.
Além das sanções, o governo espanhol anunciou medidas de apoio à Palestina, entre elas o envio de novos efetivos à missão da União Europeia em Rafah, o reforço de projetos de cooperação agrícola e médica com a Autoridade Palestina e o aumento de verbas humanitárias. A contribuição à agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA) será ampliada em 10 milhões de euros (R$63 milhões), enquanto a ajuda direta a Gaza chegará a 150 milhões de euros (R$957 milhões) em 2026.
Sánchez destacou que, mesmo sem poder militar para influenciar o conflito, a Espanha quer “dar o exemplo” na defesa do direito internacional. “A Espanha não tem bombas nucleares, tampouco porta-aviões ou grandes reservas de petróleo. Nós sozinhos não podemos deter a ofensiva israelense, mas isso não significa que vamos deixar de tentar”, disse.
“Sabemos que todas estas medidas não bastarão para deter a invasão, mas esperamos que sirvam para acrescentar pressão e aliviar parte do sofrimento da população palestina”, afirmou.
“Esperamos que essas medidas sirvam para que o conjunto da sociedade espanhola saiba e sinta que, diante de um dos episódios mais infames do século XXI, seu país, a Espanha, esteve no lado correto da história”, concluiu.
As nove medidas anunciadas
- Decreto-lei que consolida juridicamente o embargo de armas a Israel, proibindo de forma permanente a compra e venda de armamento, munições e equipamentos militares.
- Proibição do trânsito em portos espanhóis de navios que transportem combustíveis destinados às forças armadas israelenses.
- Negação de entrada no espaço aéreo espanhol a aeronaves de Estado que transportem material de defesa para Israel.
- Proibição de entrada na Espanha de pessoas envolvidas diretamente no genocídio, em violações de direitos humanos e em crimes de guerra na Faixa de Gaza.
- Proibição de importação de produtos provenientes de assentamentos ilegais em Gaza e na Cisjordânia.
- Limitação dos serviços consulares a cidadãos espanhóis residentes em assentamentos ilegais ao mínimo legalmente obrigatório.
- Reforço à Autoridade Palestina, com mais efetivos na missão de assistência fronteiriça da União Europeia em Rafah e novos projetos de cooperação nos âmbitos da agricultura, da segurança alimentar e da assistência médica.
- Ampliação da contribuição à UNRWA em 10 milhões de euros (R$ 63 milhões).
- Aumento da ajuda humanitária à Faixa de Gaza para 150 milhões de euros (R$ 957 milhões) em 2026.
Reação de Israel e tensão diplomática
A decisão provocou reação imediata de Tel Aviv. O chanceler Gideon Sa’ar acusou o governo espanhol de promover uma “campanha anti-Israel e antissemita” e afirmou que Sánchez tenta desviar a atenção de escândalos de corrupção domésticos. Como retaliação, anunciou o veto de entrada da vice-premiê Yolanda Díaz e da ministra da Juventude e Infância, Sira Rego, ambas integrantes da ala mais à esquerda da coalizão espanhola.
Em coletiva realizada em Budapeste, Sa’ar atacou ainda a França e a própria Espanha, dizendo que, se estão tão empenhadas em criar um Estado palestino, “podem fazê-lo em seus próprios territórios”. O ministro reiterou que Israel “não arriscará sua segurança” com fronteiras indefensáveis ao lado de uma “organização terrorista”.
Madri respondeu em nota oficial, rejeitando “categoricamente as falsas e caluniosas acusações de antissemitismo” e assegurando que o país “não se deixará intimidar em sua defesa da paz, do direito internacional e dos direitos humanos”. O texto também reforçou que a política espanhola se orienta pela busca da solução de dois Estados.
O episódio amplia as tensões entre os dois países, que já vinham em deterioração desde que a Espanha reconheceu formalmente o Estado da Palestina, em 2024, decisão que levou Israel a retirar sua embaixadora de Madri. A medida espanhola agora a coloca na dianteira europeia de críticas abertas à guerra em Gaza.
Cenário político interno e internacional
No plano interno, o anúncio ocorre em meio a debates da base aliada sobre o alcance das sanções. Os partidos Sumar e Podemos já haviam registrado no Congresso uma proposta de embargo de armas a Israel e defendiam que a medida fosse aprovada por decreto-lei.
Setores mais à esquerda chegaram a exigir a ruptura total de relações diplomáticas com Tel Aviv, hipótese que foi rejeitada pelo PSOE, que argumenta que a manutenção do canal diplomático é necessária para seguir defendendo a solução de dois Estados.
O passo dado por Sánchez, no entanto, vai além das divisões internas e projeta a Espanha como um dos países europeus mais firmes na condenação da guerra em Gaza.
Desde 2023, Madri vinha ampliando seu apoio humanitário, fechando a venda de equipamentos militares a Israel e liderando resoluções na ONU. Agora, consolida esse percurso com medidas mais duras, apresentadas como um gesto de coerência e de responsabilidade histórica.
O anúncio ocorre às vésperas da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, onde a questão palestina voltará ao centro das atenções.
França e outros países europeus preparam-se para reconhecer formalmente o Estado da Palestina no próximo dia 22, movimento que pode isolar ainda mais Israel no cenário internacional. Nesse cenário, a Espanha busca se afirmar como voz ativa na defesa do direito internacional e dos direitos humanos.