Diante da crescente preocupação com a violência nas escolas, a sociedade tem buscado respostas rápidas e eficazes para por fim a este problema. Uma das alternativas propostas foi a transformação de escolas públicas em instituições com estrutura semelhante à de quartéis. Nascidas de um decreto federal em 2019, essas escolas cívico-militares seguiram modelos de gestão militar e, mesmo após a revogação do decreto em 2023, continuam a ser adotadas por estados como São Paulo e Amazonas.

A proposta, defendida pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e adotada por administrações estaduais, baseia-se na ideia de que a disciplina militar — caracterizada pela hierarquia rígida e obediência inquestionável — pode ser a chave para combater a violência escolar. Nesse modelo, a autoridade dos professores não é debatida, e os estudantes devem seguir as regras com disciplina e respeito, à semelhança da lógica militar. A presença de militares no alto escalão do governo em 2019 deu ainda mais força a esse argumento.

Famílias que apoiam esse modelo acreditam que limitar questionamentos ajuda a manter a ordem e evitar tumultos. Assim, conflitos são abafados em nome da disciplina, sustentada por regras inflexíveis.

De fato, dados de uma pesquisa realizada em 2022 pelo Ministério da Educação apontam que escolas que adotaram o modelo cívico-militar registraram quedas expressivas nos índices de violência: 82% na violência física, 75% na verbal e 82% na patrimonial. A aprovação popular também foi alta — 85% dos participantes disseram estar satisfeitos com a mudança no ambiente escolar.

No entanto, esses dados não podem ser analisados isoladamente. A redução da violência e o aumento da satisfação da comunidade escolar precisam ser confrontados com os impactos desse modelo sobre a formação de crianças e adolescentes em uma sociedade democrática. A mesma pesquisa do MEC revelou que, fora dos muros da escola, os conflitos continuaram sendo resolvidos com violência, o que levanta questionamentos sobre a eficácia do modelo a longo prazo e em outros aspectos do desenvolvimento educacional.

A fragilidade do modelo cívico-militar

O Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM), criado oficialmente em setembro de 2019, tinha como meta melhorar o desempenho de escolas com baixos índices no Ideb e alto índice de vulnerabilidade social. O objetivo era claro: reduzir evasão, repetência e abandono escolar.

No entanto, a primeira fragilidade do programa está na suposição de que uma realidade tão complexa quanto a violência escolar pode ser resolvida apenas com controle e imposição de regras. A violência, afinal, não é um problema isolado da escola — ela reflete as contradições e desigualdades da própria sociedade.

Além disso, há uma incoerência fundamental no modelo: ao impor normas militares ao cotidiano escolar, a escola deixa de cumprir uma de suas funções sociais essenciais — a de ensinar os estudantes a conviver com a diferença, resolver conflitos de forma pacífica e participar da vida democrática.

Esse modelo rompe com os chamados “contratos pedagógicos”, que estabelecem acordos entre professores, alunos e famílias sobre direitos, deveres e objetivos educacionais. Desde os tempos do Iluminismo, especialmente com Rousseau, entende-se que o cumprimento desse contrato é essencial para uma educação verdadeira e libertadora.

A Constituição Federal de 1988 reforça esse entendimento. Em seu artigo 205, declara que a educação deve promover o pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania e para o trabalho. O artigo seguinte defende princípios como a pluralidade de ideias e a gestão democrática — valores que entram em choque com a lógica autoritária das escolas cívico-militares.

Um caminho oposto à cidadania

Inserir a lógica militar em comunidades escolares vulneráveis, como forma de garantir ordem e disciplina, pode resultar em intolerância à diversidade e aprofundamento das desigualdades. Ao ignorar as causas reais da violência — como a exclusão social, o racismo, a pobreza e a falta de diálogo —, a escola deixa de ser um espaço de transformação e se torna apenas um ambiente de controle.

O educador Paulo Freire, cuja obra é referência mundial, já alertava: “Quando a educação não é emancipadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor”. Uma escola que apenas reprime, sem ensinar a dialogar, perde sua função principal: formar cidadãos conscientes, críticos e pacíficos.

Diversos relatos no Brasil e no mundo mostram que a educação pública de qualidade tem o poder de transformar vidas. Alunos em situação de vulnerabilidade que receberam uma formação democrática e humanista mudaram suas realidades, ajudando a construir comunidades mais justas e menos violentas.

Reproduzir modelos militares em contextos escolares vulneráveis, portanto, é seguir na direção oposta ao que a escola deveria ser. Em vez disso, é preciso investir em uma gestão participativa e dialógica, capaz de promover a paz e o respeito às diferenças — pilares fundamentais de uma educação verdadeiramente transformadora.

*Com informações do The Conversations Brasil.

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Last Update: 28/05/2025