Um escândalo de corrupção envolvendo a cúpula do governo argentino está abalando o mandato do presidente Javier Milei, em meio a investigações sobre um suposto esquema de propina na Agência Nacional para a Deficiência (Andis). O caso, que veio à tona com o vazamento de áudios explosivos, aponta para a participação de Karina Milei, irmã do presidente e uma das figuras mais influentes do governo, em um esquema de cobrança de subornos de empresas farmacêuticas.
O chefe da Agência Nacional para a Deficiência (Andis), Diego Spagnuolo, foi demitido após a divulgação dos áudios em que uma voz atribuída a ele cita a participação de Karina Milei, irmã do presidente e secretária-geral da Presidência, e do subsecretário Eduardo “Lule” Menem no esquema, que poderia gerar até US$ 800 mil por mês (cerca de R$ 4,3 milhões). A maior fatia, entre 3% e 4%, teria como destino Karina Milei.
“Estão roubando. Você pode fingir que não sabe, mas não joguem esse problema para mim. Tenho todos os WhatsApp de Karina”, diz Spagnuolo em um dos trechos vazados.
As autoridades argentinas ainda não confirmaram a autenticidade das gravações, mas abriram uma investigação.
Operações e apreensões
A Justiça argentina reagiu rapidamente. Na sexta-feira (22), foram realizadas
16 buscas em propriedades ligadas aos envolvidos, incluindo a sede da Andis, a empresa Suizo Argentina e a residência de Spagnuolo. Durante as operações, as autoridades apreenderam
celulares, uma máquina de contagem de dinheiro e US$ 266 mil em espécie (R$ 1,5 milhão).
O juiz federal Sebastián Casanello, responsável pelo caso, proibiu a saída dos investigados do país. Ao menos cinco pessoas já são rés, incluindo Spagnuolo e empresários ligados à distribuidora Suizo Argentina, acusada de intermediar contratos.
Karina Milei, a “guardiã do acesso” ao presidente
Karina Milei, secretária-geral da Presidência, exerce um papel central no governo. Ela é considerada a principal interação entre o presidente e os demais membros do Executivo — poucos conseguem falar diretamente com Javier Milei sem passar por ela. Sua influência é tão marcante que é comum vê-la ao lado do irmão em todas as aparições públicas.
Apesar das graves acusações, ela não se pronunciou diretamente sobre o caso. Já o presidente Javier Milei, que até o momento evitou comentar o escândalo, apareceu em público ao lado da irmã nesta segunda-feira (26/8), sorrindo e demonstrando apoio. Em discurso, criticou a imprensa e o Congresso, mas não questionou as denúncias.
O chefe de gabinete, Guillermo Francos , afirmou que o presidente está “tranquilo” e sugeriu que se trata de uma “perseguição política” da oposição. Martín Menem, presidente da Câmara dos Deputados e primo de Lule, defendeu os acusados: “Ponho as mãos no fogo por Lule Menem e Karina Milei”, disse, chamando os áudios de “monumental operação política” do kirchnerismo.
Consequências econômicas e eleitorais
A crise aumentou a instabilidade política no país, com reflexos no mercado financeiro. O índice de referência da bolsa argentina caiu 4% na segunda-feira (25), após já ter acumulado queda de 3,8% na semana anterior. O peso argentino também perdeu quase 3% frente ao dólar. Estes números do mercado se devem à perda de capacidade do governo de ser popular o suficiente para continuar implementando suas reformas brutais. A estratégia de confronto de Milei exige que ele seja muito popular — e isso está em risco, na opinião do mercado financeiro.
O escândalo ocorre em um momento extremamente delicado para o governo Milei. A Argentina se prepara para as eleições legislativas de outubro, tendo em vista um referendo sobre sua agenda de austeridade e reformas de mercado. Além disso, daqui a duas semanas, será realizada a eleição para governador da província de Buenos Aires, a maior assembleia eleitoral do país.
Parlamentares da oposição já pedem a convocação do ministro da Saúde e a criação de uma CPI para investigar o caso. O desgaste político é evidente: o impacto do escândalo mina diretamente o discurso anticorrupção e moralista que levou Milei ao poder em 2023, sob a promessa de combater a “casta política”.
Se Karina for considerada culpada, Milei perde não só sua principal conselheira, mas também o símbolo de sua suposta honestidade.
O que está em jogo
Karina Milei é considerada a figura mais influente no entorno do presidente, controlando o acesso à Casa Rosada e participando de todas as agendas oficiais. Caso as acusações avancem, o governo poderá perder não apenas seu principal braço político, mas também a bandeira anticorrupção que impulsionou Javier Milei ao poder.
Isso foi possível graças ao fato de o presidente ter modificado um decreto – assinado por Mauricio Macri em 2018 – que impedia a nomeação de familiares para cargos públicos.
Javier Milei chama a irmã de “O Chefe” (no masculino) e repetiu várias vezes que “sem ela, nada disso existiria”. Aqueles que conhecem Milei dizem que ela é a “grande arquiteta” por trás do projeto do ultradireitista. Ela é sua principal estrategista, conselheira e a figura central de seu agrupamento político, La Libertad Avanza.
O caso vai além de uma denúncia de corrupção. Ele expõe as contradições do modelo político de Milei, que combina ultraliberalismo econômico com um núcleo de poder familiarizado e pouco transparente. Ao mesmo tempo, coloca em xeque as previsões de sua agenda reformista em um Congresso cada vez mais resistente — como mostrou a recente anulação de um de seus vetos por parlamentares.
Agora, a pergunta que paira no ar é: até onde vai a lealdade de Milei à irmã? E mais: será que o eleitorado argentino, cansado de escândalos, vai perdoar o homem que prometeu “limpar a podridão” — mesmo que ela esteja dentro da própria família?
Enquanto a Justiça segue investigando, o relógio eleitoral corre. E o futuro próximo do governo Milei pode depender da resposta a essas perguntas.