Érika Hilton será presidenta[1]
por Laura Santos
A Guerrilha é psíquica.
O vídeo de Nicolas Chupetinha[2],com mais de um trilhão de visualizações, obviamente teve o dedo de Zuckerberg e seus algoritmos mágicos[3]. Como diz o velho ditado, o cavalo da sorte passou, e Chupetinha estava devidamente preparado para cavalgá-lo.
É indubitável que o deputado é um ótimo garoto propaganda da direita brasileira. Genial. Conta com o apoio das big techs e espalha inúmeras mentiras? Sim. Mas é popular. Fala com o público de modo simples, direto e engaja por ser uma aberração para a esquerda e um herói para a direita.
Ao ver aquele “vídeo do pix”, causador de um turbilhão que forçou o melhor presidente da história desse país, Lula, a editar uma nova medida provisória, é inegável que o rapaz, de 28 anos, é talentoso. Poderia ser comparado com um Ronaldinho Gaúcho, no futebol. Mas Érika Hilton, de 32 anos, se continuar e quiser, em breve será a nossa pelé da política. Nossa presidenta. E, por ser quem é, oxalá terá a coragem e o apoio popular para fazer as reformas mínimas que não foram feitas no século XX.
Por quê?
Porque ela é popular. Assim como Chupetinha, ela atrai a atenção da esquerda por ser uma verdadeira heroína, e da direita, por ser vista como uma “aberração”. Ou seja, para o bem ou para o mal, ela fura a bolha. Mas diferente de Nicolas, ela não apenas está preparada para cavalgar o cavalo da sorte. Ela há de fazer sua própria carruagem. E em conjunto com milhares de pessoas que lutam e acreditam que uma sociedade diferente é possível.
Érika Hilton é uma socialista. Mas é também uma mulher, negra e oriunda das classes subalternas desse país. E justamente por ser quem é que a vida de Érika, em si, é um ato de resistência. E justamente por ser quem é e estar onde está, deputada federal eleita pelo voto popular, que todas as vezes que ela, lindamente, sobe numa tribuna preparada por e para homens brancos-cis-héteros e os silencia com seu discurso, ela não sobe sozinha. Parafraseando Maya Angelou, Erika Hilton sobe na tribuna junto com mais dez mil mulheres, no mínimo. “I stand as ten Thousand”[4]. Ela jamais estará sozinha.
A vida, muitas vezes nos traz péssimas, mas também excelentes surpresas. Política é vida. Érika Hilton nos traz bons augúrios. Ela representa o que há de melhor na política: uma mulher trans-negra-advinda de classes subalternas e filiada a um partido socialista sendo uma das maiores porta-vozes e defensoras dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras desse país.
Sendo quem ela é e lutando pelo que realmente acredita, Érika é um exemplo vivo de que não existem “demandas” mais ou menos importantes. Os direitos das chamadas minorias importam sim. Só construiremos uma sociedade mais justa quando somarmos, ao invés de subtrairmos, as lutas[5]. Não adianta termos um partido revolucionário machista. Mas também não adianta ter um partido social democrata defensor da pauta LGBTQ+ que corrobore com a exploração do capitalismo neoliberal na contemporaneidade e por aí vai.
Érika Hilton é a coisa mais linda que você verá na política brasileira no dia de hoje. Talvez nos últimos tempos. Sua existência é um ato de resistência. Uma mulher negra defendendo o direito dos trabalhadores e trabalhadoras, inteligentíssima e furando a bolha com amor, alegria e esperança. Se quiser, em breve será nossa primeira presidenta trans, negra e verdadeiramente de esquerda. Sem conciliação de classes.
[1] Por Laura Santos, advogada, esp. em Direito Penal e Criminologia Crítica, mestra e doutoranda em Filosofia Política pela UFS, tendo desenvolvido parte de sua pesquisa (em andamento) na Universidade de Westminster-Londres.
[2] O Epíteto se faz necessário pra não ajudar a promover o nome do deputado Nicolas Ferreira. Caso não nos utilizemos da troça, o efeito seria o oposto do que pretendemos.
[3] Há uma excelente entrevista com o sociólogo e professor da UFABC Sérgio Amadeu, estudioso da comunicação digital, no Youtube do jornal GGN do dia 16.01.2025.
[4] “Our Grandmothers”, poema de Maya Angelou.
[5] “Para que a defesa dos interesses dos trabalhadores não se faça às custas dos direitos das mulheres, dos imigrantes ou dos consumidores, é necessário que se estabeleça uma equivalência entre essas diferentes lutas. Apenas nesta condição é que as lutas contra o poder chegam a ser realmente democráticas, que a reivindicação por direitos não seja efetivada a partir de uma problemática individualista, mas em um contexto de respeito aos direitos à igualdade de outros grupos subordinados”. (LACLAU, MOUFFE,1987, Hegemonia y Estrategia Socialista, Tradução da autora).
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “