Auditores do Tribunal de Contas da União concluíram que a licitação do Hospital do Câncer de Aracaju (SE) trouxe prejuízo de 16 milhões de reais aos cofres públicos pela desclassificação “indevida” do consórcio vencedor – à revelia de pareceres técnicos que comprovaram a capacidade da empresa em entregar a obra.
No relatório do TCU, obtido por CartaCapital, os auditores sustentaram que a então secretária de Saúde, Mércia Feitosa, teria desclassificado indevidamente o Consórcio Endeal sob alegação de que certidões apresentadas pelo grupo eram invalidas.
O Hospital do Câncer começou a ser construído há quase uma década. Ficou paralisado por cerca de três anos depois que o governo de Sergipe rescindiu o contrato com a empresa vencedora da primeira licitação. O novo certame, alvo de análise no TCU, foi lançado em 2020, mas as obras só foram retomadas de fato em abril de 2022.
Espera-se que o prédio seja entregue à população no ano que vem. A União investiu mais de 60 milhões de reais na obra enquanto o Estado aportou outros 45 milhões. Hoje, quem busca tratamento oncológico tem duas opções: ir a Salvador (a 300 km da capital sergipana) ou buscar o Hospital de Urgências de Sergipe – cuja área para esse atendimento está sobrecarregada.
O pente-fino da Corte de Contas, encaminhado ao ministro Antonio Anastasia, não deixa claro se a desclassificação do consórcio Endeal teve o objetivo de beneficiar o segundo colocado no certame, o consórcio Celi. Ao todo, os auditores do TCU fiscalizaram mais de vinte obras com indícios de irregularidades em todo o Brasil. As conclusões também foram enviadas ao Congresso Nacional, que as utiliza como base para decidir quais obras receberão recursos na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano seguinte.
No relatório do TCU, obtido por CartaCapital, os auditores sustentaram que a então secretária de Saúde, Mércia Feitosa, teria desclassificado indevidamente o Consórcio Endeal sob alegação de que certidões apresentadas pelo grupo eram invalidas.
A decisão foi tomada com base em parecer elaborado pela Procuradoria-Geral do Estado, à época chefiado por Vinícius Thiago Oliveira.
A companhia havia ficado em primeiro lugar após concluir o certame com a maior nota (85 pontos) e apresentar proposta mais barata, de 89 milhões de reais. Ao rejeitar os documentos do consórcio, o procurador alegou que as certidões não atendiam a requisitos da licitação – mas, segundo a auditoria, as exigências mencionadas sequer existiam no edital que originou o certame.
Houve recurso à Companhia Estadual de Habitação e Obras Públicas de Sergipe, que validou as certidões do grupo Endeal. Ainda assim, a então chefe da Saúde manteve a desclassificação da primeira colocada. Com isso, a secretaria fechou o contrato com o Consórcio Celi, cuja proposta era de 106 milhões de reais – 16 milhões a mais que a da sua concorrente.
“Verifica-se, também, que a proposta não continha vícios insanáveis, pelo contrário, os questionamentos formalizados na peça recursal do Consórcio Celi foram sanados tanto pelas contrarrazões apresentadas pelo vencedor do processo licitatório como pela nova análise efetivada pela Comissão de Licitação”, escreveram os técnicos do TCU.
A área técnica da Corte não pediu o rompimento do contrato somente porque a obra encontra-se em estágio avançado e em razão dos “riscos que seriam implicados à conclusão do empreendimento, possuidor de grande importância socioeconômica”. Contudo, defendeu ouvir Feitosa e Oliveira sobre a decisão de desclassificar a primeira colocada na licitação.
“Entende-se que os gestores, ao decidir pela desclassificação de licitante em sentido contrário à deliberação da Comissão de Licitação, materializou a infração aos requisitos editalícios. Considerando a sua posição hierárquica, bem como sua atribuição de homologar o certame, é razoável considerar que sua conduta deveria ter sido diversa”, observaram os auditores.
O relatório recomendou ainda que a Cehop/SE e a secretaria estadual de Saúde adotem medidas para evitar a repetição dessas falhas em futuras licitações.
Procurada por CartaCapital, a Secretaria de Saúde de Sergipe afirmou que o relatório do TCU “tem como finalidade tão somente orientar” a pasta sobre “futuras licitações envolvendo obras de porte”. Também sustentou que todas as etapas da licitação do Hospital do Câncer “foram conduzidas dentro dos parâmetros exigidos pela legislação vigente”.
A pasta mencionou análises conduzidas pelo TJ sergipano e pela Procuradoria do Estado que, segundo a nota, não constatou irregularidades no certame. “A alegação de prejuízo aos cofres públicos no valor de 16 milhões de reais não encontra respaldo em qualquer decisão administrativa ou judicial”.
O texto ainda diz que a secretaria seguirá atuando “com a transparência e o rigor no cumprimento das normas legais”. Os consórcios Celi e Endeal foram procurados, mas não retornaram os contatos da reportagem até o momento. O espaço segue aberto.