Ainda falta muito tempo para as eleições de 2026, mas a inequívoca ausência de Jair Bolsonaro – tornado inelegível até 2030 – faz com que cresçam a cada dia as especulações sobre qual nome do campo bolsonarista enfrentará Lula nas urnas daqui a dois anos e meio. O próprio presidente, em discurso na semana passada, apontou como possíveis adversários de direita os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); do Paraná, Ratinho Júnior (PSD); e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Cada um a seu modo, os quatro eventuais postulantes ao Palácio do Planalto trabalham nos bastidores de olho na possível candidatura. Entre eles, Caiado é o mais desenvolto e sua agenda, desde o início do ano, alterna compromissos em seu estado com viagens e reuniões já em ritmo de pré-campanha. “O Caiado tem se oferecido todos os dias, mas não sei se será mesmo candidato”, diz Lula.
Como freio às pretensões de Caiado, Lula aposta na divisão do União Brasil, partido claudicante no apoio ao governo no Congresso Nacional, mas que aos trancos e barrancos mantém os ministros Juscelino Filho (Comunicações) e Celso Sabino (Turismo) no primeiro escalão. Já o governador de Goiás, que conta com os apoios declarados do presidente da legenda, Antonio Rueda, e do secretário-geral, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, participou em junho de reuniões com líderes partidários e parlamentares de direita no Ceará e em Santa Catarina para discutir a viabilidade de sua candidatura. “Pré-candidato de oposição não pode se dar ao luxo de esperar para começar a campanha só no ano eleitoral. Estou discutindo os temas que preocupam os brasileiros, que sofrem com o governo muito ruim de Lula.”
Caiado é um político de comunicação fácil com determinados setores da sociedade, habilidade já demonstrada quando surgiu no cenário político nacional como líder da União Democrática Ruralista (UDR) e candidato da direita rural à Presidência da República em 1989 pelo antigo PSD (não confundir com o atual, comandado por Gilberto Kassab). Costumava aparecer na propaganda eleitoral da tevê com ares de galã de faroeste, com chapéu e montado em um cavalo branco. Como senador, e depois governador, construiu nos últimos 14 anos um discurso moralista nos costumes e linha-dura na segurança pública, que agrada em cheio ao eleitorado goiano, majoritariamente bolsonarista. Paralelamente, consolidou sua presença como defensor do agronegócio e das elites rurais do Centro-Oeste.
O governador é aprovado por 86% em Goiás. Só que o estado é o décimo colégio eleitoral do País
Uma pesquisa divulgada pela Quaest em abril registra um índice de 86% de aprovação à gestão de Caiado no estado, com destaque para o desempenho do governo goiano em segurança, considerado como bom ou muito bom por 69% dos entrevistados, e em educação, com aprovação de 67%. Nesse último item reside uma das principais vitrines políticas de Caiado, as escolas cívico-militares, que já contam com cerca de 70 unidades na rede estadual de Goiás, um recorde nacional. Na segurança, o governador apoia-se em dados que apontam uma redução pela metade – de 2.117 para 1.046 – no número de homicídios dolosos cometidos no estado entre 2018 e 2023. Em compensação, a polícia goiana mata duas vezes mais que a média nacional, segundo levantamento do Observatório de Segurança Pública, ficando atrás somente de Rio de Janeiro e Bahia.
“Caiado faz em Goiás um governo bem avaliado naquelas que são as expectativas do seu eleitorado. Claro que pode apresentar isso como credencial no plano nacional e ter um trabalho em torno do seu nome para tentar se fortalecer”, avalia Cláudio Couto. O cientista político e professor da FGV de São Paulo afirma, porém, não crer na possibilidade de o governador ser um candidato forte na disputa presidencial: “Não quer dizer que não possa vir a ser, mas eu hoje não apostaria muito na chance de Caiado se viabilizar como um candidato realmente competitivo. Embora ele seja conhecido por quem acompanha a política brasileira, um governador de Goiás, colégio eleitoral secundário, não costuma ser uma figura com grande visibilidade nacional”.
No campo bolsonarista, o maior empecilho para que Caiado seja o candidato preferencial em 2016 tem nome e sobrenome: Tarcísio de Freitas. Coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada da UFRJ, Mayra Goulart avalia que, mesmo com aprovação mais alta nas pesquisas estaduais, Caiado vem de um colégio eleitoral muito menor do que São Paulo, fator decisivo para a escolha do adversário bolsonarista de Lula: “Goiás é o décimo colégio eleitoral, com 4,8 milhões de eleitores. A alta aprovação no estado tem pouca influência fora do Centro-Oeste e Caiado não consegue estabelecer nos estados fora da sua região o fluxo informacional em seu favor”.
Outro elemento de dissociação, acrescenta a professora, é que Tarcísio é o verdadeiro candidato da Faria Lima: “Ele vem de uma direita tradicional, assim como Caiado, porém mais articulada internacionalmente e mais moderna, além de representante do mercado financeiro”. Goulart diz que Caiado pertence a um tipo de direita arcaica, simbolizada por caudilhos locais. “É muito ligado ao agronegócio, criador da UDR precursora da bancada ruralista. Tem um perfil de direita diferente do Bolsonaro, mais tradicional do que Tarcísio, porém com menor capacidade de agir sobre os formadores de opinião. O mercado tem incidência muito grande na mídia tradicional, o Tarcísio tem essa vantagem.”
Petista experiente, o deputado federal Rui Falcão avalia que, embora ainda muito cedo, tudo caminha para que o governador de São Paulo seja mesmo o principal adversário de Lula: “Eles ficam dizendo que não, que Tarcísio tem reeleição garantida ao governo estadual em 2026 e não vai se arriscar, mas isso não existe”. Na análise de Falcão, Tarcísio já busca cacife para a candidatura presidencial. “O caso da Sabesp é um escândalo, é a terceira privatização que tem um só concorrente. A concessão do aeroporto também teve um concorrente único, o trem Campinas-São Paulo idem”, observa. “A Equatorial tem participação da BlackRock, tem participação do Opportunity. Então, Tarcísio está se cacifando para ter um forte apoio empresarial.” Sobre as chances do governador de Goiás, Falcão fulmina: “Não é que não veja viabilidade eleitoral para o Caiado, eu não vejo viabilidade nem para ele ser candidato. Se a direita se fragmentar, ele até pode tentar repetir a campanha de 1989, mas tudo indica que a direita tende a convergir a um único candidato na eleição”.
O governador paulista também conta com o entusiasmado apoio da mídia e da Faria Lima
Muito da viabilidade de Caiado para 2026 passa pela relação de seu partido com o governo Lula. Ao mesmo tempo que tem o apoio da cúpula partidária nas figuras de ACM Neto e Rueda, o governador esbarra no político mais influente do União Brasil hoje, o senador Davi Alcolumbre, cotado para ser o próximo presidente do Senado e principal avalista das presenças de Juscelino e Sabino no ministério de Lula. Ex-líder da bancada do PT na Câmara, o deputado federal Zeca Dirceu diz que “a chance é zero” de Caiado ser bem-sucedido em suas pretensões eleitorais. “Bolsonaro não confia em ninguém e só dá espaço à própria família. O candidato dele será Michele ou Flávio. Tendo alguém na campanha com sobrenome Bolsonaro, não sobra nada de espaço a qualquer outro líder da direita. Ainda mais Caiado, que é um desconhecido no Sul e Sudeste, onde temos o grosso do eleitorado brasileiro, mais de 50%”, diz.
Dirceu afirma não ver nenhum partido ou força política de maior peso ao lado do governador de Goiás. “Nem o próprio União Brasil tem acordo e unidade para apoiá-lo sequer na pré-campanha.” Pelo termômetro de Brasília, diz o deputado, o partido de Alcolumbre não deixará o governo Lula, ao menos por enquanto: “O União Brasil tem dois ministros no governo, tem candidatos a presidente da Câmara e Senado. O que transparece entre a maioria dos deputados e senadores do partido é que Caiado não é prioridade”. •
Publicado na edição n° 1318 de CartaCapital, em 10 de julho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cavalo manco’