No dia dois de junho, foi publicada no portal Brasil 247 uma matéria intitulada Equilíbrio fiscal: de direita ou de esquerda?, de autoria do colunista Maurício Rands. Segundo o autor, que se apresenta como “advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford”, não só existiria a necessidade de que o Brasil se mantenha na política de equilíbrio fiscal, como seria necessário que os demais poderes, para além do executivo, cortassem gastos.

Trata-se de uma coluna em defesa do neoliberalismo que já vem sendo praticado a décadas no Brasil, com início ainda durante a ditadura, mas que se intensificou durante os governos civis, principalmente sobre os governos de Fernando Henrique Cardoso, que levaram, à época, mais de 50 milhões de pessoas à absoluta miséria. Desde então, o Brasil “gastou”, ou seja, investiu no País, muito pouco em relação ao que fazia anteriormente, com alguns programas sociais que tentaram remediar a destruição econômica causada por FHC e com alguns projetos do PAC, ainda durante os governos do PT de antes do golpe de 2016.

Ainda assim, há pessoas como Rands, que defendam a necessidade de o País precisa cortar gastos daqueles que chamam de “privilegiados”, ou seja, os funcionários públicos que restaram após a devastação econômica. O texto de Maurício Rands se inicia com:

O aumento das alíquotas de IOF anunciado pelo governo mirava algo em torno de R$ 19 bilhões para este ano. Ao propor as medidas, o ministro Haddad foi bombardeado pela oposição, mas também por gente do governo. Afinal, ninguém gosta de aumento de tributos e todos gostam de gastos públicos nas suas áreas de interesses. Cortar despesas? Só a dos outros.

Maurício fala sobre a quantidade de dinheiro que seria confiscado da população pelo Estado, que chegaria em R$ 19 bilhões. No entanto, o que o autor da matéria não conta é que esse dinheiro não ficaria nos cofres públicos e nem seria revertido em investimentos dentro do País, até porque, Maurício é adepto do corte de gastos.

O dinheiro seria usado para pagar a dívida pública e para garantir os dividendos dos acionistas que compraram o País em liquidação na época de FHC. Ou seja, os únicos beneficiados do aumento de taxas contra a população seriam os bancos e todo o mercado financeiro, a maioria composta por pessoas que sequer conseguem apontar onde o Brasil fica no mapa. O texto segue:

Imaginemos que o Brasil conseguisse as condições para reduzir os juros e iniciar um ciclo de crescimento mais rápido e sustentável. Em tese, ganharíamos todos, não? Mas a queda dos juros precisa do equilíbrio fiscal.”

Ou seja, o aumento de juros não veio com contrapartida alguma em benefício da população, mas, para que os juros abaixem, é necessário um “equilíbrio fiscal”, o que significa na prática que o brasileiro, caso parasse de ser assaltado pelos bancos, teria que deixar em contrapartida uma parte do pífio investimento estatal realizado dentro do País, o que asseguraria novamente que o dinheiro dos bancos não seria de forma alguma gasto com a população. Continuando, no mesmo parágrafo:

Essa constatação pode ser feita por conservadores adeptos da ortodoxia monetarista. Mas a ela também podem chegar progressistas mais preocupados com a redução da pobreza e da desigualdade. O velho dogma de que a esquerda seria gastadeira e a direita contida não resiste aos fatos. Tome-se o caso dos EUA. Governos republicanos reduzem impostos para os ricos e geram grandes déficits públicos. Que geralmente são corrigidos pelos governos democratas que os sucedem. Ou o caso do governo Lula 1, cuja contenção inicial possibilitou o crescimento posterior. Se o governo Dilma foi gastador, também o foi o de Bolsonaro.

Gostaríamos que o colunista explicasse como a alta taxa de juros, ou o aumento do IOF, ou até mesmo a reforma administrativa que acaba com direitos dos funcionários públicos, ajudam na redução da pobreza. O que vimos desde que essa política foi adotada no Brasil é o aumento exponencial da pobreza, o aumento da criminalidade, a piora da educação e da saúde da população, tudo para manter os lucros gigantescos dos bancos.

Maurício fala em “redução da pobreza” apenas como uma isca para pegar os que não estão acostumados com o debate, da mesma forma que faz ao chamar o Partido Democrata norte-americano de “esquerda”. A não ser que Maurício queira dizer que a “redução da pobreza” é uma política que se faz assassinando os pobres, assim como fez o governo Biden com a população de Gaza.

Todos os que viveram no Brasil antes de 2016 com certeza se lembram de um outro País, mesmo que já muito empobrecido em relação ao Brasil de antes da Ditadura Militar. Pois bem, quem deu o golpe em Dilma Rousseff foi justamente o Partido Democrata, que governava os EUA na época. De lá para cá, a pobreza só aumentou

Ao país, após a queda de Dilma, foi imposto um teto de gastos, que reduziu os salários, abriu caminho para inúmeras privatizações, retirou inúmeros direitos políticos da população e empobreceu todos. A política do arcabouço fiscal, embora tenha relaxado um pouco a tensão do teto de gastos, também ajuda no aumento da pobreza generalizada, política essa feita pelo governo atual e elogiada por Maurício, que continua:

A questão parece ter mais a ver com a natureza dos cortes. E também com o saber quem paga os tributos e seus aumentos. Estima-se em R$ 490 bi o total de “gastos tributários” atuais – as renúncias concedidas a alguns setores através de isenções, redução de alíquotas, créditos presumidos e subsídios. O Legislativo capturou o orçamento. Pulverizou despesas de R$ 50 bi anuais com as emendas parlamentares. Captura que escalou quando o então presidente Bolsonaro terceirizou a gestão ao Centrão e entregou a Casa Civil ao notório Ciro Nogueira (PP-PI). O salto dos gastos com as emendas parlamentares foi gigante. Elas se tornaram de execução obrigatória e foram de R$ 13,5 bilhões em 2019 para R$ 35,9 bi em 2020. E para R$ 50,4 bi em 2025. O autor dessa façanha foi ninguém menos do que o Centrão, um eufemismo para a velha direita patrimonialista que sempre manejou o Estado para manter privilégios das castas burocráticas e das elites econômicas.

Com “castas burocráticas”, Maurício não se refere aos ministros do STF, mas sim, aos funcionários públicos no geral. Tanto os funcionários que recebem um salário mínimo, como os que recebem um pouco melhor, são considerados parte dessa “casta burocrática” que deveria ser eliminada com uma reforma administrativa.

Ao citar as emendas parlamentares e os gastos dos bolsonaristas, o que tanta fazer o colunista, mais uma vez, é ganhar a opinião da esquerda. No entanto, muito pior do que gastar com as emendas, que bem ou mal gastas, fazem o dinheiro permanecer no País, são os dividendos pagos aos acionistas da Petrobras, por exemplo.

Por que Maurício não propõe acabar realmente com os “privilégios das elites econômicas” e sugere o fim do pagamento de dividendos aos acionistas da Petrobras? Não seria uma forma muito mais inteligente de cortar os gastos?

Deixaríamos de enviar dinheiro a pessoas que nunca contribuíram em nada com o Brasil e, no lugar, poderíamos usar o que fosse arrecadado na construção de obras necessárias para a infraestrutura do país, geraríamos empregos, poderíamos investir na educação e na saúde da população. Não é, porém, o que vemos no texto do autor, mas sim um pedido para que o povo aguente a miséria em nome do pagamento de dividendos e da dívida pública.

Qualquer ajuste envolve um equilíbrio entre redução de despesas e efetividade das receitas. Fala-se em um pacto para redução das despesas públicas. Entre os poderes, o setor privado e a sociedade civil. Todos dariam a sua contribuição. Mas a porca torce o rabo quando se discute quem deve contribuir mais para a redução das despesas. O relator do GT sobre a Reforma Administrativa na Câmara, o deputado Pedro Paulo (PDS-RJ), quer desvincular do salário mínimo as aposentadorias e benefícios de prestação continuada, além de cortar os mínimos constitucionais da saúde e da educação. A velha fórmula de jogar nas costas dos mais pobres o peso do ajuste. Como se eles, por serem mais numerosos do que os ricos e remediados, devessem sempre pagar a conta porque as despesas sociais são muito elevadas.

Mais uma vez, a isca é jogada. Maurício seria a favor não de uma reforma administrativa que danasse os pobres, mas que atingisse os privilegiados. Novamente, por que não se mexe no pagamento de dividendos? Por que, antes de cortar mais gastos estatais com salários, não deixamos de pagar os bancos que já sugaram muito dinheiro da população?

Em 2023, o governo Lula sinalizou compromisso com o equilíbrio fiscal ao aprovar o arcabouço fiscal da Lei Complementar nº 200/2023. Antes do recente aumento do IOF, em nov/2024, o presidente Lula e o ministro Haddad já tinham enviado um pacote fiscal ao Congresso, o qual foi desidratado pelos parlamentares. Os mesmos que agora rejeitam a solução do IOF. E que agora falam em reduzir as despesas sociais, mas que adiam o fim do Perse, um programa de R$ 20 bi criado pela Lei nº 14.148/2021 para compensar os impactos da pandemia da Covid-19 nos setores de eventos e turismo. Antes de reduzir despesas sociais, o país precisa que o Legislativo faça a sua parte. Assim como o Judiciário, cujo orçamento de cerca de R$ 130 bi representa 1,2% do PIB. Um percentual mais elevado do que a média internacional para países desenvolvidos e emergentes (cerca de 0,3% a 0,5% do PIB).

O “pacto” do governo ao impor os cortes de gastos e o aumento de receitas às custas do povo é um pacto com o mercado financeiro e com os bancos, o que deve ser amplamente repudiado, principalmente por se tratar de um governo do Partido dos Trabalhadores.

Precisamos, sim, de um ajuste fiscal para que o país se desenvolva. Pelo lado da receita não temos muita margem. Já pagamos tributos demais para pouco retorno. Mas, na despesa, quem deve suportar os cortes devem ser os privilegiados. Não os culpados de sempre. O ministro Haddad e o governo federal não podem ser os únicos responsáveis pelo equilíbrio fiscal. Os demais poderes têm que fazer a sua parte. Assim como os privilegiados que têm sido poupados pela velha direita patrimonialista.”

Não precisamos de um ajuste fiscal. Ao votar em Lula em 2022, a população não buscava ser ainda mais espremida para que o mercado financeiro ficasse com todo o dinheiro do Brasil. Quem defende esse tipo de política não defende o desenvolvimento brasileiro, mas a rapina do País por um bando de sanguessugas.

Por fim, respondendo à pergunta feita no título da matéria de Maurício Rands, o “equilíbrio fiscal” é uma política da direita, dos mesmos monstros direitistas que destruíram nações inteiras no que muitos já chamaram de “genocídio econômico”, ou seja, os neoliberais.

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Last Update: 04/06/2025