Desde que o conceito de preservação ambiental surgiu, o entendimento sobre a sustentabilidade passou por transformações significativas. No entanto, a discussão atual ainda carece da dimensão social da proteção ao meio em que vivemos.
A comunidade científica não é uníssona sobre as causas das mudanças climáticas, que têm assumido características cada vez mais exponenciais. Existe um grupo que considera os movimentos de aquecimento da atmosfera como decorrentes da própria trajetória da Terra ao longo das eras, enquanto outro grupo aponta o ser humano como o catalisador dessas mudanças. De todo modo, para ambos os grupos, não restam dúvidas quanto ao papel do Homo sapiens na aceleração das transformações.
É sobre essa convicção científica que se assenta a necessidade de introduzir as dimensões sociais ao debate ambiental. Não é possível falar em equilíbrio ambiental sem antes debatermos os meios de superar as desigualdades sociais existentes na geopolítica global. Os países pobres sofrem mais danos em razão de desastres climáticos do que as populações de países desenvolvidos.
É fundamental trabalhar no desenvolvimento tecnológico e social para mitigar os efeitos da ação do homem sobre o meio ambiente. É preciso identificar novas fontes de geração de energia limpa, reduzir a produção de dejetos e aumentar a reciclagem.
Há um problema de justiça distributiva no mundo que precisa ser enfrentado. Se todos consumirmos no padrão médio de consumo da população do chamado Primeiro Mundo, os recursos naturais do globo deixarão de existir. Essa é uma das razões pelas quais não se pode promover o debate ecológico sem a incorporação do prisma social.
Pensar as políticas ambientais contemporâneas impõe a modificação dos níveis de consumo do mundo globalizado. Buscar mecanismos para frear a degradação ambiental sem avançar sobre como iremos redistribuir a renda e o consumo mundiais é refletir sobre parte do problema, produzindo uma ideia de sustentabilidade injusta, não cidadã e, em escala mais ampla, ineficaz.
Não podemos mais permitir que o hiperconsumo nos países desenvolvidos se dê à custa da miséria das nações subdesenvolvidas. Muito do que é consumido em nações desenvolvidas é composto de produtos que não serão efetivamente utilizados.
Se não incorporarmos ao debate ambiental a perspectiva de redistribuição de renda e consumo no mundo, se não buscarmos equilíbrio do ser humano com o uso dos recursos ambientais e também com os demais seres humanos, promoveremos um modelo de preservação ambiental que, mais uma vez na história, privilegiará a desigualdade.
Adotando políticas de pura e simples interrupção nos níveis de crescimento de consumo, sem que sejam produzidas formas de mitigação das desigualdades desse mesmo consumo, condenaremos a maior parte da humanidade a pagar com a fome pela manutenção dos recursos naturais necessários ao sustento do consumo irracional dos povos privilegiados.
Debater como controlar o aquecimento global e outras questões que impliquem a preservação da vida no planeta é, portanto, rediscutir as relações sociais e de poder no plano internacional. Devemos estancar os padrões de consumo global, redistribuindo pelo globo seus patamares, por meio de políticas compensatórias do Primeiro Mundo aos países em desenvolvimento, de modo a equalizar o consumo global em patamares mais igualitários e menos agressivos ao meio ambiente.
Nesses termos, a crise climática não se discute ou se enfrenta apenas através da compreensão das causas e efeitos do aquecimento da Terra, mas também das condições e possibilidades de uma justiça social global. Do contrário, estaremos fadados ao fracasso. E o insucesso a que nos referimos não consiste apenas em retrocessos de uma pauta ambientalista arquitetada em fóruns multilaterais inspirados pelo mero voluntarismo primeiro-mundista. Estamos nos referindo à própria existência humana na Terra.
Publicado na edição n° 1321 de CartaCapital, em 31 de julho de 2024.