Equador: O que está em jogo no segundo turno das eleições de abril de 2025

por Francisco Dominguez

Publicado originalmente em inglês em Orinoco Tribune, 24/02/2025*

A eleição presidencial do Equador, em 9 de fevereiro de 2025, resultou em um empate técnico entre os dois principais candidatos: Daniel Noboa, a pessoa mais rica do Equador e o presidente em exercício, e Luisa González, a candidata do movimento Revolução Cidadã, fundado pelo ex-presidente Rafael Correa. Com um comparecimento de 83% dos eleitores, Noboa garantiu 44,16% dos votos, enquanto González obteve 43,98%. O único outro candidato de destaque foi Leônidas Iza, do movimento indígena Pachakutik, que recebeu 5,3%. Os 13 candidatos restantes somaram apenas 6,6% dos votos. Como nenhum candidato alcançou uma maioria decisiva, um segundo turno entre Noboa e González está programado para 13 de abril de 2025.

Durante a campanha, Daniel Noboa, desesperado para garantir uma vitória no primeiro turno, violou várias normas eleitorais. Seu governo supostamente gastou mais de US$ 12 milhões em empresas de publicidade para disseminar informações enganosamente positivas sobre sua administração e propaganda negativa contra Luisa González, que, como na eleição de 2023, sofreu ameaças de morte. A campanha de Noboa também contou com milhares de trolls on-line não identificados para ampliar suas mensagens. Em uma ação particularmente controversa, ele militarizou os portos do país e fechou suas fronteiras na véspera da eleição. Além disso, ele contornou o protocolo constitucional ao se recusar a nomear sua vice-presidente oficial, Verónica Abad, como presidente interina enquanto fazia campanha. Em vez disso, ele nomeou ilegalmente indivíduos não eleitos para o cargo.

A grande mídia do Equador promoveu fortemente uma narrativa pró-Noboa e anti-González, prevendo uma vitória esmagadora de Noboa no primeiro turno. Três empresas de pesquisa foram autorizadas pela autoridade eleitoral a realizar pesquisas de boca-de-urna. No entanto, uma empresa, Estrategas, divulgou uma pesquisa fraudulenta afirmando que Noboa teve 50,12% dos votos em comparação com os 42,21% de González. Mais tarde, foi revelado que essa pesquisa foi conduzida por um indivíduo chamado Diego Tello, cujo histórico e afiliações permanecem obscuros.

A presidência de Noboa teve consequências devastadoras para o Equador. Suas políticas exacerbaram a insegurança trabalhista, a liberalização comercial e a desregulamentação financeira, elevando a dívida pública do país para 67% do PIB, ante 38% em 2016. A desregulamentação financeira em uma economia dolarizada facilitou a fuga maciça de capitais e investimentos especulativos, além de permitir a lavagem de dinheiro e atividades ilícitas ligadas ao tráfico de drogas.

Em dezembro de 2024, mais de 5 milhões de equatorianos (de uma população de 13 milhões) estavam vivendo abaixo da linha da pobreza e 58% da população economicamente ativa trabalhava no setor informal sem emprego registrado. Noboa elevou o IVA de 12% para 15% para financiar suas polêmicas políticas de lei e ordem, o que prejudicou ainda mais a renda das famílias. Apesar de estabilizar temporariamente o fornecimento de eletricidade antes da eleição, seu governo não conseguiu resolver as causas fundamentais da crise energética, que mergulhou o país em prolongados apagões e racionamentos.

O crescimento econômico do Equador em 2024 foi de apenas 0,3%, refletindo a profundidade da crise. Enquanto isso, Noboa, membro da família mais rica do Equador, com uma fortuna estimada em US$ 1,3 bilhão, permaneceu isolado das dificuldades enfrentadas pelos cidadãos comuns.

A crise energética, causada pela seca, pelo subinvestimento em infraestrutura hidrelétrica e termoelétrica e pela negligência do governo, levou a apagões generalizados que duraram até 14 horas e a um racionamento severo. Isso provocou descontentamento em massa e prejudicou ainda mais a economia.

Talvez o aspecto mais alarmante da crise do Equador seja o aumento dos crimes violentos. Em 2024, o país registrou uma média de um homicídio a cada 75 minutos. Desde 2020, ocorreram 16 massacres em prisões, sendo que o último, em novembro de 2024, ceifou 15 vidas. Os homicídios aumentaram 245% entre 2020 e 2022, e 75% no primeiro semestre de 2023 em comparação com o mesmo período de 2022. A taxa de homicídios de crianças e adolescentes aumentou 640% entre 2019 e 2023, atingindo um recorde histórico de 40 homicídios por 100.000 habitantes em 2024, o mais violento da história do país.

Um incidente particularmente chocante foi o assassinato de quatro crianças – Ismael, Josué, Saúl e Steven – por uma patrulha militar em um crime com claras conotações racistas. Inicialmente, as autoridades tentaram encobrir o incidente, um forte contraste com o Equador durante a presidência de Rafael Correa, quando era um dos países mais seguros da América Latina.

A resposta de Noboa à escalada da violência, que está intimamente ligada aos traficantes de drogas que usam o Equador como rota de trânsito, foi replicar o modelo fracassado de “guerra às drogas” da Colômbia. Ele declarou estado de emergência por três meses, rotulando os cartéis de drogas e suas gangues armadas como “forças beligerantes não-estatais” e enquadrando a situação como um “conflito armado interno”.

Desde a traição de Lenin Moreno à Revolução Cidadã, o Equador se transformou de um dos países mais seguros da América Latina em um importante centro de trânsito para o tráfico de cocaína colombiana para a Europa. Essa mudança trouxe uma corrupção desenfreada, controle criminoso sobre as prisões e uma legislação que facilita a lavagem de dinheiro. Um estudo recente implicou o sistema financeiro do Equador na lavagem de US$ 3,5 bilhões em ativos ilegais, juntamente com uma onda incessante de violência criminosa.

O voto Correista sofreu uma ruptura em 2017, quando Lenin Moreno, o candidato presidencial da Revolução Cidadã, traiu o movimento. Guillermo Lasso, o candidato de direita, obteve maiorias nas províncias de Sierra e Amazonas, áreas que anteriormente haviam apoiado Rafael Correa em 2013. Essa divisão se aprofundou depois que Moreno adotou medidas de austeridade neoliberal inspiradas no FMI durante a pandemia, beneficiando corporações multinacionais e grupos econômicos poderosos às custas das classes média e trabalhadora. O governo de Moreno também desencadeou uma repressão brutal contra protestos em massa, incluindo uma revolta indígena em outubro de 2019 que resultou em pelo menos 8 mortes, 1.340 feridos e quase 1.200 prisões.

Em 2013, Rafael Correa ganhou 23 das 24 províncias do Equador. Em 2017, Moreno garantiu apenas 13 províncias, com Lasso vencendo as 11 restantes, principalmente nas regiões da Serra e da Amazônia. Essa tendência continuou na eleição de 2021, quando o candidato apoiado pela CIA, Yaku Pérez, do Pachakutik, ganhou 13, principalmente nas províncias de Sierra e Amazonas no primeiro turno, a maioria das quais foi para Lasso no segundo turno. Um padrão semelhante surgiu na eleição de 2023, com Luisa González vencendo em 14 províncias, Noboa em 6 e Christian Zurita (que substituiu o assassinado Fernando Villavicencio) em 4. O apoio de Pérez caiu de quase 20% em 2021 para menos de 4% em 2023.

Na tabela abaixo, podemos ver a força eleitoral da Revolução Cidadã sob a presidência de Rafael Correa e a melhoria eleitoral constante desde sua derrota em 2021:

Desempenho eleitoral da Revolução Cidadã (2006-2017 e 2021-2024 em porcentagens)
Ano 2006 2009 2013 2017 2021 2023 2024
1ª Rodada 22.84 51.99 57.17 39.16 32.72 33.61 44.00
2ª Rodada 56.67 —- —- 51.16 47.64 48.17 —–

Embora a Revolução Cidadã tenha perdido a presidência em 2021, sua derrota política começou com a traição de Lenin Moreno. Moreno, que atuou como vice-presidente de Correa de 2006 a 2013, foi eleito presidente em 2017 com o apoio dos eleitores da Revolução Cidadã. No entanto, em um ano, ele lançou uma campanha cruel contra Correa e seus aliados, usando o lawfare para proibir Correa de concorrer ao cargo e perseguir os líderes da Revolução Cidadã. O ministro das Relações Exteriores de Correa, Ricardo Patiño, foi acusado de “instigação e terrorismo”, forçando-o a buscar asilo no México em 2019. Muitos outros líderes nacionais da Revolução Cidadã, como Paola Pabón, Virgilio Hernández e Christian González, que, acusados de “rebelião” por se oporem à repressão e às políticas neoliberais de Moreno, foram forçados ao exílio para evitar a prisão, enquanto o próprio Correa buscou asilo na Bélgica.

Moreno também desmantelou instituições importantes, retirando o Equador da UNASUL e da ALBA, fechando a Telesur, reconhecendo o líder da oposição venezuelana Juan Guaidó e permitindo que os EUA estabelecessem uma presença militar nas Ilhas Galápagos. Sua terrível má administração da pandemia da COVID-19 e a prisão de Julian Assange na embaixada equatoriana em Londres mancharam ainda mais seu legado. Correa disse que ter permitido que a polícia britânica entrasse na embaixada do Equador em Londres para prender Assange foi “uma das maiores traições da história da América Latina”. No final de sua presidência em 2021, o Equador estava em ruínas, com o índice de aprovação de Moreno em apenas 5%.

Apesar desses desafios, a Revolução Cidadã tem mantido uma forte presença parlamentar. Nas eleições para a Assembleia Nacional de 2009, tornou-se o maior partido com 59 dos 124 assentos, aumentando para 100 dos 137 em 2013. Embora sua representação tenha diminuído para 74 assentos em 2017, continuou sendo o maior bloco. Depois de sofrer perseguição sob Moreno, o movimento ainda garantiu 49 assentos em 2021, 52 em 2023 e 67 em 2025.

O empate técnico entre Noboa e González, cada um com cerca de 44% dos votos, destaca o declínio dos partidos tradicionais. O desempenho do Pachakutik, embora modesto, pode ser decisivo no segundo turno. A eleição de abril de 2025 apresenta uma oportunidade promissora para a Revolução Cidadã voltar ao poder e reviver as políticas progressistas da era Correa.

No entanto, a oligarquia equatoriana, por meio de Moreno, Lasso e agora Noboa, violando normas legais e constitucionais e mergulhando o país no caos econômico e social, reverteu sistematicamente os ganhos dos anos Correa. Nos dois meses que antecedem o segundo turno, a oligarquia pode recorrer a medidas extremas para manter o poder, incluindo possíveis interferências eleitorais e violência.

Noboa, que esperava uma vitória no primeiro turno, já começou a questionar a legitimidade da eleição, alegando fraude sem provas. Observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos, da União Europeia e do Conselho Nacional Eleitoral do Equador confirmaram a transparência e a confiabilidade dos resultados.

O processo democrático enfrenta ameaças significativas, principalmente devido à militarização do país por Noboa e à possibilidade de interferência dos EUA. O Comando Sul dos EUA procurou estabelecer uma base militar em Galápagos, levantando preocupações sobre a influência externa na eleição, que, sob Trump, provavelmente se intensificará.

Em 19 de fevereiro de 2025, o Presidente Noboa apresentou uma proposta para a mobilização de tropas estrangeiras ao Equador, com a intenção de que elas colaborassem com o exército e a polícia nacionais na luta contra o que ele chamou de “bandos criminosos”. Ele não esclareceu as origens dessas tropas estrangeiras, o que levantou grandes preocupações. Atualmente, a única presença militar estrangeira permitida no Equador é a dos Estados Unidos, que opera sob um acordo especial estabelecido pelo ex-presidente Guillermo Lasso durante seu governo de 2021 a 2023.

Noboa vem defendendo uma emenda constitucional para permitir o estabelecimento de bases militares estrangeiras, uma medida que não apenas viola a constituição existente, mas também representa uma violação flagrante da soberania nacional. Seu aparente compromisso em militarizar ainda mais o Equador sugere que o próximo segundo turno das eleições poderá ocorrer com o Poder Executivo supervisionando as forças militares nacionais e internacionais.

Desde a adoção da Constituição do Equador de 2008, a oligarquia tem procurado desmantelar suas disposições progressistas e destruir o correísmo como uma força política que, se bem-sucedida, acabaria com a democracia do Equador. Esse esforço tem sido apoiado especialmente pelo imperialismo dos EUA, que tem explorado os recursos do Equador e minado sua democracia.

O movimento de solidariedade global deve permanecer vigilante, exigindo o respeito às leis eleitorais, o fim da militarização, o fim do uso do lawfare contra opositores e o fim do estado de emergência. O povo do Equador deve ter permissão para votar livremente, sem as táticas de mão pesada que caracterizaram os governos de Moreno, Lasso e Noboa.

*Tradução por Franklin Frederick.

Francisco Dominguez, um ex-refugiado chileno no Reino Unido, é o Chefe do Centro de Estudos Brasileiros e Latino-Americanos na Universidade de Middlesex, em Londres, Reino Unido.

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Last Update: 06/03/2025