Dados divulgados pela Folha de S. Paulo revelam que ações na Justiça do Trabalho por esgotamento profissional cresceram 14,5% no início de 2025, acumulando um passivo de R$ 3,75 bilhões. Apesar de ser reconhecida pela OMS, desde 2022, como doença ocupacional, o burnout ainda não se tornou alvo objetivo de políticas públicas sérias para proteger o trabalhador. O colapso mental, físico e emocional, cada vez mais comum nas empresas, está ligado a um ambiente tóxico de trabalho, marcado por assédio moral (e/ou sexual), prolongamento da jornada sem folgas, cobrança de metas e prazos, tarefas levadas para o âmbito familiar, falta de reconhecimento, intolerância a erros e falhas cometidas e até infra-estrutura de trabalho inadequada, com vigilância eletrônica da rotina por algoritmos.
A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que obriga as empresas a mapear riscos psicossociais no ambiente de trabalho, teve sua validade adiada para 2026 após forte pressão do setor empresarial. Para o especialista em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Eduardo Bonfim da Silva, o adiamento da nova versão da NR-1, especialmente no que diz respeito aos riscos psicossociais, evidencia a postura do empresariado brasileiro diante da saúde mental dos trabalhadores. “A saúde mental ainda é tratada como custo, e não como direito. O patronato empurrou o adiamento porque não quer encarar que o sofrimento psíquico é gerado por sua própria lógica de gestão”, afirma.

Coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisa em Saúde do Trabalhador (Diesat), Bonfim relembra que, no setor bancário, a pandemia escancarou os riscos: “O que parecia cuidado era, na verdade, resposta à pressão pública. Nada estrutural foi transformado. As metas abusivas, a vigilância por algoritmos e a gamificação da produtividade continuam destruindo corpos e mentes”.
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Riscos psicossociais: assédio, metas e cultura do medo
Questionado sobre os fatores mais tóxicos no ambiente de trabalho, Eduardo Bonfim é direto: “As empresas, quando olham para o problema, veem os monstros que ajudaram a criar: metas inalcançáveis, assédio moral, jornadas exaustivas, cultura do medo e meritocracia excludente”.
Segundo ele, apesar de o Ministério da Saúde já associar burnout à pressão por produtividade e à competitividade desumana, o empresariado insiste em uma visão individualizante do sofrimento. “Adoecer virou sinônimo de fraqueza, não de uma estrutura de trabalho adoecedora”, denuncia.
Burnout não se cura com palestra motivacional
“A grande maioria dos trabalhadores que enfrentam o burnout não recebe apoio real”, denuncia Bonfim. As ações empresariais, quando existem, são paliativas. “Palestras, escuta terceirizada, campanhas de bem-estar… tudo sem tocar na estrutura de poder e opressão que adoece o trabalhador.”
Para o Diesat, diz Bonfim, a saúde mental precisa ser tratada como política pública e direito humano, com sindicatos atuando como “guardas da vida” frente a uma lógica de trabalho que banaliza o sofrimento.
Selo de saúde mental do MTE: símbolo ou mudança concreta?
Sobre o selo de saúde mental proposto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Eduardo Bonfim mantém um olhar crítico: “É uma iniciativa válida, mas só terá impacto se vier acompanhada de critérios rigorosos, controle social e consequências reais. Caso contrário, vira mais um certificado bonito na parede”.
O especialista alerta: “Mudança real vem com regulação, fiscalização séria e, sobretudo, com a pressão organizada da classe trabalhadora”.
Brasil atrasado por escolha política: “Há quem lucre com o adoecimento”
Para Bonfim, o atraso brasileiro em regulamentar e fiscalizar ambientes de trabalho saudáveis não é acidental. “Existe um projeto político que se beneficia do adoecimento da classe trabalhadora. O Estado, historicamente, lavou as mãos”.
Ele denuncia o desmonte das políticas de saúde do trabalhador e a precariedade da fiscalização. “Auditores sobrecarregados, empresas livres e sofrimento invisibilizado. Mas isso não pode ser naturalizado. A mudança começa no chão das fábricas, das agências, das escolas. É ali que o trabalhador adoece em silêncio.”
Trabalhadoras na linha de frente do adoecimento: “A precarização tem cor, gênero e classe”
Os dados não deixam dúvidas: entre 2014 e 2024, mais de 24 mil notificações de transtornos mentais relacionados ao trabalho foram registradas, a maioria de mulheres. “A sobrecarga da jornada, a violência simbólica e a desigualdade salarial esmagam as trabalhadoras”, afirma Bonfim.
Ele também alerta para os perigos da escala 6×1 e do trabalho remoto sem regulação. “Não há saúde sem tempo. Sem limite. Sem valorização. O trabalho perdeu sua função social quando passou a roubar a vida das pessoas.”
Trabalho é vida, não deve ser sentença de sofrimento
Eduardo Bonfim encerra com um recado contundente: “O Diesat existe para denunciar, formar e transformar. O patronato não vai mudar por boa vontade. É com luta, consciência crítica e enfrentamento direto que vamos construir um trabalho que não adoeça nem mate.”
Segundo ele, é hora de reafirmar o compromisso com a vida no ambiente de trabalho: “Nenhum lucro justifica uma vida adoecida. Nenhuma meta vale mais que uma existência digna. Ou mudamos, ou seremos cúmplices do sofrimento.”