A governança da internet no Brasil está em xeque com a proposta de mudanças na estrutura e competências do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Renata Mielli, coordenadora do CGI.br, falou com exclusividade ao canal TV GGN, no Youtube [assista abaixo], sobre a proposta que tramita no Congresso, e como a transferência do escopo de trabalho do CGI.br para a Anatel pode fragilizar a governança da internet no Brasil.
O CGI.br é o órgão responsável por fazer a governança da internet no Brasil. Ele nasceu em 1995, na época em que a internet comercial chegava ao país, com a necessidade de definir como se daria essa governança. Internacionalmente, as melhores práticas já indicavam a importância de uma participação multisetorial para a governança da internet, dado que ela teve origem nas universidades e na academia. Em 2003, o CGI.br foi transformado em um decreto presidencial que definiu sua composição e atribuições.
A estrutura do CGI.br é composta por 21 conselheiros, representando diversos setores: seis do governo federal (incluindo MCTI, Casa Civil, Ministério da Gestão, MDIC, Defesa, e Anatel), quatro do setor privado, quatro do terceiro setor e quatro do setor acadêmico. Essa estrutura multisetorial, que está prestes a completar 30 anos, pode ser modificada.
O CGI.br criou o NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), uma entidade sem fins lucrativos de direito privado, para fazer a gestão crítica dos nomes de domínio (.br) e dos números de IP, que compõem a infraestrutura da internet no país. O NIC.br é a entidade que tem a delegação do organismo internacional responsável para operar o registro de nomes de domínio no Brasil. A gestão dos nomes de domínio é realizada a partir de uma perspectiva de interesse público. Como exemplo, é mencionado que o segundo nível antes do “.br” não é 100% aberto, permitindo políticas públicas como a criação do “.bet.br” para organizar o setor de apostas em diálogo com o Ministério da Fazenda.
Recentemente, avançou a perspectiva de que a governança da internet deveria ser transferida para a Anatel, o órgão regulador das telecomunicações no Brasil. Existe um projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados que prevê essa transferência das competências do CGI.br para a Anatel e a operação dos nomes de domínio.
No entanto, passar o controle do CGI.br para a Anatel não tem lógica. A Anatel é descrita como uma representante das empresas de telefonia, uma agência reguladora que sofre influência dos órgãos regulados. A governança da internet, por outro lado, envolve questões de opinião, jornalismo, algoritmos, que não têm relação com o foco da Anatel. Delegar a gestão dos nomes de domínio para a Anatel traria bastante fragilidade.
Manter a governança multisetorial da camada intermediária da internet (protocolos, nomes) é considerado muito estratégico para a sociedade brasileira. O CGI.br é reconhecido como uma referência internacional em governança da internet. O comitê discute diretrizes como o Decálogo da Internet, o Marco Civil, debates sobre a Lei Geral de Proteção de Dados, privacidade e regulação de plataformas, além de apoiar discussões no Congresso Nacional sobre projetos de lei.
O CGI.br também realiza eventos internacionais, como o Net Mundial em 2014 (onde o Marco Civil da Internet foi assinado) e outro em 2024, para discutir os desafios da governança da internet.
Além disso, os recursos provenientes dos nomes de domínio são revertidos para a sociedade brasileira, inclusive em investimento em ciência, desenvolvimento e pesquisa. Há planos para lançar um edital para desenvolvimento de plataformas soberanas.
É importante diferenciar as camadas da internet: a infraestrutura física (telecomunicação), a internet propriamente dita (protocolos, nomes) e a camada de aplicações (sites, plataformas). O CGI.br cuida dessa camada intermediária. Não há hoje no Brasil um órgão específico destinado a regular a terceira camada, que trata da regulação de plataformas e redes sociais.
Renata Mielli é jornalista e doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. É coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e assessora especial do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Atuou na Comissão Permanente de Comunicação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (2015-2022) e foi coordenadora do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé. Membro da Coalizão Direitos na Rede e do Conselho de Comunicação da Câmara dos Deputados. Participou da Câmara de Universalização e Inclusão Digital do CGI.br e foi Coordenadora Geral do FNDC, além de membro da diretoria do FNDC.
Assista a entrevista abaixo:
Este texto foi escrito com auxílio de I.A.
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